Mauro Ferreira no G1

Aviso aos navegantes: desde 6 de julho de 2016, o jornalista Mauro Ferreira atualiza diariamente uma coluna sobre o mercado fonográfico brasileiro no portal G1. Clique aqui para acessar a coluna. O endereço é http://g1.globo.com/musica/blog/mauro-ferreira/


quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Retrô 2014: Música brasileira pulsa em nichos ao longo do ano pop sertanejo

Retrospectiva 2014 - Do ponto de vista do mercado fonográfico brasileiro, 2014 foi um ano sertanejo. Tanto que um dos campeões de vendas de discos no Brasil neste ano que hoje finda é um padre que faz sua pregação católica ao som de música sertaneja, Alessandro Campos, cantor religioso que enfrentou o colega padre Marcelo Rossi nas paradas com seu segundo álbum, O que é que eu sou sem Jesus (Som Livre). Sob a ótica do mainstream, a diluição pop da música sertaneja deu o tom das paradas e (mais) fama a astros do gênero como Luan Santana e Lucas Lucco. Não por acaso, a absorção do arrocha pelo universo sertanejo gerou ídolos locais como o baiano Agenor Apolinário dos Santos Filho, o Pablo, cuja voz romântica se fez ouvir com sucesso no Nordeste do Brasil por conta de Porque homem não chora, música que popularizou o termo sofrência no país. Mas nem tudo foi sertanejo. Com toda sua diversidade, a música brasileira pulsou, viva, por entre as brechas abertas em um mercado fonográfico cada vez mais segmentado e dividido em nichos. Com o auxílio das redes sociais, vitais para a propagação da música produzida na vigorosa cena indie do Brasil (especialmente forte na cidade de São Paulo), nomes como Criolo, Juçara Marçal, Lucas Santtana, Romulo Fróes, O Terno e Thiago Pethit também se fizeram ouvir por um público antenado, pequeno diante das proporções continentais do Brasil, mas significativo, exigente e formador de opinião. Foi nesse nicho underground que Alice Caymmi - a personalidade pop do ano por conta de seu álbum Rainha dos raios (Joia Moderna) - pulou dos posts de blogs e Facebook para as páginas dos maiores jornais e revistas do Brasil. Posta à margem desse mercado, a MPB resistiu em grandes álbuns de Francis Hime, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Mônica Salmaso. O rock made in Brasil também esteve por baixo no país do samba (pagodeiro), do Lepo lepo (um dos hits do ano na gravação feita pelo grupo Psirico em 2013) e do futebol. Só que os Titãs honraram o gênero e os seus anos de glória com álbum afiado, Nheengatu (Som Livre). Correndo por fora, mas com grande adesão popular, o funk gerou ídolos massivos como MC Guimê e Valesca Popozuda. E, em prova de que há espaço para boa música pop, a luso-brasileira Banda do Mar debutou com disco solar que gerou turnê nacional vista por pequenas multidões. Nichos à parte, ficou claro no balanço do ano que o pulso da música brasileira ainda pulsa...

Retrô 2014: Dez belos shows que marcaram o ano em palcos brasileiros

Retrospectiva 2014 - Qualquer eleição de melhores shows do ano fica invariavelmente restrita ao inevitavelmente limitado raio de visão de quem os escolhe. Diante da impossibilidade de assistir a todos os importantes shows de artistas nacionais apresentados no Brasil ao longo deste ano de 2014, Notas Musicais elege dez shows vistos pelo editor do blog, Mauro Ferreira. Seis dos dez shows foram vistos no Rio de Janeiro (RJ), cidade natal de Notas Musicais. Dois foram vistos em Salvador (BA) e outros dois em São Paulo (SP). Eis na avaliação de Notas Musicais, por ordem de entrada em cena, dez belos shows que fizeram de 2014 um ano bom do ponto de vista musical:

* Zélia Duncan & Zeca Baleiro - Zeca Baleiro e Zélia Duncan (Salvador - BA) - janeiro
- Os cantores, compositores e parceiros se harmonizaram em cena com repertório poético.


Encarnado - Juçara Marçal (Rio de Janeiro - RJ) - junho
- Com Kiko Dinucci e Rodrigo Campos, a cantora atingiu o céu ao encarar a morte ao vivo.

* Espelho d'água - Gal Costa (São Paulo - SP) - agosto
- Com maturidade, a cantora mostrou que seu nome ainda é Gal em show de voz e violão.

* Cordas, Gonzaga e afins - Elba Ramalho (Salvador - BA) - agosto
- Com a moldura armorial do grupo SaGRAMA, a cantora  fez show à altura de seu histórico.

* Bossa negra - Diogo Nogueira e Hamilton de Holanda (Rio de Janeiro - RJ) - agosto
- O cantor e o músico expandiram ao vivo a sintonia que pautou o ótimo álbum da dupla.


* 50 anos de carreira - Paulinho da Viola (Rio de Janeiro - RJ) - setembro
- O sambista 'chorão' celebrou e reavivou sua obra já cristalizada com movimentos sutis.


* Convoque seu Buda - Criolo (Rio de Janeiro - RJ) - outubro
- Com o fervor de um pastor, o rapper pregou suas boas novas músicas em show explosivo.


* Velocia - Skank (Rio de Janeiro - RJ) - novembro
- Com boas vibrações e um manancial de grandes hits, o grupo mineiro (re)fez a sua festa.


* Navega ilumina - Francis Hime (Rio de Janeiro - RJ) - novembro
- Sob a luz da inspiração, o maestro navegou por temas novos e antigos de seu repertório.


* Rainha dos raios - Alice Caymmi (São Paulo - SP) - dezembro
- A princesa da dinastia Caymmi reinou soberana no show refinado criado por Paulo Borges.

CD 'Alta costura' expõe fino acabamento do pop feliz de Ronaldo Bastos

Resenha de CD
Título: Alta costura - O prêt-a-porter pop romântico de Ronaldo Bastos
Artista: Vários
Gravadora: Dubas
Cotação: * * * 1/2

