Mauro Ferreira no G1

Aviso aos navegantes: desde 6 de julho de 2016, o jornalista Mauro Ferreira atualiza diariamente uma coluna sobre o mercado fonográfico brasileiro no portal G1. Clique aqui para acessar a coluna. O endereço é http://g1.globo.com/musica/blog/mauro-ferreira/


domingo, 30 de novembro de 2014

Banda Uó já 'pega o bonde' dos DVDs de show e lança 'Ao vivo no Cine Joia'

Trio goiano de tecnobrega formado por Davi Sabbag, Mateus Carrilho e Candy Mel, a Banda Uó pega o bonde dos registros audiovisuais de shows e lança via Deck neste mês de novembro de 2014, nos formatos de CD e DVD (foto), a gravação ao vivo de apresentação captada na turnê que badalou seu primeiro álbum, Motel (Deck, 2012). Além de exibir os 14 números do show captado em cinema do Centro da cidade de São Paulo (SP), o DVD Turnê Motel - Ao vivo no Cine Joia traz, nos extras, os clipes das músicas Shake de amor (abordagem tecnobrega de Whip my hair - música do repertório da cantora norte-americana Willow Smith - que em 2011 deu projeção na web à Banda Uó em edição de EP), Faz Uó, Cowboy, Gringo e Catraca (música ausente do álbum Motel, gravada com a adesão do funkeiro carioca Mr.Catra e editada pela banda somente em single  digital, em abril deste ano de 2014).

'No começo de algo muito bom', NX Zero lança EP com quatro músicas novas

 À venda no iTunes a partir desta segunda quinzena de novembro de 2014, o EP digital Estamos no começo de algo muito bom, não precisa ter nome não., do grupo NX Zero, tem um título que nega a necessidade de batizar o disco em que o quinteto paulistano registra quatro músicas inéditas. Vamos seguir, Tira onda, Uma gota no oceano e Free your mind são as músicas do EP, produzido pela banda sob direção artística de Rafael Ramos. O lyric video de Uma gota no oceano deu início, em outubro, aos trabalhos promocionais do disco. A faixa atualmente propagada pelo NX Zero é Vamos seguir, já alvo de outro lyric video.  O trabalho anterior do grupo foi o álbum Em comum (Universal Music, 2012).

Alice dá motivo para Sullivan fazer pulsar sua veia soul em show no Rio

A IMAGEM DO SOM - Através da expressão e do olhar de Alice Caymmi, a foto de Rodrigo Goffredo capta o encantamento da cantora carioca por estar dividindo o palco do teatro do Oi Futuro Ipanema, no Rio de Janeiro (RJ), com Michael Sullivan na última das duas apresentações de seu show Rainha dos raios programadas dentro da quarta edição do festival Sonoridades. De fato, um dos pontos mais altos da apresentação de 29 de novembro de 2014 foi o encontro de Alice com Sullivan, cantor e compositor de origem pernambucana que se tornou um dos maiores hitmakers da música brasileira a partir de 1983, ano em que o cantor carioca Tim Maia (1942 - 1998) deu seu vozeirão grave a Me dê motivo, primeiro sucesso da parceria de Sullivan com Paulo Massadas. A propósito, Me dê motivo foi o primeiro dos dois números feitos por Alice em dueto com Sullivan, que tocou seu violão eletroacústico e fez pulsar sua veia soul ao cantar a balada, um clássico do cancioneiro nacional da dor-de-corno. Na sequência, Alice e Sullivan cantaram sua primeira parceria, Meu recado, a "prima de Me dê motivo" na definição espirituosa de Sullivan. Balada de vocação radiofônica com algo de soul, Meu recado é uma das nove músicas alinhadas por Alice em seu aclamado segundo álbum, Rainha dos raios (Joia Moderna, 2014) que está ganhando edição física em CD via Tratore. "Mais do que Caymmi, ela é Alice", saudou Sullivan na troca de confetes com sua mais nova parceira. De fato, as ousadias estilísticas do álbum Rainha dos raios e as alterações no repertório original do show homônimo -  cujo roteiro foi aditivado com o acréscimo de músicas como I feel love (Donna Summer, Giorgio Moroder e Pete Bellotte, 1977), Paint it black (Mick Jagger e Keith Richards, 1966) e Bang bang (My baby shot me down) (Sonny Bonno, 1966), sucessos de Donna Summer (1948 - 2012), do grupo Rolling Stones e de Cher, respectivamente - sinalizam que Alice se distancia cada vez mais da praia da família Caymmi, pavimentando caminho próprio com personalidade forte a ponto de encerrar o show com He-man, título infantil do cancioneiro de Michael Sullivan e Paulo Massadas que fez sucesso em 1986 na gravação do Trem da Alegria, grupo criado por Sullivan em 1984. Da dupla de hitmakers, o roteiro do show Rainha dos raios abarca também o funk pop radiofônico Joga fora (Michael Sullivan e Paulo Massadas, 1986), grande sucesso de Sandra de Sá ambientado por Alice em clima de boate.

'Movimento dos barcos' leva Macalé a participar de show de Alice no Rio

A IMAGEM DO SOM - A foto de Rodrigo Goffredo flagra Alice Caymmi ajoelhada aos pés e ao violão de Jards Macalé. O cantor, compositor e músico carioca foi o convidado-surpresa da última das duas apresentações do show da cantora carioca, Rainha dos raios, no fecho da quarta edição do festival Sonoridades, na noite de ontem, 29 de novembro de 2014. Com curadoria de Nelson Motta, o festival ocupou o palco do teatro do Oi Futuro Ipanema, no Rio de Janeiro (RJ), durante as sextas-feiras e sábados deste mês de novembro de 2014. Chamado ao palco por Alice, Macalé entrou em cena antes do convidado oficial da noite, o cantor e compositor pernambucano Michael Sullivan. Macalé contou ao público que conhecera a família Caymmi por intermédio de Nelson Motta, que o apresentou a Dori Caymmi, tio de Alice. "Que crime!", respondeu de pronto, com humor afiado, a neta do patriarca Dorival Caymmi (1914 - 2008). E o fato é que os movimentos dos barcos e da música brasileira conduziram Macalé ao show baseado no segundo álbum de Alice, Rainha dos raios (Joia Moderna, 2014), um dos discos mais incensados deste ano. A propósito, Movimento dos barcos (Jards Macalé e José Carlos Capinam, 1971) foi a primeira das duas músicas cantadas por Alice com Macalé. "Posso fazer do meu jeito?", pediu a cantora. Fez. No seu tom, do seu jeito, Alice deu voz - cada vez mais segura e com mais nuances - à música lançada por Maria Bethânia no show e disco Rosa dos ventos (1971). Na sequência, mantendo o clima íntimo e minimalista do encontro, Alice e Macalé caíram afinados no samba Falam de mim (Noel Rosa de Oliveira, Éden Silva e Aníbal Silva), lançado em disco em 1948 pela dupla Zé da Zilda e Zilda do Zé, tendo sido regravado em 1977 por Nana Caymmi, tia de Alice. O encontro no palco de Alice Caymmi e Jards Macalé - concretizado por iniciativa do próprio Macalé - provou que o crime de Nelson Motta ao apresentar Jards Macalé a Dori Caymmi compensou muito.

