Mauro Ferreira no G1

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domingo, 6 de setembro de 2015

Vanessa mostra evolução como intérprete no tom expansivo de 'Delicadeza'

Resenha de show
Título: Delicadeza
Artista: Vanessa da Mata (em foto de Rodrigo Goffredo)
Local: Theatro Net Rio (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 5 de setembro de 2015
Cotação: * * * *

Quem viu Vanessa da Mata no início da carreira, tímida nos palcos e pouco (ou nada) à vontade na abordagem de músicas alheias, certamente se surpreende com a desenvoltura e a evolução mostradas pela cantora e compositora mato-grossense em seu show Delicadeza. Moldado para teatros e espaços menores, Delicadeza é show em tese pautado por maior intimidade da artista com seu público. Só que não chega a ter o clima formal de um recital - até porque os arranjos, tocados pelos pianista Danilo Andrade e o guitarrista Maurício Pacheco, dialogam com a linguagem pop contemporânea dos discos de Mata. Delicadeza, a propósito, nasceu em período de entressafra, motivada pela menor receptividade obtida pelo álbum Segue o som (Jabuticaba / Sony Music, 2014). O espetáculo derivado deste disco (de repertório autoral aquém do histórico fonográfico da artista) ficou pouco tempo na estrada, abrindo caminho neste ano de 2015 para Delicadeza, show de produção mais econômica cujo roteiro alterna composições do baú da compositora - como Viagem, lançada por Daniela Mercury no álbum Sol da liberdade (BMG, 2000) - com músicas alheias, trazidas por Mata em sua bagagem existencial. "Babagem brasileira", como enfatizou a artista para o público que lotou o Theatro Net Rio na noite de ontem, 5 de setembro de 2015. E o fato é que Vanessa da Mata - intérprete que oscilava quando cantava músicas de outros compositores - brilha em Delicadeza, passeando com naturalidade por temas como Samba a dois (Marcelo Camelo, 2003). Nesta música do repertório do grupo carioca, Danilo Andrade simula no piano o batuque do samba, cujo ritmo foi bem marcado ao fim pelas palmas das mãos da cantora. E quem se atreve a dizer do que é feito o samba? Na bagagem de Mata, o samba - como Canto das três raças (Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro, 1976), cantado de início a capella no bis em número ousado - está misturado com canções de cepa interiorana como Espere por mim, morena (1976), espécie de toada da lavra romântica do urbano compositor carioca Luiz Gonzaga do Nascimento Jr. (1945 - 1991), o popular Gonzaguinha. Embora o título Delicadeza sugira um show de clima introspectivo, e há a tal da delicadeza em temas como Carta (Ano de 1890) (Vanessa da Mata, 2002), a cantora transita em trilha oposta, oferecendo interpretações expansivas de músicas como Chovendo na roseira (Antonio Carlos Jobim, 1971) e Vá pro inferno com seu amor (Meirinho, 1976), sucesso do universo sertanejo nas vozes das duplas Milionário & José Rico e Chitãozinho & Xororó. Por vezes, a extroversão do canto da artista ignora o sentido original das letras que interpreta. A melancolia embutida em Mágoas de caboclo (J. Cascata e Leonel Azevedo, 1936) - canção que Vanessa ouvia com a avó na voz icônica do cantor carioca Orlando Silva (1915 - 1978), intérprete original do tema - se dilui, por exemplo, diante dessa expansão no arranjo conduzido de início pela guitarra de Maurício Pacheco. À parte eventuais desatenções, como creditar a Michael Sullivan e Paulo Massadas a versão em português de Lately (Stevie Wonder, 1980) escrita por Ronaldo Bastos em 1984 com o título Nada mais, é inegável que Vanessa da Mata está cantando cada vez melhor. Grande balada do melhor álbum da artista, Bicicletas, bolos e outras alegrias (Jabuticaba / Sony Music, 2010), Te amo (Vanessa da Mata, 2010) reaparece em cena com agudos luminosos. Herança do disco e show dedicados por Mata ao cancioneiro de Antonio Carlos Jobim (1927-1994), Dindi (1959) - parceria de Tom com Aloysio de Oliveira (1914-1995) - também revive radiante em Delicadeza. A dobradinha com duas músicas de Djavan - Capim (1982) e Asa (1986), emendadas com naturalidade no mesmo número em que o piano de Danilo Andrade cai no suingue  - reitera o êxito da cantora neste show que a aproxima mais do público. Tanto que a descida para a platéia, ao fim do bis, resultou dispensável, prejudicando as abordagens de Por onde ando tenho você (Vanessa da Mata, 2014) - o single irresistível do álbum Segue o som, cuja convidativa música-título também se mantém sedutora no roteiro de Delicadeza - e do reggae Vermelho (Vanessa da Mata, 2007). Enfim, ao remexer na sua bagagem afetiva, Mata tira da memória tanto um sucesso do cancioneiro católico e autoral de padre Zezinho, Maria de minha infância (1972), como um standard do repertório da cantora e compositora norte-americana Carole King, It's too late (1971), parceria de King com Toni Stern. Em ambos, a cantora se sai bem, em nada lembrando a intérprete que chegava a constranger quando dava voz a músicas alheias. Delicadeza é o atestado do progresso de Vanessa da Mata como cantora. Um alento e uma possível saída no momento em que a qualidade da intuitiva produção autoral da ótima compositora começa a oscilar.