Embora seja letrista primordialmente associado ao Clube da Esquina, o compositor fluminense Ronaldo Bastos também transitou pelo pop romântico dos anos 1980 e 1990, pondo versos em melodias de parceiros como Celso Fonseca, Ed Wilson, Flávio Venturini, Lulu Santos e Ed Motta. Criteriosa coletânea lançada neste mês de dezembro de 2014 pelo selo de Bastos, Dubas, Alta costura - O prêt-a-porter pop romântico de Ronaldo Bastos expõe o fino acabamento da obra pop do poeta. São 21 gravações lançadas entre 1983 e 2011, mas com ênfase na produção do compositor nos anos 1980 - década em que a MPB adquiriu sotaque pop romântico. Três dessas 21 músicas foram lançadas na voz cristalina de Gal Costa, cantora que era mais facilmente convencida a gravar canções populares quando via a letra assinada por Bastos. Chuva de prata (Ed Wilson e Ronaldo Bastos, 1984), Nada mais (Stevie Wonder em versão em português de Ronaldo Bastos, 1984) - música ouvida em Alta costura na gravação ao vivo feita por Sandra de Sá em 2003 - e Sorte (Celso Fonseca e Ronaldo Bastos, 1985) são canções sedutoras que alavancaram as vendas de discos de Gal na fase mais pop da discografia da cantora. Até Maria Bethânia se rendeu ao pop fino de Bastos em Sei de cor (Celso Fonseca, 1986), bissexta gravação feita pela intérprete de acordo com as tendências do mercado. Assim como Zizi Possi, ouvida com Mania (Celso Fonseca e Ronaldo Bastos, 1987), Bethânia nunca soou totalmente à vontade nessas canções. Só que, mais ou menos à vontade, todas as cantoras mergulharam nessa praia, por iniciativa própria ou por pressão de produtores. Tanto que a compilação também alinha gravações de Fafá de Belém (Coração aprendiz, Erich Bulling e Ronaldo Bastos, 1985 - e não 1986 como creditado na ficha técnica da faixa), Joanna (Mal nenhum, Ed Wilson e Ronaldo Bastos, 1985), Nana Caymmi (Dois corações, André Sperling e Ronaldo Bastos, 1993) e Simone (Meu ninho, Wagner Tiso e Ronaldo Bastos, 1991). Seja como for, ou foi, o fato é que a qualidade do acabamento melódico das 21 músicas variava de acordo com a inspiração e habilidade do parceiro de Bastos. Produzida com gravações originais (a exceção é o fonograma de Sandra de Sá), a coletânea mistura peças de alta costura - como Todo azul do mar (Flávio Venturini e Ronaldo Bastos, 1983), Um certo alguém (Lulu Santos e Ronaldo Bastos, 1983) e Seguindo no trem azul (Cleberson Horsth e Ronaldo Bastos, 1985) - com temas menos vistosos, justamente relegados ao esquecimento, casos de Fases (Lágrimas perdidas) (Hyldon, 1985) - tentativa vã de enquadrar o som do cantor Bebeto na moldura pop da década - e de Uma estrela a mais (Fernando Gama e Ronaldo Bastos), gravação mais banal de Tim Maia (1942 - 1998). Em contrapartida, há casos em que o intérprete foi efêmero, mas a canção resiste bem ao tempo. Exemplo é Não diga nada (Prêntice, Ed Wilson, Gilson e Ronaldo Bastos), sucesso do esquecido Prêntice em 1985. De todo modo, a poesia de Bastos permaneceu em cena, mesmo depois de passada a euforia tecnopop da década de 1980. Gravações como as de Noites com sol (Flávio Venturini e Ronaldo Bastos, 1994) e Vendaval (Ed Motta e Ronaldo Bastos, 1997) - lançadas já nos anos 1990 - comprovam a perenidade da escrita musical do artista, poeta de versos geralmente felizes. "Tá tudo bem / Se vai mal", enfatiza Ed Motta no refrão de Vendaval, exemplificando o tom solar do pop romântico de Ronaldo Bastos. Alta costura alinha recortes de uma época em que, mesmo bastante diluída pelo sotaque pop radiofônico, a música popular do Brasil era feliz e sabia.

Retrô 2014: Racionais voltam à cena com a melhor capa de disco do ano

Retrospectiva 2014 - Os Racionais MC's causaram certo impacto na sua volta ao mercado fonográfico, em 25 de novembro. Desta vez, no entanto, o impacto foi provocado mais pela capa do primeiro disco de inéditas do grupo paulistano em doze anos, Cores & Valores (Cosa Nostra / Radar Records), do que pelo rap de Mano Brown, Edi Rock, Ice Blue e KL Jay. Na capa do álbum, precedido pelo hipnótico single Quanto vale o show? (Mano Brown), os quatro integrantes dos Racionais MC's aparecem mascarados e caracterizados como garis, com armas na mão, numa imagem original - e coerente com a estética visual do arredio grupo - que sobressaiu em ano em que as capas de discos internacionais foram bem mais criativas do que as dos discos brasileiros.

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Retrô 2014: Dez excelentes músicas que vão transcender o ano de 2014

Retrospectiva 2014 - Na era dos singles digitais, uma grande música pode ter (e geralmente tem) mais poder do que um álbum para projetar um artista ou grupo na cena contemporânea. Excelentes músicas foram lançadas em disco ao longo deste ano de 2014 em formatos de singles ou inseridas em álbuns nem sempre ouvidos com a atenção a que fazem jus. Eis na avaliação de Notas Musicais - por ordem alfabética - dez composições que têm cacife para transcender 2014:

* Alguma voz (Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro)
- Obra-prima do álbum Setenta anos, de Dori, a canção ganhou a voz de Maria Bethânia.


* Bossa negra (Diogo Nogueira, Hamilton de Holanda e Marcos Portinari)
- Com refrão vibrante, o magnetizante samba sintetizou o suingue negro do Brasil mulato.


* Fardado (Sergio Britto e Paulo Miklos)
- Rock de espírito punk em que os Titãs questionaram o papel da polícia em disco de peso.


* Mais ninguém (Mallu Magalhães)
- Música que deu o tom pop solar do primeiro álbum da Banda do Mar e que já virou um hit.


* Meu recado (Michael Sullivan e Alice Caymmi)
- Balada de vocação radiofônica pronta para virar um hit popular como tantos de Sullivan.


* Mistério (Francis Hime) (em foto de Leo Aversa)
- Grande e sinfônico samba sobre o mistério da vida lançado por Francis em CD iluminado.


* Story in blue (Thiago Pethit)
- A balada de grande beleza melódica evocou a era do doo-wop na via marginal de Pethit.


* Tomara (Gustavo Galo e arrudA)
- Bela melodia embebida em poesia resultou numa das melhores músicas do CD de Galo.


* Velho amarelo (Rodrigo Campos)
- Tema sobre a finitude escancarou, na voz de Juçara Marçal, as vísceras de CD de morte.


* Xavante (Chico César)
- O tema reiterou na voz de Maria Bethânia que Chico é da tribo dos bons compositores.

Zoli celebra dias de prazer romântico com inéditas de 'Amar amanhecer'

Resenha de CD
Título: Amar amanhecer
Artista: Claudio Zoli
Gravadora: Lab 344
Cotação: * * *