sábado, 29 de novembro de 2014

Firme e forte, Beth Carvalho lança CD/DVD 'Ao vivo no Parque Madureira'

Beth Carvalho está lançando o 34º título de sua discografia solo neste mês de novembro de 2014. Beth Carvalho ao vivo no Parque Madureira chega ao mercado fonográfico em edição do selo Andança distribuída nas lojas pela gravadora Som Livre, nos formatos de CD e DVD, com o registro do show gratuito feito pela cantora carioca em 29 de março de 2014 no bairro carioca de Madureira. Trata-se do quinto DVD da artista, se incluído na contra o extra-oficial Beth Carvalho live at Montreux 2005, editado pela gravadora ST2 no Brasil em 2008. A convite de Beth Carvalho, o editor de Notas Musicais, Mauro Ferreira, assina o texto que apresenta Beth Carvalho ao vivo no Parque Madureira aos jornalistas, aos radialistas e demais formadores de opinião. Eis o texto:

O reinado da Madrinha na Capital do Samba

Com o coração em festa, Beth Carvalho lança o CD e DVD Ao vivo no Parque Madureira com músicas inéditas e seleção de sucessos que há muito não cantava

“É de Madureira, São José /
É de Madureira, São José...”

Há 30 anos, o refrão desse samba de Beto sem Braço (1940 – 1993) e Zeca Pagodinho ecoou em todo o Brasil na voz sempre atenta e antenada de Beth Carvalho. São José de Madureira foi um dos sucessos do álbum Coração feliz, lançado pela cantora em 1984. Três décadas depois, o samba ganha outro expressivo registro da intérprete que mais gravou músicas de compositores associados ao bairro de Madureira em sua irretocável discografia. São José de Madureira integra o repertório do gratuito show gravado ao vivo por Beth Carvalho no Parque Madureira, em 29 de março de 2014, para edição de CD e DVD que chegam neste mês de outubro ao mercado fonográfico através de parceria do selo Andança (de Beth) com a gravadora Som Livre e com o Canal Brasil. Produção de Beth Carvalho com seu empresário Afonso Carvalho, viabilizada com patrocínio da Prefeitura do Rio de Janeiro, o show eternizado em Beth Carvalho ao vivo no Parque Madureira expõe a relação fundamental da cantora com o samba desse bairro celeiro de bambas. No documentário Beth Carvalho, Coração em festa, filmado para o DVD, os próprios sambistas ressaltam a importância da cantora na propagação de suas obras.

Para quem não mora na cidade do Rio de Janeiro, Madureira é um bairro da Zona Norte dessa cidade. É um bairro que sedia duas das mais tradicionais e importantes escolas de samba do Rio e do Brasil, a Portela e o Império Serrano. As velhas guardas dessas duas agremiações aglutinam compositores de fundamental importância na história do samba. Bambas que sempre estiveram presentes nas fichas técnicas dos discos de Beth Carvalho. Embora seu coração seja da Mangueira, outra tradicional escola de samba do subúrbio do Rio, Beth sempre deu voz e vez em seus discos a sambas de autores ligados à Portela e ao Império Serrano. Não há um disco da cantora em que o samba de Madureira não esteja representado – com exceções (plenamente justificadas) dos álbuns temáticos dedicados ao samba de São Paulo e ao samba da Bahia. É por isso que, quando canta Meu lugar (2006) no CD e DVD Beth Carvalho ao vivo no Parque Madureira, o samba de Arlindo Cruz e Mauro Diniz soa plenamente sincero na voz da Madrinha do Samba. Embora criada na Zona Sul carioca, berço da Bossa Nova, Beth Carvalho atravessou túneis e pontes e fez da Zona Norte, sobretudo de Madureira e do Cacique de Ramos, o seu lugar ao longo de seus quase 50 anos de carreira fonográfica (o primeiro disco da cantora foi um compacto editado pela RCA em 1965). Tanto que o jornalista Sérgio Cabral costuma dizer, brincando, que Beth Carvalho é o Túnel Rebouças – túnel que liga a Zona Sul à Zona Norte do Rio de Janeiro.

Orgulhosamente enraizado no subúrbio do Rio, Beth Carvalho ao vivo no Parque Madureira não é trabalho de caráter retrospectivo. Como já lançou há dez anos um DVD do gênero, a cantora optou por gravar um show de roteiro renovado que mistura músicas do álbum Nosso samba tá na rua (2011) – disco que Beth acabou sem divulgar por conta de já superados problemas de saúde – com músicas inéditas, com novidades na voz da artista – como o samba Meu lugar, até então associado somente ao seu compositor e intérprete Arlindo Cruz – e sucessos de outrora que há muito a intérprete não cantava em shows. Quem é do ramo e do samba sabe que Senhora rezadeira (Dida da Portela e Dedé), por exemplo, foi um sucesso cantado em todo o Brasil em 1979, ano em que Beth lançou o tema em seu álbum No pagode. E, pelo que se vê e ouve no DVD, o povo carioca da gema não se esqueceu desse samba, cujo contracanto é feito espontaneamente pela plateia. Que também faz coro no lalaiá de Lucidez (Cleber Augusto e Jorge Aragão, 1991), pérola melódica do pagode do Fundo de Quintal.

Outro resgate oportuno é o partido alto Ô Isaura (Rubens da Mangueira), sucesso do LP De pé no chão (1978), disco histórico que dividiu águas e abriu frentes nos fundos de quintais ao introduzir e estabelecer, no universo fonográfico, um novo padrão para a gravação de discos de samba, apresentando uma sonoridade (com a introdução do tantã, do repique de mão e do banjo) que vigora até hoje o gênero – como a cantora faz questão de ressaltar no documentário Beth Carvalho, Coração em festa.

Por falar em sonoridade, a do CD e DVD Beth Carvalho ao vivo no Parque Madureira ostenta a maestria do maestro Ivan Paulo, criador dos arranjos e regente da big-band formada pelos virtuosos músicos Carlinhos Sete Cordas (violão de sete cordas), Charlles da Costa (violão de seis cordas), Dirceu Leite (sopros), Fernando Merlino (teclados), Paulinho da Aba (pandeiro), Pirulito (percussão), Márcio Vanderlei (cavaco e banjo), Valtinho (bateria), Beloba (Tantã), Álvaro Santos (repique de mão) e Tcha Tcha Tcha (surdo), além das vocalistas Clarisse Grova e Jussara Lourenço. Um time que sabe dar colorido a cada samba.