8 comentários:

Mauro Ferreira disse...

♪ Quem viu Vanessa da Mata no início da carreira, tímida nos palcos e pouco (ou nada) à vontade na abordagem de músicas alheias, certamente se surpreende com a desenvoltura e a evolução mostradas pela cantora e compositora mato-grossense em seu show Delicadeza. Moldado para teatros e espaços menores, Delicadeza é show em tese pautado por maior intimidade da artista com seu público. Só que não chega a ter o clima formal de um recital - até porque os arranjos, tocados pelos pianista Danilo Andrade e o guitarrista Maurício Pacheco, dialogam com a linguagem pop contemporânea dos discos de Mata. Delicadeza, a propósito, nasceu em período de entressafra, motivada pela menor receptividade obtida pelo álbum Segue o som (Jabuticaba / Sony Music, 2014). O espetáculo derivado deste disco (de repertório autoral aquém do histórico fonográfico da artista) ficou pouco tempo na estrada, abrindo caminho neste ano de 2015 para Delicadeza, show de produção mais econômica cujo roteiro alterna composições do baú da compositora - como Viagem, lançada por Daniela Mercury no álbum Sol da liberdade (BMG, 2000) - com músicas alheias, trazidas por Mata em sua bagagem existencial. "Babagem brasileira", como enfatizou a artista para o público que lotou o Theatro Net Rio na noite de ontem, 5 de setembro de 2015. E o fato é que Vanessa da Mata - intérprete que oscilava quando cantava músicas de outros compositores - brilha em Delicadeza, passeando com naturalidade por temas como Samba a dois (Marcelo Camelo, 2003). Nesta música do repertório do grupo carioca, Danilo Andrade simula no piano o batuque do samba, cujo ritmo foi bem marcado ao fim pelas palmas das mãos da cantora. E quem se atreve a dizer do que é feito o samba? Na bagagem de Mata, o samba - como Canto das três raças (Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro, 1976), cantado de início a capella no bis em número ousado - está misturado com canções de cepa interiorana como Espere por mim, morena (1976), espécie de toada da lavra romântica do urbano compositor carioca Luiz Gonzaga do Nascimento Jr. (1945 - 1991), o popular Gonzaguinha.

Mauro Ferreira disse...