Em 1983, como vocalista do grupo Brylho, Claudio Zoli despontou nas paradas com o irresistível pop hedonista Noite do prazer (Arnaldo Brandão, Claudio Zoli e Paulo Zdanowsky). Decorridos 31 anos, o cantor e compositor fluminense reaparece em cena com solar disco de inéditas que celebra os dias de prazer romântico ao lado de sua mulher, Carol, a quem o álbum - produzido e arranjado pelo próprio Zoli - é dedicado. Inteiramente autoral, o primeiro CD de inéditas do artista desde Sem limite no paraíso (Trama, 2003) é disco romântico e diurno, como já sinaliza seu título Amar amanhecer, nome também de uma das onze músicas inéditas do repertório. Alheio às evoluções e aos modismos da música brasileira, Zoli volta ao mercado fonográfico com álbum fiel ao soul de tonalidade pop. Músicas como Clima de romance (Claudio Zoli) poderiam ter figurado em disco lançado há dez anos por Ed Motta ou pelo próprio Zoli. Dia de jogo (Claudio Zoli) abre o álbum em tom festivo com azeitado mix de sambalanço, pop e soul. A guitarra, a voz e o vocal de Zoli na faixa reiteram a assinatura do artista, reforçada ao longo do disco. Convite ao amor, Me faz feliz (Claudio Zoli) cai em suingue similar. A questão é que, como gira em torno da celebração da felicidade romântica, o disco acaba soando linear e por vezes repetitivo ao longo das onze faixas. Afinal, Amar amanhecer é, em última instância, declaração de amor de Zoli à mulher. "Meu segredo é estar ao seu lado / Em Paris ou em São Paulo", repete o refrão apaixonado de Paris a São Paulo (Claudio Zoli), destaque do repertório. No mesmo clima de romance, Chuva e jazz (Claudio Zoli) contraria seu título, estando mais para festa e sol como diz verso da letra. Contudo, de modo geral, os títulos de músicas como Bem vinda vida (Claudio Zoli) já explicitam o tom positivista de um disco coerente com a trajetória de seu criador. Como seu colega de geração Ed Motta, surgido em 1988, Zoli jamais recorreu a repertório brega para ampliar seu público, tendo permanecido ao soul decalcado no mercado fonográfico brasileiro por pioneiros como Cassiano, Hyldon e Tim Maia (1942 - 1998). Nesse sentido, Amar amanhecer - álbum coproduzido pelo tecladista Hiroshi Mizutani - vai manter inalterados o status e o público do artista. Fãs dos discos anteriores de Zoli vão se identificar com baladas de alma soul como Olhos verdes (Claudio Zoli) e Amor sem fim (Claudio Zoli). Por falar em canções, Sem pressa (Claudio Zoli e Ronaldo Lobato Santos) é balada que logo cai no suingue. No fim do disco, a humanista Somos um só pede mais amor no mundo sem sair da vibe positivista de Amar amanhecer. Claudio Zoli vive dias de prazer...

Livro sobre Seu Jorge pega pela reprodução da palavra do próprio Jorge

Resenha de livro
Título: Seu Jorge - A inteligência é fundamental
Autor: Leonardo Rivera
Editora: MPMNETO
Cotação: * * *

A improvável história da vida de Jorge Mário da Silva daria um filme, como reconhece o jornalista e produtor musical Leonardo Rivera logo no início do prólogo do livro que escreveu sobre o cantor, compositor e ator conhecido no Brasil e no mundo pelo nome artístico de Seu Jorge. Seu Jorge - A inteligência é fundamental é uma biografia não autorizada (mas tampouco desautorizada) de um Jorge que tinha tudo para cumprir o destino anônimo e triste de um dos milhões de Silva de um Brasil pobre e injusto. Só que este Jorge - oriundo de Gogó da Ema, em Belford Roxo, bairro da Baixada Fluminense (RJ) regido pelas leis dos que lá vivem - driblou as armadilhas da vida, chorou o assassinato brutal de um de seus três irmãos, sobreviveu durante sete anos como morador de rua e chegou ao topo da pirâmide social como ator de filmes como Cidade de Deus (Brasil, 2002) e como cantor e compositor de sucesso, um hábil diluidor do samba-rock dos anos 1970. A saga de Jorge Mário da Silva para se transformar em Seu Jorge é tão cativante em si que o livro de Rivera te pega pela palavra. No caso, pela reprodução de palavras ditas pelo próprio Jorge na mídia. A principal matéria-prima do livro é a entrevista concedida pelo artista ao programa Roda viva (da TV Cultura) em 2005. Costuradas com declarações de Jorge a jornais e revistas, as falas do artista nesse programa de TV ajudam Rivera a reconstituir os principais passos da vida do Jorge Mário da Silva em narrativa que seduz pela força dos fatos. A principal contribuição do autor à biografia é relatar a contratação do Farofa Carioca - o grupo carioca que deu projeção a Jorge no fim da década de 1990 - pela gravadora então denominada PolyGram. Criador do selo fonográfico Astronauta Discos, Rivera trabalhava na PolyGram na época e foi o principal incentivador da contratação do coletivo carioca. No livro, ele conta a disputa travada pelo grupo, também alvo de interesse da Sony Music, e relata a turbulenta gravação do primeiro álbum do Farofa Carioca, Moro no Brasil (PolyGram, 1998), disco que fez história com as gravações originais das músicas São Gonça (Seu Jorge) - tema inspirado pela vivência de Jorge no município de São Gonçalo (RJ) - e A carne (Seu Jorge, Marcelo Yuka e Ulisses Cappelletti). Entre um depoimento e outro do biografado, Rivera lista as atividades de Jorge no mundo da música e do cinema. Mesmo sem traçar um perfil mais profundo da personalidade de Jorge, o livro deixa entrever a inteligência que norteou a vida do artista e o inspirou a tomar decisões na época incompreendidas, como a saída do Farofa Carioca após o lançamento do primeiro álbum do grupo. Nas entrelinhas, o livro revela que a inteligência foi mesmo fundamental para que Jorge Mário da Silva chegasse (a)onde chegou.

Gabi Buarque trama sons de um Brasil delicado e poético em 'Fiandeira'

O fato de Gabi Buarque fazer conexão com a cantora e compositora paraibana Socorro Lira em uma das músicas de seu segundo álbum - O gosto do sonho, composição assinada e gravada com Lira - diz muito sobre essa cantora, compositora e instrumentista carioca. Tal como Socorro Lira, Gabi Buarque tece em Fiandeira (Independente) a trama e a trilha de um Brasil mais poético, delicado e quase folclórico. Brasil evocado em canções autorais como Outono e Lea. Em tom mais expansivo, Gafieiríssima (Gabi Buarque e Vidal Assis) põe a artista no salão entre metais. A cantora também cai no samba em Finta (Gabi Buarque e Marcelo Noronha) com a adesão do cantor carioca Marcos Sacramento. Jaques Morelenbaum também figura no disco, participando de Rosa dos ventos (Gabi Buarque e Iara Ferreira). Produzido pela própria Gabi Buarque com Luís Barcelos, Fiandeira sucede Deixo-me acontecer (Independente - 2011) na discografia da artista.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Retrô 2014: Os onze discos brasileiros que sobressaíram ao longo do ano

Retrospectiva 2014 - Em um mercado fonográfico cada vez mais segmentado, em que cada artista tenta reverberar seu som dentro de um nicho específico e tenta se fazer ouvir por um determinado público, onze discos brasileiros lançados ao longo deste ano de 2014 sobressaíram e mereceram a cotação máxima (cinco estrelas) de Notas Musicais. Por isso, em vez de dez discos, o blog elege excepcionalmente onze títulos como os melhores álbuns de 2014 por reconhecer que seria injusto tirar qualquer um dos discos da lista apenas para manter a tradição de apontar dez CDs como os melhores do ano. É uma lista que contempla a diversidade, indo de Juçara Marçal a Maria Bethânia, de Gustavo Galo a Gilberto Gil, pois Notas Musicais jamais ergueu muros que separam artistas da cena indie - cada vez mais populosa e vigorosa, como prova a seleção deste ano de 2014 - dos chamados medalhões da MPB. Até porque a música em si desconhece fronteiras. Os critérios que apontam estes onze discos como os melhores de 2014 são unicamente artísticos. Não importou, para Notas Musicais, que o disco tenha obtido maior ou menor alcance comercial em mercado dominado por gêneros massivos como o sertanejo de cepa pop, o pagode e o arrocha. O único fator determinante - neste ano de 2014 e também nos sete anos anteriores - foi a excelência artística do disco em questão. Eis - por ordem alfabética dos nomes dos onze álbuns - os melhores discos de 2014 na avaliação do editor de Notas Musicais:

* Asa (Independente) - Gustavo Galo
- Um disco de minimalismo cru, em que a melodia se uniu com delicadeza à poesia, deu asa ao artista da Trupe Chá de Boldo em produção azeitada de Gustavo Ruiz e Tatá Aeroplano.