Apresentada em cena como a “rainha do samba” na abertura do show, momento em que cordas e sopros preparam a cama harmônica para O show tem que continuar (Arlindo Cruz, Sombrinha e Luiz Carlos da Vila) sob profusão de luzes e cores, Beth Carvalho se sente em casa no palco armado no Parque Madureira. Diante da multidão, a cantora reina de fato, com a autoridade de ser uma das principais referências de samba do Brasil. Os olhos da cantora traduzem a emoção de estar ali, naquele bairro tão carregado de história e tradição, cantando a Arte popular do nosso chão. Beth é a rainha, mas ela sabe que, na verdade, é o povo que produz o show e assina a direção, como diz a letra de Coisa de pele (Jorge Aragão e Acyr Marques), construída com os versos poéticos de Acyr Marques, que se alternava no ofício de compositor e de motorista de ônibus quando escreveu a letra do samba lançado por Beth em 1986.

A cada música que canta, a rainha Beth Carvalho faz questão de dar os nomes de seus súditos compositores. Nomes que estão impressos na contracapa do CD e do DVD para valorizar o ofício desses bambas que ora recebem, mais uma vez, as bençãos da madrinha. Um dos mais celebrados, Zeca Pagodinho, afilhado que se tornou também padrinho de compositores emergentes, entra em cena no início de Deixa a vida me levar (Serginho Meriti e Eri do Cais, 2002), samba que Beth já vinha cantando em shows, mas que até então nunca havia registrado. Legitimado pela rainha do samba como o rei do Brasil, por “representar o povo brasileiro”, como Beth diz no palco, Zeca Pagodinho permanece em cena para cantar com sua madrinha – que o revelou em 1983 com a gravação de Camarão que dorme a onda leva (Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz e Beto sem Braço), samba também incluído no roteiro – o positivista Ainda é tempo pra ser feliz (Arlindo Cruz, Sombra e Sombrinha, 1998) e animar o povo com Arrasta a sandália, o samba composto por Luana Carvalho – filha da corujíssima Beth – com Dayse do Banjo que Zeca já havia gravado com Beth em 2011 no álbum Nosso samba tá na rua.

Além de ter sido o primeiro disco de inéditas de Beth em 15 anos, o álbum Nosso samba tá na rua é importante na discografia da cantora por aglutinar sambistas de várias gerações. Sem esquecer de dar voz aos bambas de tempos idos, como o sempre lembrado Nelson Cavaquinho (1911 – 1986), Beth avalizou compositores que estão começando a pôr seu blocos na rua, caso do carioca Leandro Fregonesi, parceiro de Rafael dos Santos no animado Chega, alocado no carnavalesco bloco final do DVD. Nesse bloco, aliás, Beth faz o primeiro registro audiovisual do pot-pourri de marchinhas que gravou no álbum Coração feliz, o mesmo disco de São José de Madureira. Ou seja, tudo faz sentido e se encaixa no roteiro, que inclui também a participação da sobrinha de Beth, a cantora Lu Carvalho, que sola Devotos do samba (Serginho Meriti e Rodrigo Leite) – número exclusivo do DVD – em homenagem à sua tia.

Renovando seu repertório, Beth Carvalho incluiu músicas novas no roteiro do show do Parque Madureira. Se a fila andar, parceria de Toninho Geraes com Paulinho Rezende, é inédito e dolente samba de (mágoas) de amor. Parada errada é o toque social do show. Como Beth conta ao público, o compositor Serginho Meriti – parceiro de Rogê e Rodrigo Leite no inédito samba – teve a luz da inspiração ao ver uma cena chocante em ponto da cracolândia da Avenida Brasil. O ponto de partida para a criação do tema foi a visão de uma mãe em desespero por ver o filho entregue ao crack e imune aos seus cuidados e apelos para se livrar da droga. A cena foi o mote para a criação desse samba triste escrito sob a ótica de uma mãe que ainda alimenta a esperança de ver o filho liberto da tal parada errada.

Samba de Moacyr Luz, Estranhou o quê? também dá seu toque social. Conhecido somente por quem freqüenta as rodas do Samba do Trabalhador, evento comandado por Luz no subúrbio carioca, Estranhou o quê? é – nas palavras de Beth, ditas no palco do Parque Madureira – “um protesto contra o racismo que ainda existe nos dias de hoje”. Com a gravação de Beth, o samba tem tudo para virar sucesso nacional. O refrão explosivo – reforçado pelo coro do público – provoca quem ainda se assusta com os progressivos direitos conquistados pela população negra, bem representada, aliás, na plateia que assistiu ao show da cantora no Parque Madureira. Tudo a ver com a história de uma artista considerada “a branca mais preta do Brasil”.

Mas o fato é que o samba não tem cor. No documentário Beth Carvalho, Coração em festa, idealizado por Afonso Carvalho e concretizado sob a direção de Gabriel Mellin e Bruno Murtinho, personalidades e compositores negros, brancos e mulatos reverenciam a cantora por sua contribuição fundamental à história do samba – sobretudo o samba de Madureira. “Nunca morei no subúrbio, mas eu tenho uma relação com o subúrbio maior do que a de muita gente que vive na Zona Norte”, ressalta a artista, orgulhosa dessa vivência suburbana.

O roteiro é costurado por entrevista concedida por Beth para os produtores do filme exibido nos extras do DVD. Nessa entrevista, Beth rememora a primeira vez que cantou em público – o samba Lata d’água (Luiz Antônio e Jota Júnior, 1952), num concurso carnavalesco infantil promovido por um programa de rádio – e se emociona, sem conter as lágrimas, ao narrar o momento do nascimento de sua filha Luana Carvalho.

Entre imagens apetitosas de feijoada na quadra da escola de samba Portela, captadas neste ano de 2014, o DVD mostra cena inéditas de show de Beth na agremiação de Madureira. No palco da Portela, a cantora cai no samba Vou festejar (Jorge Aragão, Dida e Neoci, 1978), um dos maiores sucessos de uma carreira que a entroniza, de fato e de direito, no posto de rainha do samba. Uma rainha legitimada por seu povo nesses 50 anos de andanças por todos os pontos em que se ouve o melhor samba do Brasil. É por isso que, decorridos 30 anos, esse povo ainda canta com Beth aquele refrão de 1984.

                “É de Madureira, São José /
                    “É de Madureira, São José...”

Sim, Beth Carvalho será sempre de Madureira.

