Mauro Ferreira no G1

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sábado, 22 de novembro de 2014

Sem pressa, Rubinho segue a trilha de 'Andando no ar' em tempo calmo

Resenha de CD
Título: Andando no ar
Artista: Rubinho Jacobina
Gravadora: Joia Moderna / Tratore
Cotação: * * * *

"Na hora de ter calma, você tem pressa / Na hora de ter pressa, você tem calma". A dialética da reclamação feita em tom supostamente impaciente por Rubinho Jacobina em Calma (Rubinho Jacobina e Domenico Lancellotti, 2014) - indie rock que abre o segundo belo álbum do cantor e compositor carioca, Andando no ar - pode ser aplicada ao tempo do artista na criação e edição do disco produzido por Moreno Veloso com Pedro Sá. Em vez de calma, Rubinho teve pressa para gravar o álbum em apenas quatro dias de 2010 no estúdio Toca do Bandido, no Rio de Janeiro (RJ). Em vez de pressa, o artista teve calma ao longo dos últimos anos para resolver questões jurídicas relativas à distribuição no disco do mercado fonográfico até acertar o lançamento de Andando no ar com a gravadora Joia Moderna, do DJ Zé Pedro. Nesse tempo, longo até para o ritmo lento da indústria fonográfica, músicas então inéditas como Bem a sós (Rubinho Jacobina, 2012)  - ouvida com o autor em registro que embute órgão à moda dos anos 1960 -  e a tropicalista Ringard (Rubinho Jacobina, 2014) foram parar em discos e vozes das cantoras Roberta Sá e Silvia Machete, respectivamente. Cantoras de ouvidos atentos que perceberam a boa qualidade da produção autoral do compositor que ora se expõe como cantautor, com a calma de se saber cantor de alcance vocal limitado. Mas, não, a corda vocal de Jacobina não chega a ser um problema, como o artista se auto-ironiza em verso de Meio tom (Rubinho Jacobina, 2009), samba lançado há cinco anos pelo cantor carioca Pedro Miranda em seu álbum Pimenteira (Independente, 2009). Tanto que Jacobina se aventura como intérprete em duas músicas assinadas pela afinada dupla de compositores Luís Reis (1926 - 1980) e Haroldo Barbosa (1915 - 1979). Uma delas é o samba Lamento bebop, lançado em disco em 1961 pelo cantor carioca Miltinho (1928 - 2014), rei de um balanço traduzido no registro de Rubinho pelo suingue da guitarra de Pedro Sá (fundamental na arquitetura de outra faixa, Segue esculachando, de autoria de Rubinho). A segunda música do maranhense Luís Reis com o carioca Haroldo Barbosa, inédita, é o samba-canção que batiza o álbum, Andando no ar, tema em que Jacobina destila onírica e poeticamente mágoas de amor embebidas em doses fartas de álcool. Andando no ar - o disco lançado neste mês de novembro de 2014 com distribuição da Tratore - é de certa forma mais calmo e menos roqueiro do que seu bom antecessor Rubinho Jacobina e a força bruta (Independente, 2005). Mas tem rock (como Clichê colado), tem samba - ritmo que pautou a passagem de Rubinho pela Garrafieira, banda que fundou no Rio de Janeiro (RJ) - e tem marcha, a Marcha lúbrica (Rubinho Jacobina), que segue o bloco posto na ruas cariocas pela Orquestra Imperial, big-band que deu projeção a Rubinho ao longo dos anos 2000. E tem também poema de Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987), Cidadezinha qualquer (1930), musicado por Rubinho e cantado em tom vagaroso - entre cordas orquestradas pelo próprio artista - que explicita influência do som de Caetano Veloso da fase Cê. Tem até um clima de fado, esboçado em Onde moras?, música feita pelo compositor carioca Nelson Jacobina (1953 - 2012) - irmão de Rubinho - a partir de versos do parnasiano poeta português Antônio Feijó (1859-1917). Em outra latitude, o samba Vento lento (Rubinho Jacobina e Pedro Canella) espalha no ar envolvente suingue que parece abarcar Bahia, Pará, Caribe e África na sua rota. No fim do disco, que tem belo projeto gráfico assinado por Luiz Zerbini e Juliana Wahner, a marcha Peter Pan (Rubinho Jacobina) repõe o bloco do cantautor na rua, arrematando Andando no ar com a sensação de que Rubinho Jacobina segue sua trilha e faz seu Carnaval roqueiro sem pressa, em um tempo próprio do artista. Tanto que Calma, o rock falsamente impaciente que abre o disco nos toques da bateria (firme) de Domenico Lancellotti e das guitarras de Bartolo e Pedro Sá, foi cantado por seu autor no evento Cep. 2000 nos anos 1990 e somente agora chega ao disco, no tempo de Rubinho Jacobina.

