Mauro Ferreira no G1

Aviso aos navegantes: desde 6 de julho de 2016, o jornalista Mauro Ferreira atualiza diariamente uma coluna sobre o mercado fonográfico brasileiro no portal G1. Clique aqui para acessar a coluna. O endereço é http://g1.globo.com/musica/blog/mauro-ferreira/


quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Andrea filtra a MPB pelo toque erudito de seu piano no refinado 'Desvelo'

Resenha de CD
Título: Desvelo
Artista: Andrea dos Guimarães
Gravadora: Edição independente da artista / Tratore (distribuição)
Cotação: * * * *

O toque erudito do piano de Andrea dos Guimarães é o primeiro som ouvido em Desvelo, o primeiro álbum solo desta cantora, compositora, pianista e arranjadora mineira - radicada desde 1997 em São Paulo (SP) - que já contabiliza dois discos lançados como integrante do Conversa Ribeira, grupo das Geraes, e um como componente do Garimpo Quarteto. Faz todo sentido. Em Desvelo, CD gravado e fabricado em 2014, mas efetivamente lançado no mercado fonográfico neste mês de fevereiro de 2015 com distribuição da Tratore, Andrea filtra a música brasileira pelo toque erudito de seu belo piano com arranjos de atmosfera camerística. Com técnica perfeita e afinação exemplar, detectadas já nos vocalises da Ciranda dos meninos (Andrea dos Guimarães), a artista deixa que o piano a conduza no canto de músicas como Retrato em branco e preto (Antonio Carlos Jobim e Chico Buarque, 1968) e Começar de novo (Ivan Lins e Vitor Martins, 1979) em gravações que nada acrescentam a essas músicas já tão expressivamente abordadas. De todo modo, Desvelo tem relevância porque jamais se curva ao tom costumeiro das músicas que Andrea põe na (sua) pauta. É assim, com a cantora sendo guiada pela pianista, que Andrea ritualiza o luto de Acalanto (Edu Lobo e Chico Buarque, 1978), que se desvia do curso ruralista de Rio de lágrimas (Tião Carreiro, Piraci e Lourival dos Santos, 1970), que segue sua própria toada rítmica ao cantar Asa branca (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, 1949) - introduzida pelo tempo de Seis horas da tarde (Milton Nascimento, 1993) em faixa sublinhada com citação de Borandá (Edu Lobo, 1965) - e que carrega Lata d'água (Luís Antonio e Jota Junior, 1952) com divisão inusitada para o samba popularizado na voz radiofônica da cantora paulistana Marlene (1922 - 2014). Desvelo é disco tão pautado pela rigidez técnica que a participação afetiva de Alcides Nunes - pai de Andrea, convidado de Meus tempos de criança (1956), título nostálgico e pueril do compositor mineiro Ataulfo Alves (1909 - 1969) - contribui positivamente para quebrar um pouco essa atmosfera por vezes fria com um canto rústico e um sentimento mais explícito como o que abunda na sublime abordagem de Cocoon (Björk e Thomas Knak, 2001) que fecha o disco. Essa capacidade de irmanar Björk e Chico Buarque - de cujo samba Ela desatinou (1968) a artista rasga a fantasia carnavalesca para enfatizar o desatino da protagonista dos versos em registro próximo da música de câmara - reitera a personalidade de Andrea dos Guimarães como intérprete de canto refinado, pautado pelo toque de um piano igualmente sofisticado. Desvelo tira o véu para revelar faces então ocultas de joias do cancioneiro brasileiro, expondo o talento de Andrea dos Guimarães.

Um comentário:

Mauro Ferreira disse...

♪ O toque erudito do piano de Andrea dos Guimarães é o primeiro som ouvido em Desvelo, o primeiro álbum solo desta cantora, compositora, pianista e arranjadora mineira - radicada desde 1997 em São Paulo (SP) - que já contabiliza dois discos lançados como integrante do Conversa Ribeira, grupo das Geraes, e um como componente do Garimpo Quarteto. Faz sentido. Em Desvelo, CD gravado e fabricado em 2014, mas efetivamente lançado no mercado fonográfico neste mês de fevereiro de 2015 com distribuição da Tratore, Andrea filtra a música brasileira pelo toque erudito de seu piano com arranjos de atmosfera camerística. Com técnica perfeita e afinação exemplar, detectadas já nos vocalises da Ciranda dos meninos (Andrea dos Guimarães), a artista deixa que o piano a conduza no canto de músicas como Retrato em branco e preto (Antonio Carlos Jobim e Chico Buarque, 1968) e Começar de novo (Ivan Lins e Vitor Martins, 1979). Desvelo tem relevância porque jamais se curva ao tom costumeiro das músicas que Andrea põe na (sua) pauta. É assim, com a cantora sendo guiada pela pianista, que Andrea ritualiza o luto de Acalanto (Edu Lobo e Chico Buarque, 1978), que se desvia do curso ruralista de Rio de lágrimas (Tião Carreiro, Piraci e Lourival dos Santos, 1970), que segue sua própria toada rítmica ao cantar Asa branca (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, 1949) - introduzida pelo tempo de Seis horas da tarde (Milton Nascimento, 1993) em faixa sublinhada com citação de Borandá (Edu Lobo, 1965) - e que carrega Lata d'água (Luís Antonio e Jota Junior, 1952) com divisão inusitada para o samba popularizado na voz radiofônica da cantora paulistana Marlene (1922 - 2014). Desvelo é disco tão pautado pela rigidez técnica que a participação afetiva de Alcides Nunes - pai de Andrea, convidado de Meus tempos de criança (1956), título nostálgico e pueril do compositor mineiro Ataulfo Alves (1909 - 1969) - contribui positivamente para quebrar um pouco essa atmosfera por vezes fria com um canto rústico e um sentimento mais explícito como o que abunda na sublime abordagem de Cocoon (Björk e Thomas Knak, 2001) que fecha o disco. Essa capacidade de irmanar Björk e Chico Buarque - de cujo samba Ela desatinou (1968) a artista rasga a fantasia carnavalesca para enfatizar o desatino da protagonista dos versos em registro próximo da música de câmara - reitera a personalidade de Andrea dos Guimarães como intérprete de canto refinado, pautado pelo toque de um piano igualmente sofisticado. Desvelo tira o véu para revelar faces então ocultas de joias do cancioneiro brasileiro, expondo o talento de Andrea dos Guimarães.