                  Mauro Ferreira

DVD 'Atento aos sinais vivo' capta a fervura pop do show sem transgredir

Resenha de CD e DVD
Título: Atento aos sinais vivo
Artista: Ney Matogrosso
Gravadora: Som Livre
Cotação: * * * *

Show estreado por Ney Matogrosso em 28 de fevereiro de 2013, em Juiz de Fora (MG), Atento aos sinais tem temperatura quente (clique aqui para ler a resenha da estreia nacional do espetáculo). Feito sob a direção de Felipe Nepomuceno para DVD lançado pela gravadora Som Livre neste mês de novembro de 2014, o registro audiovisual de Atento aos sinais preserva a fervura e a vitalidade pop do espetáculo em que o cantor sul-matogrossense dá sua desafiadora voz metálica a músicas de compositores como Caetano Veloso (Two naira fifty kobo, 1977), Criolo (Freguês da meia-noite, 2011), Pedro Luís (Incêndio, 1991) e Rafael Rocha (Não consigo e Samba do blackberry, 2010, a segunda em parceria com Alberto Continentino), entre outros nomes do universo pop nativo, em roteiro pautado pela urgência urbana. Esses compositores discorrem sobre a gênese das músicas do show em breves depoimentos enfileirados no mini-documentário Há minutos atrás (Poema), também dirigido por Nepomuceno e alocado nos extras do DVD. A costura desse curto filme é Poema, música composta por Roberto Frejat a partir do texto de carta endereçada por Cazuza (1958 - 1990) a uma de suas avós. Lançada por Ney há 15 anos no álbum Olhos de farol (PolyGram, 1999), Poema foi adicionada pelo cantor ao roteiro original de Atento aos sinais ao longo da turnê nacional do show por conta da nova e inesperada propagação da música na trilha sonora da novela Sangue bom (TV Globo, 2013). Assim como Amor (João Apolinário e João Ricardo, 1973), Poema é número exclusivo do DVD Atento aos sinais vivo. Ambas as músicas foram suprimidas do CD homônimo, que reproduz 17 dos 19 números captados em 8 de junho de 2014 na apresentação de Atento aos sinais na casa HSBC Brasil, em São Paulo (SP). A imagem retorcida do cantor na expressiva capa do DVD - criada com arte gráfica de Cássia d'Élia a partir de fotografia de Marcos Hermes - está em sintonia com as disformes imagens em movimento vistas no menu do DVD (cujo áudio 5.1 DTS é exemplar). Essa transgressão ensaiada na capa e no menu do DVD deveria ter sido mais explorada na filmagem do show em si - especialmente impactante nos momentos finais da música Tupi fusão (Vitor Pirralho, Dinho Zampier, Pedro Ivo Euzébio e André Meira, 2009). Já que o canto de Ney Matogrosso sempre transgrediu, a captação e edição das imagens do show Atento aos sinais estaria mais em sintonia com o show se fosse mais além do convencional. Ainda assim, o show - como já dito - chega quente ao DVD. Pena que sem Oração (Dani Black, 2010) - a música da qual foi extraído o título Atento aos sinais - no roteiro do show, perpetuado no DVD com o deslocado samba Ex-amor (Martinho da Vila, 1981) no bis. De todo modo, Atento aos sinais indica a contínua vitalidade de Ney Matogrosso, ainda um senhor cantor aos bravos 73 anos, sempre atento a todos os sinais.

Lima inicia saga com refinado álbum que mixa jazz com ritmos do Brasil

Resenha de CD
Título: Saga
Artista: Rodrigo Lima
Gravadora: JSR (Jazz Station Records)
Cotação: * * * *


Compositor e músico polivalente (do tipo que toca desde viola caipira até caixa de fósforo, além do violão habitual, passando também por piano, guitarra, triângulo e teclados), o carioca Rodrigo Lima jantava em Curitiba (PR) com Hermeto Pascoal e amigos quando, no meio do papo regado a vinho, Hermeto pegou uma caneta e começou a escrever notas musicais. Nasceu o tema jazzístico Palinha do vinho, gravado por Rodrigo em seu primeiro disco solo, o duplo Saga, com o toque da escaleta do próprio Hermeto. No estúdio, durante a gravação da faixa, anfitrião e convidado acabaram fazendo, de improviso, uma música que se tornou a primeira parceria de Hermeto com Rodrigo. Intitulada Nosso borogodó coió, a música também figura entre os 17 temas de Saga, exuberante álbum instrumental gravado entre Rio de Janeiro (RJ), Curitiba (PR), Los Angeles (EUA) e Nova York (EUA) com produção de Arnaldo DeSouteiro para o selo JSR (Jazz Station Records). Também ator, estando no elenco do melhor musical carioca de 2014, Samba futebol clube, Lima desponta com força como compositor e arranjador neste CD pautado pela excelência instrumental. Em Saga, Lima segue a trilha do suingue brasileiro - em leque rítmico que abre espaço para baião (Brasileirão), bossa nova (Altinho), choro (Novos cariocas) e samba (Samba de mistura) - com contornos jazzísticos. Entre reverência ao universo musical do centenário compositor baiano Dorival Caymmi (1914 - 2008), feita com a autoral Canção praieira, Lima expõe seu dom para compor belas melodias em A la vuelta (Doorways and stairs) e incursiona pelo terreno clássico com adaptação (feita com DeSouteiro) e arranjo de sinfonia do compositor alemão Johannes Brahms (1833 - 1897). A arte da capa - assinada pelo fotógrafo Pete Turner, autor de capas de álbuns de Antonio Carlos Jobim (1927 - 1994) como Wave (A&M Records, 1967) e Tide (A&M Records, 1970) - já traduz o incomum requinte com que Rodrigo Lima pavimenta sua Saga em promissora carreira solo na música produzida fora da esfera cênica.

Fundo de Quintal lança 'Só felicidade', CD de inéditas produzido por Rildo

Primeiro disco de inéditas do grupo Fundo de Quintal desde Nossa verdade (Biscoito Fino, 2011), o álbum Só felicidade chega ao mercado fonográfico em dezembro de 2014 em CD posto nas lojas pela gravadora Radar Records. Produzido por Rildo Hora sob a direção artística de Líber Gadelha, o disco foi batizado com o nome do samba de André Renato e Sereno promovido pelo sexteto carioca desde o primeiro semestre deste ano de 2014. Com 14 músicas (Agenda de Deus, Cariocada da gema, Deita que eu vou pro samba, Encontro marcado, Esqueço da hora, Eu quero é mais, Hoje tem festa, Trilha sonora e Tudo de bom, entre outras), o álbum teve seu repertório selecionado dentre as cerca de 400 composições recebidas pelo Fundo de Quintal diretamente de compositores como Leandro Fab, Mauro Júnior, Picolé, Pretinho da Serrinha e Renan Pereira, entre outros. Disco que marca a volta do vocalista e cavaquinista Mário Sérgio ao grupo, após um afastamento de seis anos, Só felicidade transita basicamente por partido alto e samba romântico.