* Bossa negra (Universal Music) - Diogo Nogueira e Hamilton de Holanda
- Ao se unir ao excepcional bandolinista para compor e gravar repertório inspirado pelos afro-sambas dos anos 1960, Diogo cresceu como cantor, honrando o seu nobre sobrenome.

Convoque seu Buda (Oloko Records) - Criolo
- Três anos após estourar com Nó na orelha, o rapper paulistano provou que a chapa de seu rap continua quente em azeitado CD produzido por Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral.

Corpo de baile (Biscoito Fino) - Mônica Salmaso
- A cantora atingiu a perfeição ao dar sua voz precisa ao cancioneiro composto por Guinga com Paulo César Pinheiro, apresentando seis inéditas da parceria desfeita nos anos 1980.

Encarnado (Independente) - Juçara Marçal
- A vocalista do grupo Metá Metá cresceu e apareceu como cantora em atordoante CD solo que versa sobre a morte no toque afiado das guitarras de Kiko Dinucci e Rodrigo Campos.

Gilbertos samba (Sony Music) - Gilberto Gil
- O reencontro dos Gilbertos deu samba em grande disco em que Gil sustentou a leveza genial do som de João sem cair na tentação de imitar o mestre ao revisitar o seu repertório.

* Mestiça (Saravá Discos) - Jurema
-  Sob a direção artística do pianista e compositor Marcos Vaz, a cantora, compositora e historiadora soteropolitana reinventou a baianidade nagô em disco de tom contemporâneo.

Meus quintais (Biscoito Fino) - Maria Bethânia
- Em disco íntimo e pessoal, feito para sua tribo, a intérprete urdiu arco poético e musical que abarcou Brasil distante povoado por índios, caboclos e Iaras em tempo de delicadeza.

* Rainha dos raios (Joia Moderna) - Alice Caymmi
-  Sob produção de Diogo Strausz, a moderna princesa da dinastia Caymmi quebrou a onda que batia na praia familiar com CD arrojado que uniu Caetano Veloso,  MC Marcinho e Tono.

Rock'n'roll sugar darling (Independente) - Thiago Pethit
- Com o açúcar do candy rock, com afeto e com afetação glam, o artista paulistano fez um disco abusado e sexual que cruzou The Stooges e David Lynch na mesma estrada marginal.

Sobre noites e dias (Diginois) - Lucas Santtana
- Em seu disco mais expansivo, o artista recorreu a uma sonoridade pop eletrônica para fazer a crônica urbana dos amores e dores dos tempos cibernéticos em repertório sedutor.

Registro ao vivo do show 'Gilbertos samba' sai sem 'Um abraço no Bonfá'

Recém-lançado pela gravadora Sony Music nos formatos de CD duplo e DVD, o registro ao vivo de Gilbertos samba - show no qual Gilberto Gil expande o diálogo com o repertório de João Gilberto ao entrelaçar no roteiro sambas de sua autoria com sambas gravados pelo criador da Bossa Nova - chegou ao mercado fonográfico com número adicionado ao longo da turnê do show. Trata-se do samba É luxo só (Ary Barroso e Luiz Peixoto, 1957), gravado por João Gilberto em seu primeiro álbum, Chega de saudade (Odeon, 1959). Captada na passagem de som, a abordagem de É luxo só por Gil entrou no CD e é ouvida no DVD enquanto rolam os créditos do vídeo. Em contrapartida, Gilbertos samba ao vivo chegou às lojas em CD e DVD sem a versão com letra de Um abraço no Bonfá (João Gilberto, 1960), número que foi a grande novidade do show. Tema originalmente instrumental, composto por João Gilberto para saudar o compositor e violonista carioca Luiz Bonfá (1922 - 2001), Um abraço no Bonfá ganhou letra escrita por Gil para o projeto. No entanto, como a gravação do tema com a letra de Gil depende da autorização do arredio João, já que se trata de parceria feita à sua revelia, o jeito foi editar a gravação ao vivo do belo show de Gil - clique aqui para ler / reler a resenha da estreia nacional de Gilbertos samba - sem o número.

'Sambabook' junta Dona Ivone Lara com Tia Maria, voz do Jongo da Serrinha

A IMAGEM DO SOM - Postada na página oficial do projeto Sambabook no Facebook, a foto flagra o encontro histórico de duas damas da Serrinha, comunidade da Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro (RJ), berço do jongo e da escola de samba Império Serrano. Matriarca do Jongo da Serrinha, Tia Maria (à esquerda) participa do Sambabook dedicado à obra de Dona Ivone Lara e programado para ser lançado no primeiro semestre de 2015 nos formatos de CD e DVD. O grupo canta Axé de Ianga (1980).

Diogo Nogueira apronta as bases de álbum produzido por Bruno Cardoso

 A IMAGEM DO SOM - Postadas por Diogo Nogueira em sua página oficial no Facebook, as fotos flagram o cantor e compositor carioca em estúdio da cidade do Rio de Janeiro (RJ). Diogo grava seu terceiro álbum de estúdio com produção do vocalista e líder do grupo de pagode Sorriso Maroto, Bruno Cardoso (visto nas duas fotos com Diogo). Já estão prontas as bases do disco, programado para ser lançado pela gravadora Universal Music em 2015, por meio do seu selo EMI.

domingo, 28 de dezembro de 2014

Retrô 2014: MC Guimê amplia fama ao ostentar o seu funk no 'país do futebol'

RETROSPECTIVA 2014 - Com apenas 22 anos, completados em novembro, o cantor e compositor paulista Guilherme Aparecido Dantas, o MC Guimê, se impôs em 2014 como uma das novas caras da música popular produzida e consumida no Brasil. Voz do funk ostentação, MC Guimê é autor e intérprete de País do futebol, um dos hits do ano, embora a música tenha sido lançada em novembro de 2013 no formato de single digital. Propagada diariamente na abertura da novela Geração Brasil, exibida pela TV Globo às 19h entre maio e outubro, País do futebol é parceria de Guimê com Emicida, rapper paulistano que também participou da gravação da música. O sucesso da música sedimentou trajetória iniciada em 2010 e que, desde 2011, tem gerado singles como Tá patrão (2011) e Plaquê de 100 (2012). No embalo do estouro de País do futebol, tema idealizado para ser um dos hits da Copa do Mundo disputada no Brasil entre junho e julho de 2014, MC Guimê lançou mais dois singles ao longo do ano, Brazil we flexing (Fabulouz Fabs e Guimê) - gravado com o rapper norte-americano Soulja Boy e lançado em setembro - e Eu vim pra ficar (Guimê). Lançado no formato de single digital em novembro de 2014, Eu vim pra ficar sinaliza que o funk ostentação de Guimê ganhará direcionamento mais pop no primeiro álbum do artista, previsto para ser lançado no fim de 2015. Guimê pode ter bom ano novo...

Elza Soares faz registro audiovisual do show em que canta e chora Lupicínio

A IMAGEM DO SOM - Postada na página oficial de Elza Soares no Facebook, a foto mostra a cantora carioca no palco do Theatro São Pedro, em Porto Alegre (RS), na gravação ao vivo do show em que Elza interpreta músicas do compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues (1914 - 1974). O registro audiovisual do show - uma produção das empresas Barravento Artes e Joner Produções - foi feito pela Estação Filmes em duas apresentações, realizadas em 16 e 17 de dezembro de 2014. O figurino de Elza foi assinado pelo estilista Ronaldo Fraga. A edição do DVD já está programada para o fim de 2015.