Embora o título Delicadeza sugira um show de clima introspectivo, e há a tal da delicadeza em temas como Carta (Ano de 1890) (Vanessa da Mata, 2002), a cantora transita em trilha oposta, oferecendo interpretações expansivas de músicas como Chovendo na roseira (Antonio Carlos Jobim, 1971) e Vá pro inferno com seu amor (Meirinho, 1976), sucesso do universo sertanejo nas vozes das duplas Milionário & José Rico e Chitãozinho & Xororó. Por vezes, a extroversão do canto da artista ignora o sentido original das letras que interpreta. A melancolia embutida em Mágoas de caboclo (J. Cascata e Leonel Azevedo, 1936) - canção que Vanessa ouvia com a avó na voz icônica do cantor carioca Orlando Silva (1915 - 1978), intérprete original do tema - se dilui, por exemplo, diante dessa expansão no arranjo conduzido de início pela guitarra de Maurício Pacheco. À parte eventuais desatenções, como creditar a Michael Sullivan e Paulo Massadas a versão em português de Lately (Stevie Wonder, 1980) escrita por Ronaldo Bastos em 1984 com o título Nada mais, é inegável que Vanessa da Mata está cantando cada vez melhor. Grande balada do melhor álbum da artista, Bicicletas, bolos e outras alegrias (Jabuticaba / Sony Music, 2010), Te amo (Vanessa da Mata, 2010) reaparece em cena com agudos luminosos. Herança do disco e show dedicados por Mata ao cancioneiro de Antonio Carlos Jobim (1927-1994), Dindi (1959) - parceria de Tom com Aloysio de Oliveira (1914-1995) - também revive radiante em Delicadeza. A dobradinha com duas músicas de Djavan - Capim (1982) e Asa (1986), emendadas com naturalidade no mesmo número em que o piano de Danilo Andrade cai no suingue - reitera o êxito da cantora neste show que a aproxima mais do público. Tanto que a descida para a platéia, ao fim do bis, resultou dispensável, prejudicando as abordagens de Por onde ando tenho você (Vanessa da Mata, 2014) - o single irresistível do álbum Segue o som, cuja convidativa música-título também se mantém sedutora no roteiro de Delicadeza - e do reggae Vermelho (Vanessa da Mata, 2007). Enfim, ao remexer na sua bagagem afetiva, Mata tira da memória tanto um sucesso do cancioneiro católico e autoral de padre Zezinho, Maria de minha infância (1972), como um standard do repertório da cantora e compositora norte-americana Carole King, It's too late (1971), parceria de King com Toni Stern. Em ambos, a cantora se sai bem, em nada lembrando a intérprete que chegava a constranger quando dava voz a músicas alheias. Delicadeza é o atestado do progresso de Vanessa da Mata como cantora. Um alento e uma possível saída no momento em que a qualidade da intuitiva produção autoral da ótima compositora começa a oscilar.

Rafael disse...

Esse show deve estar sensacional... Discordo totalmente da pessoa que disse que Vanessa se perdeu "na mata". Comentário infeliz.

Fabio disse...

Eu disse que ela se perdeu na mata. Depois do CD Multishow ao Vivo ela atingiu um platô. Vai ver ela tem de se embrenhar mais na mata para ter aquele frescor que apresentou em shows e discos anteriores.

Victor Moraes, disse...

De volta ao básico. Gostei de saber como está a Vanessa agora! Talvez a experiência desse show a tire de viver a sombra do sucesso de "Sim", com tais experimentações.
Esse contato intimista desse show, somado à releitura dela mesma e suas influências, creio que irão trazer uma decisão correta do que preparar pro próximo trabalho. Assim, se distancia de "Sim" e suas não-boas continuações ("bolos... " e" segue o som "). Que a inspire muito!

ADEMAR AMANCIO disse...

Cantar de forma expansiva "Chovendo na roseira",só vendo.

Rhenan Soares disse...

Boladíssimo que ainda não consegui ver esse show. É nítido e ótimo que Vanessa está cantando muito melhor. Achei o roteiro excelente.

Marcelo disse...

Pra que Bethânia foi elogiar??