'Livre' promove registro ao vivo em que Biquini apresenta quatro inéditas

Com título extraído de verso da letra da música Vento ventania (Álvaro Lopes, Bruno Gouveia, Carlos Coelho, Miguel Flores da Cunha e Sheik, 1991), o CD duplo, o DVD e o blu-ray Me leve sem destino chegam ao mercado fonográfico em dezembro de 2014 em edição da Sony Music com o registro ao vivo integral do show feito pelo grupo carioca Biquini Cavadão em 31 de maio de 2014 no Palácio da Música Oscar Niemeyer, em Goiânia (GO). Idealizado para festejar os 30 anos de sucesso da banda formada em 1983 e alçada à fama em 1985, o show enfileira 30 músicas no roteiro. Apesar do caráter forçosamente retrospectivo, Me leve sem destino adiciona quatro músicas inéditas - Livre, Pequeno romance, No mesmo lugar e Vou deixar tudo para trás - ao repertório do Biquini Cavadão.O single promocional Livre já está em rotação nas plataformas digitais em gravação feita em estúdio e em take ao vivo. Essencialmente autoral, o roteiro inclui incursões (já realizadas anteriormente com êxito pela banda) pelos repertórios da dupla Sá & Guarabyra  (Sobradinho, 1977) e do grupo Uns & Outros (Carta aos missionários, 1989). Eis, na ordem do DVD, as 30 músicas alinhadas pelo quarteto Biquini Cavadão em Me leve sem destino:

1. Tédio (Álvaro, Bruno, Miguel e Sheik)
2. É dia de comemorar (Bruno, Coelho, Álvaro e Miguel)
3. No mundo da lua 
(Álvaro, Bruno, Miguel e Sheik)
4. Janaína 
(Álvaro, Bruno, Miguel, Sheik e Coelho)
5. Roda gigante (Bruno, Coelho, Álvaro, Miguel e Dudy)
6. Livre (Bruno, Coelho, Álvaro, Miguel e Eric Silver) - música inédita
7. Impossível 
(Álvaro, Bruno, Miguel, Sheik e Coelho)
8. Em algum lugar no tempo 
(Álvaro, Bruno, Miguel, Sheik, Coelho e Manno Góes)
9. Múmias 
(Álvaro, Bruno, Miguel, Sheik e Coelho)
10. Vou te levar comigo (Álvaro, Bruno, Miguel, Coelho e Gian Fabra)
11. Quando eu te encontrar 
(Álvaro, Bruno, Miguel, Sheik, Coelho e Beni)
12. Dani 
(Álvaro, Bruno, Miguel, Coelho e Manno Góes) 
      Uma brasileira (Herbert Vianna e Carlinhos Brown)
13. Pequeno romance (Bruno, Coelho, Álvaro e Miguel) - música inédita
14. No mesmo lugar (Bruno, Coelho, Álvaro e Miguel) - música inédita
15. Vento ventania (Álvaro, Bruno, Miguel, Sheik, Coelho e Beni)
16. Escuta aqui 
(Álvaro, Bruno, Miguel, Sheik e Coelho)
17. Quanto tempo demora um mês 
(Álvaro, Bruno, Miguel, Coelho e Gian Fabra)
18. Sobradinho (Luiz Carlos Sá e Guttemberg Guarabyra)
19. Entre beijos e mais beijos (Bruno, Coelho, Álvaro, Miguel e Dudy)
20. Só quem sonha acordado vê o sol nascer 
(Bruno, Coelho, Álvaro e Miguel)
21. Vou deixar tudo pra trás 
(Bruno, Coelho, Álvaro, Miguel e Simon Spire) - música inédita
22. Timidez (Álvaro, Bruno, Miguel, Sheik e Coelho)
23. Zé Ninguém 
(Álvaro, Bruno, Miguel, Sheik e Coelho)
24. Guitar hero (Pot-pourri instrumental)

25. Chove chuva (Jorge Ben Jor)
26. Carta aos missionários (Cal, Nilo Nunes e Marcelo Hayena)
27. Você existe, eu Sei (Álvaro, Bruno, Miguel, Sheik, Coelho e Patrícia Carvalho)
28. Amanhã é outro dia 
(Bruno, Coelho, Álvaro, Miguel e Dudy)
29. Meu reino (Álvaro, Bruno, Miguel, Sheik e Coelho)
30. Tédio (Versão 1985) (Álvaro, Bruno, Miguel e Sheik)

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Eis a capa de 'Transbordada', o autoral quarto álbum solo de Paula Toller

Esta é a capa de Transbordada, o quarto álbum solo da cantora e compositora carioca Paula Toller. Feita sobre foto de Flávio Colker, a arte da capa é assinada por Fernanda Villa-Lobos. O disco - todo autoral - vai ser lançado em edição digital em dezembro de 2014. Já a edição física em CD está programada para chegar às lojas somente em janeiro de 2015 pela gravadora Som Livre.

Warner encaixota quatro álbuns lançados por Ben Jor entre 1989 e 1995

Nas lojas em dezembro de 2014, em edição da gravadora Warner Music, a caixa Alô Alô Jorge Ben Jor embala reedições - com capas, encartes e fichas técnicas originais - de quatro álbuns lançados pelo cantor e compositor carioca Jorge Ben Jor entre 1989 e 1985. O box reúne cinco CDs porque um dos quatro títulos, Ao vivo no Rio (1991), é duplo. Os outros álbuns são Benjor (1989) - o primeiro assinado por Jorge com seu novo sobrenome artístico - 23 (1993) e o disco de remixes Ben Jor world dance (1995). Estes quatro títulos da caixa já tinham sido editados em CD.

Belo busca o refinamento da MPB em bom disco que vai além do pagode

Resenha de CD
Título: Mistério
Artista: Belo
Gravadora: Sony Music
Cotação: * * *