Saem CD e DVD com o show da turnê do 25º 'Prêmio da Música Brasileira'

Chegam às lojas nesta segunda quinzena de dezembro de 2014, com distribuição da gravadora Universal Music, o CD e DVD que trazem a gravação ao vivo do show derivado da cerimônia da 25ª edição do Prêmio da Música Brasileira. O samba foi o homenageado do prêmio neste ano de 2014. O show da turnê itinerante foi captado logo em sua primeira parada, na cidade do Rio de Janeiro (RJ). Na gravação ao vivo, feita em 15 e 16 de maio de 2014 em apresentações do show no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, Beatriz Rabello, Péricles e Xande de Pilares se juntaram ao elenco fixo da turnê, formado por Arlindo Cruz, Beth Carvalho, Dudu Nobre e Mariene de Castro. O DVD traz nos extras o inédito Samba da turnê, composto coletivamente ao longo da turnê do show roteirizado pela cantora Zélia Duncan sob a direção do empresário José Maurício Machline. Eis as faixas do CD e do DVD Turnê 25º Prêmio da Música Brasileira - Homenagem ao samba:

1. Viva meu samba (Billy Blanco, 1958) - somente no DVD
Arlindo Cruz:
2. Dor de amor (Arlindo Cruz, Acyr Marque e Zeca Pagodinho, 1986)

3. A pureza da flor (Arlindo Cruz, Jr. Dom e Babi, 2006) - somente no DVD
4. O show tem que continuar (Arlindo Cruz, Sombrinha e Luiz Carlos da Vila, 1988)
Dudu Nobre:
5. Vou botar teu nome na macumba (Dudu Nobre e Zeca Pagodinho, 1995) /
    Quem é ela? (Dudu Nobre e Zeca Pagodinho, 2005)
6. Mulata assanhada (Ataulfo Alves, 1956)
7. Não deixe o samba morrer (Edson Conceição e Aluísio, 1975)

Mariene de Castro:
8. ...E o mundo não se acabou (Assis Valente, 1938)
9. Menino Deus (Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro, 1974)
10. Tirilê (Dunga e Roque Ferreira, 2014)

Xande de Pilares:
11. Pedi ao céu (Almir Guineto e Luverci Ernesto, 1979)
12. Me deixa em paz (Monsueto Menezes e Aírton Amorim, 1952)
13. Do jeito que a vida quer (Benito Di Paula, 1976)

Beatriz Rabello:
14. Timoneiro (Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho, 1996) /
      Onde a dor não tem razão (Paulinho da Viola e Elton Medeiros, 1981) /
      Na linha do mar (Paulinho da Viola, 1973)

Angélique Kidjo e Péricles:
15. Sinfonia da paz (Altay Veloso, 1991) /
      O canto das três raças (Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro, 1976)

Péricles:
16. O mar serenou (Candeia, 1975)
17. Saudosa maloca (Adoniran Barbosa, 1955)
Dudu Nobre e Xande de Pilares:
18. Do fundo do nosso quintal (Jorge Aragão e Alberto Souza, 1987)

Arlindo Cruz e Péricles:
19. A voz do morro (Zé Kétti, 1956)

Arlindo Cruz, Dudu Nobre, Péricles e Xande de Pilares:
20. Camarão que dorme a onda leva (Arlindo Cruz, Beto sem Braço e Zeca Pagodinho, 1983)

Beth Carvalho:
21. Preciso me encontrar (Candeia, 1976) /
     O sol nascerá (Cartola e Elton Medeiros, 1964) /
     Juízo final (Nelson Cavaquinho e Élcio Soares, 1973)
22. Vou festejar (Jorge Aragão, Dida e Neoci, 1978)

Beth Carvalho, Mariene de Castro e Beatriz Rabello:
23. Coisinha do pai (Jorge Aragão, Almir Guineto e Luiz Carlos, 1979) - somente no DVD

Arlindo Cruz, Beatriz Rabello, Beth, Dudu Nobre, Mariene de Castro, Péricles e Xande:
24. Canta, canta minha gente (Martinho da Vila, 1974)
25. Samba de arerê (Xande de Pilares, Arlindo Cruz e Mauro Jr., 1999)

Biografia desvenda (quase) todo o mistério sobre a vida de Assis Valente

Resenha de livro
Título: Quem samba tem alegria - A vida e o tempo de Assis Valente
Autor: Gonçalo Junior
Editora: Civilização Brasileira
Cotação: * * * 1/2

No texto escrito para a orelha da mais alentada biografia do compositor baiano Assis Valente (19 de março de 1908 - 11 de março de 1958), assinada pelo jornalista Gonçalo Junior e recém-lançada pela editora Civilização Brasileira, o compositor carioca Nei Lopes exalta o fato de o livro revelar, enfim, o mistério do autor do samba Camisa listrada, sucesso de Carmen Miranda (1909 - 1955) em 1937. Mas o fato é que, embora a biografia resulte confiável ao montar amplo painel da vida e do tempo de José de Assis Valente, seu autor se esquiva de investigar a suposta reprimida homossexualidade do compositor, a rigor efetivamente nunca comprovada. Se fosse atestada, a suposta homossexualidade talvez pudesse explicar as sucessivas sumidas de Assis e as crises depressivas, mencionadas por Gonçalo Junior ao longo das 658 páginas de Quem samba tem alegria - A vida e o tempo de Assis Valente. Sem ao menos cogitar e discutir essa hipótese (enfaticamente rechaçada pelo autor na única breve menção sobre o tema, feita à página 506), Gonçalo Junior tira um pouco do brilho de um livro que - omissão à parte - deve ser lido por quem se interessa pela produção musical brasileira dos anos 1930, década áurea para o compositor baiano. Assis teve 155 músicas gravadas entre 1932 e 1958 (ano em que o compositor ingeriu mistura letal de guaraná com veneno de rato, consumando, enfim, o suicídio que tentara outras sete vezes), mas foi nos anos 1930 que emplacou seus maiores sucessos. Sua escalada foi iniciada em 1932 com a gravação do samba Tem francesa no morro por Aracy Cortes (1904 - 1985), cantora carioca dos teatros de revista que logo seria superada por uma portuguesa de nascimento, mas de alma brasileira, que teria sua voz propagada pelas ondas do rádio que se fortalecia no Brasil de então e que foi o principal veículo para a exposição do cancioneiro de Assis Valente. Carmen Miranda foi a principal intérprete dos sambas e marchas de Assis, que chegou à cidade do Rio de Janeiro (RJ) em 1928 em busca do sucesso e do reconhecimento que nunca tivera na Bahia, seu Estado natal. A biografia de Gonçalo Junior, aliás, é brilhante ao reconstituir o nascimento de Assis, confrontando versões e relatando fatos que apontam 1908 como o ano em que o compositor veio ao mundo (e não 1911, como sustentam outras fontes). Tenha nascido no Campo da Pólvora (em Salvador - BA) ou em Patioba (cidade do interior da Bahia), o fato é que Assis foi separado da mãe pobre e solteira, por volta dos seis anos, para ser criado por família de dentista rico na cidade baiana de Alagoinhas. Nessa casa, amargou trabalhos pesados enquanto obteve os primeiros conhecimentos da profissão de protético que iria sustentar seus luxos no Rio de Janeiro. A grande maioria das 658 páginas de Quem samba tem alegria reconta a vida de Assis na competitiva cena musical do Rio, mostrando o compositor dividido entre o deslumbre do meio artístico e o ofício sem glamour de protético (função na qual Assis também se destacou por esculpir cada dentadura como obra de arte). O livro traça perfil convincente de Assis, apontado como vaidoso (da aparência e da obra), generoso (gastava o que tinha e o que não tinha com amigos falsos e verdadeiros), marqueteiro (soube utilizar a mídia de sua época para se promover como compositor, para ciúme de seus colegas de ofício e geração), sagaz e por vezes arredio. Um compositor temperamental e versátil que deixou para a posteridade músicas inspiradas como a marcha natalina Boas festas (1933), o tema junino Cai, cai, balão (1933) e os sambas Alegria (1937), ...E o mundo não se acabou (1938) e Brasil pandeiro (1941), além do já mencionado Camisa listrada (grafado como Camisa listada na gravação original de 1937). Mas, como enfatiza Gonçalo Junior, o Assis que se iluminava com um comentário positivo a seu respeito nos jornais era o mesmo que se deixava encobrir pelas sombras diante de qualquer contrariedade ou crítica negativa. Tal bipolaridade o levou à depressão, potencializada pelo consumo de fartas doses de álcool e cocaína. Por sua vez, essa depressão levou Assis a ver o suicídio como a única saída para a fase crepuscular em que se viu sem dinheiro, sem o sucesso de outrora e sem amigos. Ao relatar minuciosamente essa fase, o autor valoriza Quem samba tem alegria. É fato que há eventuais imprecisões históricas no livro - como creditar somente a 1931 o sucesso de Taí (Pra você gostar de mim) (Joubert de Carvalho), marchinha lançada por Carmen Miranda em fevereiro de 1930 - e que, por vezes, Gonçalo Junior perde o foco quando se excede ao contextualizar, na cena musical da época, fatos da vida de outras personagens como, por exemplo, a chegada do cantor e compositor baiano Dorival Caymmi (1914 - 2008) ao Rio de Janeiro - assunto de várias dispensáveis páginas. Mas esses pontos negativos da narrativa jamais tiram o mérito de trabalho de fôlego. Gonçalo Junior desvenda (quase) todo o mistério sobre a vida triste do aparentemente alegre Assis Valente. Faltou apenas discutir na biografia a questão da (suposta) homossexualidade.