Um comentário:

Mauro Ferreira disse...

♪ "Na hora de ter calma, você tem pressa / Na hora de ter pressa, você tem calma". A dialética da reclamação feita em tom supostamente impaciente por Rubinho Jacobina em Calma (Rubinho Jacobina e Domenico Lancellotti, 2014) - indie rock que abre o segundo belo álbum do cantor e compositor carioca, Andando no ar - pode ser aplicada ao tempo do artista na criação e edição do disco produzido por Moreno Veloso com Pedro Sá. Em vez de calma, Rubinho teve pressa para gravar o álbum em apenas quatro dias de 2010 no estúdio Toca do Bandido, no Rio de Janeiro (RJ). Em vez de pressa, o artista teve calma ao longo dos últimos anos para resolver questões jurídicas relativas à distribuição no disco do mercado fonográfico até acertar o lançamento de Andando no ar com a gravadora Joia Moderna, do DJ Zé Pedro. Nesse tempo, longo até para o ritmo lento da indústria fonográfica, músicas então inéditas como Bem a sós (Rubinho Jacobina, 2012) - ouvida com o autor em registro que embute órgão à moda dos anos 1960 - e a tropicalista Ringard (Rubinho Jacobina, 2014) foram parar em discos e vozes das cantoras Roberta Sá e Silvia Machete, respectivamente. Cantoras de ouvidos atentos que perceberam a boa qualidade da produção autoral do compositor que ora se expõe como cantautor, com a calma de se saber cantor de alcance vocal limitado. Mas, não, a corda vocal de Jacobina não chega a ser um problema, como o artista se auto-ironiza em verso de Meio tom (Rubinho Jacobina, 2009), samba lançado há cinco anos pelo cantor carioca Pedro Miranda em seu álbum Pimenteira (Independente, 2009). Tanto que Jacobina se aventura como intérprete em duas músicas assinadas pela afinada dupla de compositores Luís Reis (1926 - 1980) e Haroldo Barbosa (1915 - 1979). Uma delas é o samba Lamento bebop, lançado em disco em 1961 pelo cantor carioca Miltinho (1928 - 2014), rei de um balanço traduzido no registro de Rubinho pelo suingue da guitarra de Pedro Sá (fundamental na arquitetura de outra faixa, Segue esculachando, de autoria de Rubinho). A segunda música do maranhense Luís Reis com o carioca Haroldo Barbosa, inédita, é o samba-canção que batiza o álbum, Andando no ar, tema em que Jacobina destila onírica e poeticamente mágoas de amor embebidas em doses fartas de álcool. Andando no ar - o disco lançado neste mês de novembro de 2014 com distribuição da Tratore - é de certa forma mais calmo e menos roqueiro do que seu bom antecessor Rubinho Jacobina e a força bruta (Independente, 2005). Mas tem rock (como Clichê colado), tem samba - ritmo que pautou a passagem de Rubinho pela Garrafieira, banda que fundou no Rio de Janeiro (RJ) - e tem marcha, a Marcha lúbrica (Rubinho Jacobina), que segue o bloco posto na ruas cariocas pela Orquestra Imperial, big-band que deu projeção a Rubinho ao longo dos anos 2000. E tem também poema de Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987), Cidadezinha qualquer (1930), musicado por Rubinho e cantado em tom vagaroso - entre cordas orquestradas pelo próprio artista - que explicita influência do som de Caetano Veloso da fase Cê. Tem até um clima de fado, esboçado em Onde moras?, música feita pelo compositor carioca Nelson Jacobina (1953 - 2012) - irmão de Rubinho - a partir de versos do parnasiano poeta português Antônio Feijó (1859-1917). Em outra latitude, o samba Vento lento (Rubinho Jacobina e Pedro Canella) espalha no ar envolvente suingue que parece abarcar Bahia, Pará, Caribe e África na sua rota. No fim do disco, que tem belo projeto gráfico assinado por Luiz Zerbini e Juliana Wahner, a marcha Peter Pan (Rubinho Jacobina) repõe o bloco do cantautor na rua, arrematando Andando no ar com a sensação de que Rubinho Jacobina segue sua trilha e faz seu Carnaval roqueiro sem pressa, em um tempo próprio do artista. Tanto que Calma, o rock falsamente impaciente que abre o disco nos toques da bateria (firme) de Domenico Lancellotti e das guitarras de Bartolo e Pedro Sá, foi cantado por seu autor no evento Cep. 2000 nos anos 1990 e somente agora chega ao disco, no tempo de Rubinho Jacobina.