Mauro Ferreira no G1

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quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Sem ação e dramaturgia, musical sobre Rayol promove apoteose da voz

Resenha de musical
Título: Agnaldo Rayol - A alma do Brasil
Texto: Fátima Valença
Direção: Roberto Bomtempo
Direção musical e arranjos: Marcelo Alonso Neves
Elenco: Marcelo Nogueira (em foto de Eduardo Alonso), Stela Maria Rodrigues, Mona
               Vilardo e Fabrício Negri
Cotação: * *
Em cartaz no Centro Cultural Correiros, no Rio de Janeiro (RJ), até 21 de dezembro de 2014

"Eu me vi no palco". O elogio emocionado de Agnaldo Rayol - feito na noite de ontem, 11 de novembro de 2014, para a plateia de convidados que assistiu à estreia oficial do musical sobre a vida do cantor carioca - faz justiça ao bom trabalho do ator Marcelo Nogueira. Idealizador, produtor e protagonista do musical recém-estreado no Rio de Janeiro (RJ), Nogueira personifica Rayol em cena de forma crível. Seu êxito está calcado nos seus amplos dotes vocais. Em cena desde a segunda metade dos anos 1950, Rayol descende da linhagem pré-Bossa Nova dos cantores de dó-de-peito. Somente um ator que fosse também cantor de fartos recursos vocais poderia vivê-lo no palco de maneira convincente. Nogueira pode. Sua interpretação é o trunfo do musical em cartaz até 21 de dezembro de 2014. Talhado para público idoso e saudosista dessa obra sentimental, Agnaldo Rayol - A alma do Brasil é musical carente de ação dramática. Nem há propriamente uma dramaturgia no texto de Fátima Valença. O que se vê no palco do Centro Cultural Correios é uma sucessão de reproduções de números de programas de rádio e TV. As cenas parecem meros pretextos para que Nogueira e o competente elenco - completado por Stela Maria Rodrigues (talentosa atriz de bela voz), Mona Vilardo e Fabrício Negri - possa soltar a voz em músicas como Mia Gioconda (Vicente Celestino, 1946) e Nature boy (Eden Ahbez, 1948), ambas ouvidas no início do espetáculo. Nature boy é cantada por Nogueira, que se acompanha ao piano. Já Mia Gioconda situa a origem italiana dos pais de Rayol. Contudo, embora salpique dados biográficos do artista, o texto do musical falha na missão de expor e contextualizar o canto de Agnaldo Rayol na cena musical brasileira. Numerosas imagens da vida e obra do artista são projetadas no cenário de forma desordenada, sem dar ao espectador uma noção mais consistente da trajetória deste artista multimídia cujo currículo inclui também atuações no cinema e na televisão como ator de filmes e novelas. Com ralo material dramatúrgico, o diretor Roberto Bomtempo conduz bem a cena, com fluência, promovendo em vários números a apoteose da voz. Nesse quesito, Nogueira jamais decepciona. Seja no número seresteiro A voz do violão (Francisco Alves e Horácio Campos, 1929), feito na cena que junta Rayol com o então presidente do Brasil Juscelino Kubitschek (1902 - 1976), seja na recriação do dueto de Rayol com a apresentadora e cantora Hebe Camargo (1929 - 2012) - amiga de Rayol, encarnada no musical por Stela Maria Rodrigues - na Serenata do Adeus (Vinicius de Moraes, 1958). Embora os números musicais funcionem dentro do estilo romântico e exacerbado de Rayol, o espetáculo peca por apresentar deslocado pot-pourri de sucessos da Jovem Guarda - em cena excessivamente longa - e por destacar no fim a toada Tocando em frente (Almir Sater e Renato Teixeira, 1990), cujo tom plácido vai na contramão do canto inflamado que identifica Agnaldo Rayol no imaginário do Brasil. No todo, o musical se sustenta na performance vocal do talentoso Marcelo Nogueira. Vê-se - de fato - Agnaldo Rayol e sua alma musical no palco.

Um comentário:

Mauro Ferreira disse...

♪ "Eu me vi no palco". O elogio emocionado de Agnaldo Rayol - feito na noite de ontem, 11 de novembro de 2014, para a plateia de convidados que assistiu à estreia oficial do musical sobre a vida do cantor carioca - faz justiça ao bom trabalho do ator Marcelo Nogueira. Idealizador, produtor e protagonista do musical recém-estreado no Rio de Janeiro (RJ), Nogueira personifica Rayol em cena de forma crível. Seu êxito está calcado nos seus amplos dotes vocais. Em cena desde a segunda metade dos anos 1950, Rayol descende da linhagem pré-Bossa Nova dos cantores de dó-de-peito. Somente um ator que fosse também cantor de fartos recursos vocais poderia vivê-lo no palco de maneira convincente. Nogueira pode. Sua interpretação é o trunfo do musical em cartaz até 21 de dezembro de 2014. Talhado para público idoso e saudosista dessa obra sentimental, Agnaldo Rayol - A alma do Brasil é musical carente de ação dramática. Nem há propriamente uma dramaturgia no texto de Fátima Valença. O que se vê no palco do Centro Cultural Correios é uma sucessão de reproduções de números de programas de rádio e TV. As cenas parecem meros pretextos para que Nogueira e o competente elenco - completado por Stela Maria Rodrigues (talentosa atriz de bela voz), Mona Vilardo e Fabrício Negri - possa soltar a voz em músicas como Mia Gioconda (Vicente Celestino, 1946) e Nature boy (Eden Ahbez, 1948), ambas ouvidas no início do espetáculo. Nature boy é cantada por Nogueira, que se acompanha ao piano. Já Mia Gioconda situa a origem italiana dos pais de Rayol. Contudo, embora salpique dados biográficos do artista, o texto do musical falha na missão de expor e contextualizar o canto de Agnaldo Rayol na cena musical brasileira. Numerosas imagens da vida e obra do artista são projetadas no cenário de forma desordenada, sem dar ao espectador uma noção mais consistente da trajetória deste artista multimídia cujo currículo inclui também atuações no cinema e na televisão como ator de filmes e novelas. Com ralo material dramatúrgico, o diretor Roberto Bomtempo conduz bem a cena, com fluência, promovendo em vários números a apoteose da voz. Nesse quesito, Nogueira jamais decepciona. Seja no número seresteiro A voz do violão (Francisco Alves e Horácio Campos, 1929), feito na cena que junta Rayol com o então presidente do Brasil Juscelino Kubitschek (1902 - 1976), seja na recriação do dueto de Rayol com a apresentadora e cantora Hebe Camargo (1929 - 2012) - amiga de Rayol, encarnada no musical por Stela Maria Rodrigues - na Serenata do Adeus (Vinicius de Moraes, 1958). Embora os números musicais funcionem dentro do estilo romântico e exacerbado de Rayol, o espetáculo peca por apresentar deslocado pot-pourri de sucessos da Jovem Guarda - em cena excessivamente longa - e por destacar no fim a toada Tocando em frente (Almir Sater e Renato Teixeira, 1990), cujo tom plácido vai na contramão do canto inflamado que identifica Agnaldo Rayol no imaginário do Brasil. No todo, o musical se sustenta na performance vocal do talentoso Marcelo Nogueira. Vê-se - de fato - Agnaldo Rayol e sua alma musical no palco.