sábado, 27 de dezembro de 2014

Tatiana Dauster lança o terceiro disco, 'Medo e força', gravado com Otto

Cantora e compositora carioca que deu seus primeiros passos musicais na cena do Rio de Janeiro (RJ) dos anos 1990, Tatiana Dauster lança seu terceiro disco, Medo e força (Bolacha, 2014). Produzido por Alexandre Kohl, parceiro da artista na composição de seis das 11 músicas deste disco autoral (Estrada, Não me venha falar e Roda, entre elas), o CD sucede o álbum Tatiana Dauster (Nikita Music, 2003) na espaçada discografia da artista, que debutou no mercado fonográfico em 1998 com EP produzido por Pedro Luís. O cantor e compositor pernambucano Otto participa da música Às vezes. Em outra conexão com a cena de Pernambuco, Dauster regrava Trancelim de marfim (Isaar, 2005) - música gravada por Isaar com DJ Dolores no álbum Aparelhagem (Ziriguiboom, 2005), do DJ Dolores - com a adesão do rapper panamenho MC Zulu.

Retrô 2014: Hit no Carnaval, 'Lepo lepo' é a música mais buscada do ano

Retrospectiva 2014 - A gravação de Lepo Lepo foi feita e lançada pelo grupo baiano de pagode Psirico em 2013. Mas foi neste ano de 2014 que a música de autoria de Magno Sant'anna e Filipe Escandurras se tornou um dos hits do ano na voz do vocalista do grupo, Márcio Victor Psirico. O sucesso massivo foi semeado já em janeiro quando alguns jogadores de futebol passaram a fazer publicamente a coreografia de Lepo lepo, primeiro na web e, logo em seguida, nos gramados. Em fevereiro, já era moda festejar um gol com a coreografia da música. Mania que deu projeção a Lepo lepo em todo o Brasil e também no mundo. Hit no Carnaval de Salvador (BA) em março, a música atravessou o primeiro semestre de 2014 com fôlego. Incluída no disco oficial da Copa do Mundo de 2014, Lepo lepo foi reprocessada em single que aditivou a gravação do Psirico com a batida do rapper norte-americano de ascendência cubana Pitbull. Música mais tocada nos eventos e shows associados à Copa do Mundo disputada no Brasil entre junho e julho, de acordo com o ECAD, Lepo lepo foi a música mais buscada na ferramenta de pesquisa do Google em 2014 segundo levantamento divulgado em dezembro pela empresa Google Brasil. Lepo lepo fez folia!!!!!

Eis a bela capa do segundo álbum do trio carioca Les Pops, 'Delira e vai'

Esta é a capa do segundo álbum do grupo carioca Les Pops, Delira e vai. Com repertório autoral que inclui músicas como Adaga, o disco vai ser lançado em edição digital, prevista para chegar às plataformas a partir de 16 de janeiro de 2015, via Coqueiro Verde Records. A atual formação do Les Pops une os fundadores do trio, Daniel Lopes (baixo e voz) e Rodrigo Bittencourt (guitarra e voz), à vocalista Luisa Micheletti. Rodrigo Bittencourt assina a música-título Delira e vai.

Céu esbanja elegância e sedução na primeira gravação ao vivo de show

Resenha de CD e DVD
Título: Céu ao vivo
Artista: Céu
Gravadora: Urban Jungle / Slap  / Som Livre
Cotação: * * * * 1/2