Dentro dos padrões populares da discografia de Belo, Mistério é o melhor álbum da carreira solo do artista paulistano. Produzido pelo próprio Belo, em parceria com a dupla de produtores e compositores formada por Umberto Tavares com Mãozinha, o disco persegue um refinamento próximo do universo da MPB. Lançado pela gravadora Sony Music neste mês de novembro de 2014, Mistério não promove uma ruptura com o pagode romântico, mas tenta ir além do estilo que consagrou este bom cantor que implantou nos anos 1990 - no posto de vocalista do grupo Soweto - um novo modo de cantar samba. O belo fraseado vocal do intérprete embute influências do soul e do r&b norte-americanos, estando bem distante do tom mais descontraído que a turma revelada na quadra do Bloco Cacique de Ramos - Zeca Pagodinho e Arlindo Cruz à frente - imprimiu ao samba do Rio de Janeiro (RJ). Influência para muitos vocalistas de pagode surgidos ao longo dos últimos 20 anos, Belo continua cantando muito bem. Sua voz valoriza as 16 músicas gravadas em Mistério. Várias são envoltas por cordas arranjadas com delicadeza por Jota Moraes ou Boris. A faixa que abre o disco em clima bossa novista, Feliz (Umberto Tavares e Jefferson Junior), exemplifica bem a intenção do artista de refinar seu som. Parceria de Jorge Vercillo com Jota Maranhão, a música-título Mistério reforça a procura sutil por sons mais belos, assim como Outra vez (Belo, Rafael Brito e Pedro Felipe). O disco consegue soar coeso, mesmo alternando pagodes românticos típicos do repertório do artista - casos de Porta aberta e Vi amor no seu olhar II, ambos assinados por Umberto Tavares com Jefferson Junior, e de Não sou feliz sem você (Belo, Pedro Felipe e Rafael Brito) - com uma balada de classudo formato camerístico como Mesmo sem entender (Thalles Roberto). Tanto que o disco nem surpreende quanto sintoniza citação do samba Mas que nada (Jorge Ben Jor, 1963) entre as interferências e ruídos inseridos na faixa Caso sério (Allan Lima e Umberto Tavares). Até o dueto com Ivete Sangalo em Linda rosa (Umberto Tavares e Jefferson Junior) desabrocha com elegância incomum no universo da canção mais popular. É óbvio que Belo dá em Mistério um salto calculado para não afugentar seu cativo público, alvo tanto da sensualidade latente em Voyeur (Diney, Ramón Torres e Tiee) - música do repertório do grupo fluminense de pagode Vou Zuar - como da conexão com a dupla Thaeme & Thiago em Até o sol não nascer mais (Belo, Allan Lima e Suel) e do romantismo popular de Lembra (Umberto Tavares e Jefferson Junior), cuja letra culmina com citação de versos - "Só faço com você / Só gosto com você" - de Adivinha o quê? (Lulu Santos), um dos sucessos da fase inicial da carreira solo de Lulu Santos. Belo não transgride, mas evolui neste disco salutar sem anular sua personalidade artística.

Sob direção de Miranda, Jaloo renova os tecnosons do Pará com EP 'Insight'

Resenha de EP
Título: Insight
Artista: Jaloo
Gravadora: StereoMono
Cotação: * * * *

Carlos Eduardo Miranda andou reclamando publicamente dos rumos musicais tomados por sua pupila Gaby Amarantos, cantora paraense que vem seguindo trilha bem mais popularesca após o lançamento de um primeiro álbum solo, Treme (Som Livre, 2012), que rendeu à artista prestígio e visibilidade nacional. A reação sutil do produtor foi assinar a direção musical do novo disco de Jaloo, cantor e compositor paraense que lançou nas plataformas digitais, nesta última semana de novembro de 2014, seu terceiro EP, Insight.  Jaloo é o nome artístico de Jaime Melo, artista que emergiu nos anos 2010, via web, na cena tecnobrega de Belém (PA), onde nasceu há 27 anos. Imerso em universo eletrônico que vai além do  tecnobrega, com elementos de bass music, o disco Insight chega ao mercado fonográfico através de novo selo administrado por Miranda, StereoMono, e apresenta quatro sedutoras gravações. Uma delas, Downtown, é música em inglês que já tinha sido lançada em single neste ano de 2014. Outra é Oblivion, música de autoria da cantora e compositora canadense Grimes lançada pela autora em seu terceiro álbum Visions (4AD e Arbutus Records, 2012). Das ótimas novidades, a melódica Odoiá (In your eyes) - música bilíngue, cantada em português e inglês - põe sutil toques africanos e andinos na mistura eletrônica de Jaloo. Já a música-título - Insight, também cantada em português - é moderno tecnopop que sinaliza que a antenada música de Jaloo tem cacife para gravitar muito além do (volátil) círculo hype. Tarefa para o primeiro álbum do artista, previsto para 2015.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Roberta canta Roberto sem emoção e empastela repertório áureo do 'Rei'

Resenha de CD
Título: Roberta canta Roberto
Artista: Roberta Miranda
Gravadora: Som Livre
Cotação: * *

Das cinco cantoras autorizadas por Roberto Carlos a gravar um álbum com as canções do Rei, Roberta Miranda é a única que alcançou resultado pouco satisfatório, perdendo a chance de fazer bom disco. A primeira foi Sonia Melo, cantora de origem pernambucana que, em 1976, já radicada no Rio de Janeiro (RJ) e contratada pela gravadora Odeon, lançou o LP Sonia Melo interpreta Roberto Carlos e Erasmo Carlos (projeto que teve um segundo volume editado em 1979). Segunda cantora a dedicar um álbum inteiramente às canções do Roberto em época em que elas, as canções, eram tidas como obras menores no círculo elitizado da MPB dos anos 1970, Nara Leão (1942 - 1989) mostrou evolução como intérprete no LP ...e que tudo mais vá pro inferno (Philips, 1978), fazendo história por ter sido a primeira cantora da elite da MPB a avalizar a obra popular e romântica de Roberto. Em 1993, Maria Bethânia voltou a vender disco em quantidades substanciais com álbum, As canções que você fez pra mim (PolyGram, 1993), de tom orquestral e de majestosas interpretações teatrais. Mais recentemente, a carioca Teresa Cristina - voz até então associada ao samba - se transformou em outra em revigorante álbum de vibe roqueira, Teresa Cristina + Os Outros = Roberto Carlos (Deck, 2012). Cantora e compositora paraibana, revelada no universo sertanejo na segunda metade dos anos 1980, Roberta Miranda canta Roberto Carlos sem emoções em disco que empastela o cancioneiro do Rei com arranjos repletos de teclados pilotados por Tutuca Borba e Marco Pontes Caixote. Custa a crer que o produtor de Roberta canta Roberto - CD posto nas lojas pela gravadora Som Livre neste mês de novembro de 2014 - é o mesmo Guto Graça Mello que, há 21 anos, pilotou o álbum em que Bethânia fez seu público acreditar que as canções do Roberto tinham sido feitas para ela. Roberta, aliás, abre seu disco com a mesma música que introduz o antológico disco de Bethânia, As canções que você fez pra mim (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1968). O acordeom de Tadeu Santiago sinaliza na faixa uma trilha sertaneja que, infelizmente, não é a seguida por Roberta ao longo das onze músicas seguintes. E o que se ouve, entre montanhas de teclados e cordas arranjadas de forma tradicional, são interpretações geralmente sem vida. Roberta poucas vezes acerta o tom das canções de Roberto, interpretando Fera ferida (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1982) com mais ternura do que vigor, diluindo a sensualidade entranhada em Proposta (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1973), anulando a jovialidade que dá sentido a Eu te darei o céu (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1966) e acentuando o melodrama de O show já terminou (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1973, para citar quatro músicas que nada ganham na voz da artista. Há ainda momentos piores, como o rock Se você pensa (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1968), revivido sem pegada, assim como o outro rock do CD, Quando (Roberto Carlos, 1967), que fecha o disco em clima morno com a participação afetiva de Dudu Braga - filho do Rei - e seu conjunto RC na Veia (Dudu toca bateria, além de cantar com Roberta). Dentro de quadro geralmente desolador, Roberta canta Roberto oferece algum alento quando a cantora põe fé no repertório católico do compositor. Nossa Senhora (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1993) reitera sua força emotiva. Já Quando eu quero falar com Deus (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1995) - menos envolvente, mas também bonita - é emoldurada em arranjo lacrimejante, condizente com o espírito da música. No repertório, nada ousado como o disco, há também a balada A distância (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1972) - faixa até bacana no contraponto com as demais - e a canção Como é grande o meu amor por você (Roberto Carlos, 1967), regravada sem toque pessoal. Este, aliás, é o maior problema do CD Roberta canta Roberto. Nada soa minimamente especial. No máximo, há gravações meramente corretas. Roberto Carlos não fez suas canções para Roberta Miranda...

