Mauro Ferreira no G1

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sábado, 26 de dezembro de 2015

Peso da vida desaba com suavidade em 'Est', álbum de Scandurra com Tape

Resenha de CD
Título: Est
Artista: Edgard Scandurra e Silvia Tape
Gravadora: 180 selo fonográfico
Cotação: * * * *

Projeto que junta dois guitarristas da cena roqueira paulistana, Edgard Scancurra e Silvia Tape, Est é um disco existencialmente pesado cujo repertório - inteiramente inédito e autoral - ganhou forma quando Tape pôs letras em músicas compostas por Scandurra em 2009 com o aplicativo GarageBand para o que seria álbum instrumental. Asas irreais narra - com poesia inspirada em versos do mineiro Alphonsus de Guimarães (1870-1921) e com o toque exato da bateria de Curumim - o suicídio de mulher que se atirou ao mar diante da impossibilidade de concretizar desejos reais. A sua intuição expõe chamado urgente para mulher ansiosa, dispersa e solitária olhar para dentro de si. Contudo, o peso do disco se resume às letras de Tape. Musicalmente, para citar versos de Meu lamento (música ouvida também na forma de vinheta instrumental), Est faz com que o peso da vida e do céu desabe sobre o ouvinte no tom lo-fi do disco gravado no Wah Wah Studio, em São Paulo (SP) com produção capitaneada por Scandurra com Tape. E é desse contraste que Est extrai beleza no caos existencial. A beleza reside tanto no clima cool quanto nas músicas em si. Aliás, A sua intuição abre o CD e logo se impõe como das mais bonitas melodias da safra autoral de Est  ao lado de Eu acho que posso esperar, única das nove composições que tem melodia e letra assinadas por Scandurra. A guitarra sempre precisa de Scandurra está lá, ao longo de dez faixas que incluem o tema instrumental Rio rastro. As programações eletrônicas também estão entranhadas no disco. Mas nada abala a atmosfera tranquila do disco. Nem o tom roqueiro de Num instante qualquer - resquício do passado punk de Scandurra, um dos cérebros do grupo Ira! que também atuou no grupo Mercenárias, do qual Tape é guitarrista desde 2005 - altera a serenidade neofolk com que Scandurra e Tape apresentam os nove títulos de parceria que se revela afinada em músicas como o torto samba-canção Hoje o tempo. Dentro da atmosfera de Est, o canto pacato de Tape se ajusta com precisão ao tom do disco, quase sempre em intencional divergência com o desassossego dos versos. Por mais que Bolhas de sabão apresente espírito lúdico, Est alinha músicas que falam sério sobre desajustes emocionais sem levantar a voz. Criada com mix sutil de sons acústicos e eletrônicos, a atmosfera suave do álbum amplifica a poesia e beleza contida nestes lamentos em forma de canções. "Ontem foi difícil adormecer / E já era hora de acordar", relatam versos de Hoje o tempo. O clima lo-fi de Est embute urgências existenciais. E é do sereno atrito entre o que é dito e a forma sonora das canções que aparece o encanto inesperado do sedutor Est.

Um comentário:

Mauro Ferreira disse...

♪ Projeto que junta dois guitarristas da cena roqueira paulistana, Edgard Scancurra e Silvia Tape, Est é um disco existencialmente pesado cujo repertório - inteiramente inédito e autoral - ganhou forma quando Tape pôs letras em músicas compostas por Scandurra em 2009 com o aplicativo GarageBand para o que seria álbum instrumental. Asas irreais narra - com poesia inspirada em versos do mineiro Alphonsus de Guimarães (1870-1921) e com o toque exato da bateria de Curumim - o suicídio de mulher que se atirou ao mar diante da impossibilidade de concretizar desejos reais. A sua intuição expõe chamado urgente para mulher ansiosa, dispersa e solitária olhar para dentro de si. Contudo, o peso do disco se resume às letras de Tape. Musicalmente, para citar versos de Meu lamento (música ouvida também na forma de vinheta instrumental), Est faz com que o peso da vida e do céu desabe sobre o ouvinte no tom lo-fi do disco gravado no Wah Wah Studio, em São Paulo (SP) com produção capitaneada por Scandurra com Tape. E é desse contraste que Est extrai beleza no caos existencial. A beleza reside tanto no clima cool quanto nas músicas em si. Aliás, A sua intuição abre o CD e logo se impõe como das mais bonitas melodias da safra autoral de Est ao lado de Eu acho que posso esperar, única das nove composições que tem melodia e letra assinadas por Scandurra. A guitarra sempre precisa de Scandurra está lá, ao longo de dez faixas que incluem o tema instrumental Rio rastro. As programações eletrônicas também estão entranhadas no disco. Mas nada abala a atmosfera tranquila do disco. Nem o tom roqueiro de Num instante qualquer - resquício do passado punk de Scandurra, um dos cérebros do grupo Ira! que também atuou no grupo Mercenárias, do qual Tape é guitarrista desde 2005 - altera a serenidade neofolk com que Scandurra e Tape apresentam os nove títulos de parceria que se revela afinada em músicas como o torto samba-canção Hoje o tempo. Dentro da atmosfera de Est, o canto pacato de Tape se ajusta com precisão ao tom do disco, quase sempre em intencional divergência com o desassossego dos versos. Por mais que Bolhas de sabão apresente espírito lúdico, Est alinha músicas que falam sério sobre desajustes emocionais sem levantar a voz. Criada com mix sutil de sons acústicos e eletrônicos, a atmosfera suave do álbum amplifica a poesia e beleza contida nestes lamentos em forma de canções. "Ontem foi difícil adormecer / E já era hora de acordar", relatam versos de Hoje o tempo. O clima lo-fi de Est embute urgências existenciais. E é do sereno atrito entre o que é dito e a forma sonora das canções que aparece o encanto inesperado do sedutor Est.