Primeiro nome da cena musical contemporânea de São Paulo (SP) a ganhar projeção, Céu - cantora e compositora que despontou em 2005 com a edição de um primeiro álbum batizado com seu nome artístico - chega ao DVD no timing certo. Em vez de ceder à tentação de lançar logo um DVD (produto por vezes redundante que somente alcançou relevância na indústria fonográfica do Brasil), a artista esperou três álbuns de estúdio para fazer seu primeiro registro ao vivo de show, captado em 30 de julho de 2014 no Centro Cultural Rio Verde, em São Paulo (SP), sob direção de The Wolfpack. Síntese da primeira década de carreira da artista,  Céu ao vivo chega ao mercado no momento ideal porque flagra a cantora sob a ótica mais pop e solar de seu terceiro álbum, Caravana sereia bloom (Urban Jungle / Universal Music, 2012). Produzido pela própria Céu com Gui Amabis, este disco desanuviou o som da cantora após as densas camadas de dub do antecessor Vagarosa (Six Degrees Records / Universal Music, 2009), disco que representou o ápice da conexão de Céu com o produtor Beto Villares. Céu ao vivo se afina com o tom de Caravana sereia bloom, até porque a apresentação vista pelo DVD - com exibição compulsória de cenas de making of entre os 24 números musicais - deriva do show da turnê promocional do terceiro álbum da artista. E o fato é que, nesse tom, a cantora esbanja elegância e sedução nesta sua primeira gravação ao vivo, feita sob a direção e produção musical da própria Céu. Entre músicas de seus três álbuns, a cantora dá voz a temas inéditos em sua voz. Sucesso de Pepeu Gomes na década de 1980, Mil e uma noites de amor (Baby do Brasil, Pepeu Gomes e Fausto Nilo, 1985) - música lançada pelo cantor, compositor e guitarrista baiano no álbum Energia positiva (CBS, 1985) - ganha frescor na voz de Céu. Grande sucesso do cantor e compositor porto-riquenho Bobby Capó (1922 - 1989), o bolero Piel canela (Félix Manuel Rodríguez Capó, 1952) é temperado com levada caribenha em instante de latinidade (pena que Piel canela entrou somente no DVD). Presos no início da apresentação, aberta com a abordagem em clima de valsa do samba Palhaço (Nelson Cavaquinho, Oswaldo Martins e Washington Fernandes, 1953), os cabelos de Céu ficam soltos à medida em que o show ganha ar mais leve e extrovertido. Primeiro produto do contrato assinado pela artista com o selo Slap, braço indie da gravadora global Som Livre, Céu ao vivo peca somente pela seleção do repertório do CD lançado simultaneamente com o DVD, que exibe nos extras os clipes de músicas como Cangote (Céu, 2009), Grains de beauté (Céu e Beto Villares, 2009), Retrovisor (Céu, 2012) e Sereia (Céu, 2012). Além de Piel canela, ficou fora do CD o samba Visgo de jaca (Rildo Hora e Sérgio Cabral, 1974), registrado por Céu somente em EP, Cangote (Urban Jungle / Six Degrees Records, 2009), inédito em edição física no Brasil (embora tenha entrado na Deluxe edition nacional do álbum Vagarosa, o fonograma é meio raro). Feita a ressalva, Céu ao vivo cumpre majestosamente a função de encerrar uma década e um ciclo bacana na carreira da artista, que vai entrar em 2015 pronta para outras viagens musicais.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Retrô 2014: Skank gira na velocidade da própria luz na volta com 'Velocia'

Retrospectiva 2014 - Foram seis anos sem um álbum de inéditas. Nunca o Skank ficou tanto tempo sem renovar repertório. Mas a espera compensou os fãs do grupo mineiro. Nono disco de inéditas do quarteto, Velocia chegou ao mercado fonográfico em junho, via Sony Music, precedido em maio pelo single Ela me deixou (Samuel Rosa e Nando Reis). Aliás, como sinalizou este pop reggae com toques de rocksteady, o Skank girou na velocidade de sua própria luz ao voltar ao disco. Sem inventar moda, o grupo fez apurada síntese de sua obra no CD produzido por Dudu Marote com Renato Cipriano. Tal disco, tal show. Estreado em novembro no Rio de Janeiro (RJ), o show Velocia expôs todas as cores da aquarela do Skank - visto no traço de Oriol Angrill Jordà.

Maciel bota 'Perfume de Carnaval' nas ruas em janeiro para cair no frevo

O cantor e compositor pernambucano Maciel Melo vai lançar em janeiro de 2015 seu primeiro álbum inteiramente de frevo. Dedicado ao compositor pernambucano Carlos Fernando (1942 - 2013), expoente do gênero, o álbum Perfume de Carnaval reúne 11 músicas gravadas sob a direção musical do maestro Spok, parceiro de Maciel na composição O velho Nilo. Nove são de autoria do próprio Maciel Melo. Geraldo Azevedo é parceiro e convidado de Maciel no frevo Quatro dias de amor. Maciel assina Esse é o Tom com Cesar Michiles e, sozinho, assina Quanto Ladeira.

Felipe Cordeiro discute relação com cena paraense em DVD documental

Após três álbuns em que apresentou e conceituou seu repertório autoral, o cantor, compositor e guitarrista paraense Felipe Cordeiro parte para projeto de caráter documental. O artista - em foto de Júlia Rodrigues - vai lançar em 2015 DVD dirigido pelo jornalista e documentarista Vladimir Cunha. Além de exibir show de Cordeiro que vai ser gravado ao vivo em Belém (PA), em data ainda não divulgada e com a presença de artistas do Norte do Brasil, o DVD vai ter trechos documentais que vão discutir a relação do artista com a cena paraense, incluindo obviamente o pai de Felipe, Manoel Cordeiro, guitarrista pioneiro na propagação da guitarrada e do brega da região de Belém. Primeiro registro audiovisual de Felipe, o DVD vai suceder os álbuns Banquete (2009), Kitsch pop cult (2011) e Se apaixone pela loucura de seu amor (2013) na trajetória deste artista.

Vitória no The Voice gera contrato na Universal para Danilo Reis & Rafael

A dupla sertaneja Danilo Reis & Rafael foi a vencedora da terceira edição do programa The Voice Brasil. Os cantores foram campeões com 43% dos votos do público na final do concurso musical exibido pela TV Globo na noite de Natal, 25 de dezembro de 2014. Com a vitória, a dupla sertaneja - vista com o técnico Lulu Santos na foto de Felipe Panfili / Felipe Assumpção, da AgNews - ganha automaticamente um contrato com a gravadora Universal Music, além do prêmio de R$ 508 mil em dinheiro. Formada em 2011 na cidade de Betim (MG), a dupla já tem um álbum editado de forma independente. Seu segundo disco já vai ser lançado via Universal music em 2015.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Retrô 2014: Os astros do sertanejo pop continuam no domínio das rádios

Retrospectiva 2014 - Das dez músicas mais tocadas nas emissoras de rádio do Brasil de janeiro a novembro deste ano de 2014, oito são de artistas do universo pop sertanejo. Uma nona foi gravada por um grupo de pagode (Sorriso Maroto) com uma dupla sertaneja (Jorge & Mateus). A lista divulgada neste mês de dezembro de 2014 pelo instituto Crowley confirma a supremacia do gênero pop sertanejo nas paradas brasileiras. Em atividade desde 2007, a dupla sertaneja Marcos & Belutti (foto) - formada pelo paulista Leonardo Prado de Souza e pelo paulistano Bruno Belucci Pereira - foi a campeã de execuções em rádio nesse período com a música Domingo de manhã, de autoria do compositor baiano Bruno Caliman. Nomes como os dos cantores Luan Santana e Eduardo Costa também aparecem na lista, na qual a dupla Victor & Leo marca dupla posição com as músicas O tempo não apaga (na quarta posição) e Tudo com você (no oitavo lugar). O único tema estranho no ninho sertanejo é Happy, de Pharrell Williams. Eis, segundo o instituto Crowley, as dez músicas mais executadas nas rádios do Brasil de 1º de janeiro a 28 de novembro de 2014:

1. Domingo de manhã– Marcos & Belutti
2. Cê topa – Luan Santana
3. Os 10 mandamentos do amor – Eduardo Costa
4. O tempo não apaga – Victor & Leo
5. Mozão – Lucas Lucco
6. Vou te amarrar na minha cama – Bruno & Marrone 
7. Flores em vida – Zezé di Camargo & Luciano
8. Tudo com você – Victor & Leo 
9. Guerra fria – Sorriso Maroto com Jorge & Mateus
10. Happy – Pharrell Williams 

Jorge lança em 2015 segundo volume da trilogia 'Músicas para churrasco'

Seu Jorge vai lançar no primeiro trimestre de 2015, via Universal Music, o segundo volume da trilogia intitulada Músicas para churrasco. O cantor e compositor fluminense - em foto de Nana Moraes - já finalizou o volume 2 com o produtor Mario Caldato. O primeiro volume do projeto foi lançado em julho de 2011 e gerou gravação ao vivo de show editada em CD e DVD no fim de 2013.