Além do samba, Sacramento faz Carnaval torto no autoral 'Autorretrato'

Resenha de CD
Título: Autorretrato
Artista: Marcos Sacramento
Gravadora: Edição independente do artista
Cotação: * * * /12

"...E o que me resta / É um samba torto / Bastante pra fazer meu Carnaval", resigna-se Marcos Sacramento entre o toque roqueiro da guitarra de Fabiano Krieger e a cadência bonita do samba na qual também cai O samba não me quis (Luiz Flávio Alcofra e Marcos Sacramento), música que abre Autorretrato, primeiro álbum inteiramente autoral do cantor e compositor carioca. Com finas ironias, O samba não me quis deixa entrever certa mágoa deste bom cantor cuja voz não se levantou com altitude suficiente para desafiar a supremacia feminina neste país de cantoras (em que pese a criação em 2010 do show Estamos aí, feito por Sacramento com Moyseis Marques e Pedro Miranda para chamar atenção para os dotes vocais da ala masculina da música brasileira). De todo modo, Sacramento não deixa de cair no samba em Autorretrato, assinando sozinho três incursões por esse ritmo de alma carioca como os versos confessionais de Na rua (Marcos Sacramento), balada arranjada em clima pop e introduzida pelo assovio de Daniel Vasques. Traço destacado de Autorretrato, Na rua sinaliza a construção por Sacramento de cancioneiro autoral de contornos eventualmente inusitados, tortos como as quebras de (Marcos Sacramento) e como os caminhos inusuais seguidos por Enigma (Marcos Sacramento) e por Carnaval (Zé Paulo Becker e Marcos Sacramento), samba batido na palma da mão, mas atravessado pelo toque das guitarras de Fabiano Krieger. Tanto que, dentre as 13 músicas autorais do disco, os sambas Qualquer um (Marcos Sacramento), Sacada (Marcos Sacramento) - o melhor deles - e Sereia na avenida (Marcos Sacramento) soam menos surpreendentes do que o recorte da melodia de Labirinto (Marcos Sacramento), faixa que se ergue no disco no toque dos tambores de Raphael Miranda. Além das fronteiras do Brasil, Dois rios - parceria de Sacramento com versos do poeta lusitano Tiago Torres da Silva - esboça clima de fado enquanto Sem sal (Marcos Sacramento) põe saborosa pitada de cabaré alemão - com arranjo eletrônico - neste cancioneiro que surpreende positivamente. O acabamento pop contemporâneo dos arranjos contribui para diluir o melodrama contido nos versos de temas como a balada Três horas da noite (Marcos Sacramento). Por mais que haja músicas menos inspiradas, como a balada Bichos (Marcos Sacramento), Autorretrato é CD que expõe compositor promissor e que, no fim,  com Sereia na avenida (Marcos Sacramento), imprime a sensação de que Marcos Sacramento já tem o bastante para fazer o seu Carnaval torto.

Natiruts reaviva hits do reggae brasileiro em sua quarta gravação ao vivo

Banda de reggae formada pelo vocalista e compositor Alexandre Carlo em Brasília (DF), em 1996, Natiruts vai iniciar o ano de 2015 com mais um registro ao vivo de show, o quarto da discografia do grupo e o terceiro feito de forma consecutiva. A gravação ao vivo do CD, DVD e blu-ray Clássicos do reggae Brasil está programada para 8 de janeiro de 2015 em show do Natiruts no parque aquático Wet 'n wild de Salvador (BA), cidade que gerou o samba-reggae. Como o título do projeto já explicita, a banda vai registrar hits do reggae brasileiro no sucessor do CD e DVD # nofilter (Sony Music, 2014). Estão previstas participações especiais de artistas ligados ao gênero.

Musical atiça a memória afetiva ao reconstituir programas do Chacrinha

Resenha de musical de teatro
Título: Chacrinha - O musical
Texto: Pedro Bial e Rodrigo Nogueira
Direção: Andrucha Waddington
Direção musical e arranjos: Delia Fischer
Elenco: Stepan Nercessian (como Chacrinha - em foto de Juliana Cerdeira), Leo Bahia (como Abelardo Barbosa) e outros
Cotação: * * *
Espetáculo em cartaz de quinta-feira a domingo no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro (RJ), até 1º de março de 2015