Vanessa da Mata dá voz a belo samba de 1976 no 'Sambabook' de Ivone Lara

Postada na página oficial de Vanessa da Mata no Facebook, a terna foto acima flagra a cantora e compositora mato-grossense com Ivone Lara nos bastidores da gravação do Sambabook da veterana compositora carioca, no Rio de Janeiro (RJ). Vanessa gravou Acreditar - samba de Ivone Lara e Délcio Carvalho (1939-2013) lançado pelo cantor fluminense Roberto Ribeiro (1940-1996) no seu segundo álbum solo, Arrasta povo (EMI-Odeon, 1976) - para o CD duplo, DVD e blu-ray que serão editados no primeiro semestre de 2015. O elenco do projeto inclui Adriana Calcanhotto, Carminho e Maria Bethânia.

CD 'Natal em família 2' mantém tom sertanejo e pagodeiro do primeiro disco

Resenha de CD
Título: Natal em família 2
Artista: Vários
Gravadora: Som Livre
Cotação: * * 1/2

Em 2013, a gravadora Som Livre produziu e lançou coletânea de gravações inéditas, Natal em família, que trouxe os maiores standards natalinos brasileiros e estrangeiros para o universo da música sertaneja e do pagode em sua forma mais diluída. Bem-sucedida, a intenção do disco foi reapresentar os hits de Natal com o som consumido em larga escala pelo povo de um país que escancara cada vez mais sua face sertaneja e pagodeira. Tanto que, neste mês de dezembro de 2014, a gravadora pôs nas lojas um segundo volume do projeto. Também com gravações inéditas, Natal em família 2 preserva o tom sertanejo e pagodeiro do primeiro disco. As músicas também são quase as mesmas. O que muda é o elenco, recrutado entre o cast da Som Livre. Sucesso da cantora Simone em 1995, Então é Natal - versão de Claudio Rabello para Happy x-mas (War is over), canção pacifista de John Lennon (1940 - 1980) e Yoko Ono lançada pelo beatle em 1971 - ganha o toque pop roqueiro da banda paulistana Malta em gravação dividida com a dupla sertaneja Victor & Leo. Com mais pegada do que a gravação feita por Luan Santana no primeiro volume de Natal em família, o atual registro de Então é Natal tem cacife para concorrer com o de Simone na atual preferência popular. Luan, a propósito, marca presença em Natal em família 2 com reverente gravação de Noite feliz feita com o grupo de pagode Sorriso Maroto e com coro. Desta vez, o arranjo e a adaptação de Silent night (Franz Gruber e Joseph Mohr, 1818) foi feita por Michel Fujiwara. No geral, os clássicos natalinos perdem parte de sua beleza ao ganhar proximidade com o som popular que pauta a trilha sonora do Brasil de 2014. Sino de Belém (1951) - versão do compositor carioca Evaldo Rui (1913 - 1954) para Jingle bells (James Pierpont, 1857) - bate menos sedutor com o mix de sertanejo e forró que dá o tom da gravação que junta Michel Teló e Wesley Safadão. Jingle bell rock (Joseph Carleton Beal e James Ross Boothe, 1958) vira pagodão na gravação feita pelo o grupo Sambô com a participação discreta da cantora Ana Cañas. Um feliz Natal (1999) - versão de Ivan Lins para Feliz Navidad (José Feliciano, 1970) - também vira pagode com o grupo Bom Gosto, mas ganha o tempero do funk de MC Koringa. Já Cristiano Araújo e Gaby Amarantos dissipam toda a melancolia contida na marcha Boas festas (Assis Valente, 1933) em animação artificial que se choca com o toque social deste primeiro grande sucesso do cancioneiro natalino brasileiro. Em contrapartida, o grupo Suricato acerta ao imprimir um tom bluesy a Natal branco (1955) - versão de Marino Pinto (1916 - 1965) para o standard norte-americano White Christmas (Irving Berlin, 1942) - em gravação feita com a dispensável adesão da cantora Claudia Leitte. Também fora do universo sertanejo, o grupo paulista Pollo insere seu rap em O homem de Nazareth (Claudio Fontana, 1973) na gravação de tom pagodeiro feita pelo Raça Negra, grupo paulista que já havia abordado este sucesso do cantor paulista Antonio Marcos (1945 - 1992) no primeiro volume de Natal em família. O rap de Pollo tem mais fervor do que a linear interpretação de Jesus Cristo (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1970) por Jads & Jadson. De todo modo, para o bem ou para o mal, Natal em família 2 cumpre sua função ao fornecer para as festas uma trilha sonora condizente com o som ouvido atualmente no Brasil em escala massiva.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Ex-funkeira Perlla celebra o Natal com serenidade no álbum 'Noite de paz'

Resenha de CD
Título: Noite de paz - Canções para celebrar
Artista: Perlla
Gravadora: Deck
Cotação: * * 

O batidão de Perlla já tem outra pegada, bem mais serena. Ex-funkeira convertida à religião evangélica, a cantora fluminense passou a adotar visual bem comportado e mudou seu discurso musical. Noite de paz - Canções para celebrar, álbum em que a artista dá voz a 13 músicas que festejam o Natal, traduz na capa e no som o atual momento pessoal de Perlla. Repleta de teclados e programações eletrônicas, a produção de Rafael Castilhol segue a receita clássica dos discos de Natal - importada do mercado fonográfico norte-americano - na medida de seu orçamento, com direito a cordas nas músicas Noite de paz - versão em português de Silent night (Franz Gruber e Joseph Mohr, 1818) - e Ó noite santa, a versão de Jessé (1952 - 1993) para o clássico francês Cantique de Noel (Adolphe Adam e Placide Cappeau, 1847). Coros encorpam faixas como Me Ama - versão de Ana Paula Valadão para How He Loves (John Mark McMillan, 2005), clássico recente da música gospel norte-americana - e Face a face (Michael W. Smith em versão em português de Clóvis Ribeiro), esta gravada por Perlla com a adesão da cantora evangélica Cristina Mel. O problema é que a pompa do disco resulta artificial. Para piorar, Perlla está longe de ser uma grande cantora. Por mais esforçadas que sejam, todas suas interpretações carecem de força, de emoção, enfim, da grandiloquência vocal exigida pela maioria desses temas. O que torna ainda mais pueril o discurso contra a desigualdade social feito em Pra dizer Feliz Natal, uma das 13 músicas do repertório calcado em versões do cancioneiro cristão norte-americano. Noite de paz soa linear em sua pregação, ainda que Sininhos de Natal (James Lord Pierpont em versão em português de Milton José) crie clima lúdico próprio para uma festa plena de sentido para as crianças. Já a dançante Vem chegando o Natal (Haven Gillespie em versão em português de Aline Barros) faz (fraca) conexão com o passado funkeiro de Perlla, evidentemente sem o discurso profano do repertório dos bailes da pesada. Enfim, Perlla celebra o Natal à sua moda evangélica, com serenidade perceptível já na foto que estampa a previsível capa do álbum. É para convertidos!