Percussionista que se tornou radialista e, do rádio, migrou em 1957 para a TV já personificado como Chacrinha, o apresentador pernambucano José Abelardo Barbosa de Medeiros (30 de setembro de 1917 - 30 de junho de 1988) teve papel fundamental na propagação de discos e músicas. Dos anos 1960 aos 1980, uma aparição em qualquer um de seus programas - A discoteca do Chacrinha, A buzina do Chacrinha ou O cassino do Chacrinha - era a garantia de projeção nacional para cantores que disputavam o então rentável mercado fonográfico brasileiro. Recém-estreado no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro (RJ), em temporada prevista para se estender até 1º de março de 2015, o musical sobre o mais tropicalista dos comunicadores seduz ao atiçar a memória afetiva de várias gerações que viram os programas do Chacrinha em emissoras como a Tupi, Rio Excelsior, Globo e Bandeirantes. Feitas no segundo ato, as convincentes reconstituições dos programas de Chacrinha na televisão dão caráter quase mágico à encenação. As recriações são sustentadas pela incrível atuação do ator goiano Stepan Nercessian, que mimetiza Chacrinha em cena com perfeição gestual e vocal em um trabalho de excelência que justifica o clichê interpretação mediúnica. É nesse segundo ato - com mais magnetismo do que teatralidade em si - que desfilam pelo palco, em traços geralmente caricaturais, cantores como Ney Matogrosso, Fábio Jr. e Elba Ramalho em números musicais mais talhados para provocar riso do que encantamento. Paira a sensação de que todo o primeiro ato - no qual Abelardo Barbosa é talentosamente interpretado na juventude pelo ator fluminense Leo Bahia, recente revelação da cena teatral carioca pela luminosa atuação na montagem estudantil do musical O livro dos mórmons (2013) - foi mero preâmbulo para o segundo ato, quando a montagem dirigida pelo cineasta Andrucha Waddington adquire vivacidade e sentido. Justiça seja feita: o texto - escrito por Pedro Bial e finalizado por Rodrigo Nogueira - foge da fórmula dos musicais biográficos, normalmente estruturados na mera exposição cronológica dos principais fatos da vida e obra da personalidade eleita para ter sua trajetória reconstituída em cena. Ao inserir na dramaturgia elementos do pastoril, criando uma espécie de duplo de Chacrinha na persona do líder desta manifestação folclórica especialmente popular em Pernambuco, os autores fogem do realismo biográfico, sobretudo quando promovem encontros fictícios entre o Velho Palhaço e Abelardo Barbosa, recurso bisado no segundo ato com menor força cênica. De todo modo, o primeiro ato é pautado por cenas que traçam o perfil do jovem Abelardo Barbosa - nascido na interiorana cidade de Surubim (PE) - na infância e na juventude dividida entre o ofício de percussionista, a faculdade de Medicina e as primeiras experiências no rádio. O texto consegue mostrar como Abelardo Barbosa virou Chacrinha, fechando magistralmente o primeiro ato com a primeira aparição de Stepan Nercessian como Chacrinha por trás de Leo Bahia, numa espécie de passagem da coroa, mas o musical fica na superfície quando apenas esboça no segundo ato os conflitos de Abelardo diante da supremacia da personagem Chacrinha no imaginário do povo brasileiro. Só que aí Chacrinha já está em cena como na TV, revivido mimeticamente por Stepan na recriação dos programas. E a plateia-auditório não resiste quando o espetáculo aciona a memória afetiva do espectador. Do ponto de vista musical, o espetáculo é primário. Dentro de sua (aparente) desorganização, os programas de Chacrinha tinham uma lógica inexistente no musical, que mais confunde do que explica ao longo da exposição de músicas cantadas na Discoteca, na Buzina ou no Cassino do Chacrinha. Confusão evidente já no grande pot-pourri alocado ao início do espetáculo quando, em meio ao universo folclórico do pastoril, são ouvidas músicas que foram sucessos nas vozes de cantores e grupos como Lulu Santos (O último romântico, Lulu Santos / Antonio Cícero e Sérgio de Almeida, 1984), Lady Zu (A noite vai chegar, Paulinho Camargo, 1977) e Absyntho (Meu ursinho blau blau, Sérgio Diamante e Paulo Massadas, 1983), entre outros hits alinhados no roteiro sem conexão ou lógica com que se vê em cena. Como o vasto elenco de Chacrinha - O musical não inclui virtuoses vocais, todo o charme e sedução do espetáculo residem na reconstituição crível dos programas de auditório do Velho Guerreiro. É quando Stepan Nercessian domina a cena com seu brilho inusitado, personificando Chacrinha com tal precisão que a memória afetiva trai o espectador a cada vez que o programa entra no ar, criando a ilusão de que o musical sobre o velho palhaço é mais interessante e bem-resolvido do que ele realmente é...

Voz dos forrós de duplo sentido, Clemilda sai de cena em Aracaju, aos 78

Talvez somente os moradores do Nordeste do Brasil tenham a real dimensão do sucesso feito por Clemilda Ferreira da Silva (1 de setembro de 1936 - 26 de novembro de 2014) ao longo de seus 50 anos de carreira. Nascida em São João da Lage, cidade do interior de Alagoas, mas criada em Palmeira dos Índios, outra pequena cidade alagoana, Clemilda foi uma das principais vozes da música nordestina de duplo sentido. Genericamente rotulada como forró, essa música de tom malicioso - vertente explorada também por Anastácia, Genival Lacerda e Sandro Becker, entre outros expoentes do subgênero musical - sempre teve bom alcance popular no Norte e Nordeste do Brasil. Mas Clemilda volta e meia gravou músicas que fizeram sucesso em escala nacional. A primeira delas, Prenda o Tadeu (Antônio Sima e Clemilda), deu nome ao álbum lançado por Clemilda em 1985, duas décadas após a então iniciante cantora - já radicada no Rio de Janeiro (RJ) - ter soltado a voz em programa de calouros da Rádio Mayrink Veiga, em 1965. Iniciada na segunda metade dos anos 1960, a discografia de Clemilda foi - assim como sua incursão no mundo da música - semeada a partir do encontro da artista com o sanfoneiro alagoano Gerson Filho (1925 - 1994), que viria a se tornar seu marido. Foi participando de três faixas de um álbum de Gerson, Retalhos do nordeste (RCA-Victor, 1966), que Clemilda debutou em disco, construindo, a partir de então, discografia solo que rendeu títulos como Gerson Filho apresenta Clemilda (RCA Victor, 1967), Rôdero novo (RCA Victor, 1968) e Fazenda Taquari (RCA-Victor, 1969). A partir dos anos 1970, já de volta ao Nordeste, Clemilda passou a fazer shows com Gerson no circuito de forrós da região e a gravar regularmente álbuns lançados com os selos de gravadoras como Continental, Chantecler e Musicolor. Nessa década, o sucesso da cantora foi regional. Na segunda metade dos anos 1980, no embalo do êxito nacional do álbum Prenda o Tadeu (Continental, 1985), Clemilda teve sua imagem propagada em programas de TV das principais emissoras do Brasil. Em 1987, gravou mais uma música que obteve visibilidade nacional, Forró cheiroso, composição assinada por Clemilda em parceria com Miraldo Aragão - popularmente conhecida como "Talco no salão" - que batizou o álbum lançado pela cantora via Chantecler naquele ano. Com a morte de Gerson Filho, em 1994, Clemilda - então já radicada em Aracaju (SE), cidade onde saiu de cena, aos 78 anos, na noite de 26 de novembro de 2014, vítima de complicações derivadas de AVCs, osteoporose e pneumonia - praticamente interrompeu sua carreira fonográfica e reduziu bastante a agenda de shows, concentrando-se na apresentação de programas de rádio e TV em emissoras de alcance restrito a Sergipe. A discografia seria retomada somente em 2004 com o lançamento do álbum Caminhos do prazer (RB Music). O último disco de Clemilda, Forró bom demais, saiu em 2006 via Ouro Records. Neste ano de 2014, as cinco décadas da trajetória artística de Clemilda foram celebradas com a exposição e o documentário intitulados Morena dos olhos pretos, nome do álbum lançado em 1972 por essa cantora que vai permanecer na memória afetiva do povo nordestino e dos admiradores dos maliciosos e bem-humorados forrós de duplo sentido, subgênero no qual Clemilda foi a voz feminina mais expressiva.