Mauro Ferreira no G1

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quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Chico César toca os vivos no show 'Estado de poesia' com som apaixonante

Resenha de show
Título: Estado de poesia
Artista: Chico César (em foto de Mauro Ferreira)
Local: Theatro Net Rio (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 24 de novembro de 2015
Cotação: * * * * 1/2

Em 1995, Chico César extrapolou as fronteiras da Paraíba natal com Aos vivos (Velas), registro de show acústico que fez do cantor e compositor paraibano a sensação da MPB em 1996 - a ponto de cantoras disputarem, naquele ano áureo, músicas de autoria dele com telefonemas e atitudes passionais. Decorridos 20 anos, somente Maria Bethânia e Elba Ramalho permanecem realmente atentas à produção autoral do artista, em prova de coerência. Mas Chico César continua exibindo a mesma grandeza como compositor, como provaram os dois últimos álbuns de músicas inéditas que lançou, Francisco, forró y frevo (Chita Discos / EMI Music, 2008) e o recém-editado Estado de poesia (Chita Discos / Urban Jungle / Pommelo Distribuições / Lab Fantasma, 2015). Aos vivos que compareceram à estreia carioca de Estado de poesia, show derivado do homônimo disco feito pelo artista com inspiração na paixão pela mulher Bárbara Santos, Chico César deu mais uma amostra da relevância que tem pautado obra autoral que transita entre o discurso amoroso e a exposição de questões sociais que refletem sobre um Brasil que nega, inclusive, a negritude do país, assunto do reggae Negão (Chico César, 2015), um dos pontos mais altos de show eletrizante. Com suporte do projeto Natura Musical ("Estou no colo da mãe natureza", brincou Chico, citando verso de Rita Lee em Mamãe natureza, 1974, ao falar da empresa que bancou o atual trabalho), Estado de poesia é show feito na pressão, partindo dos arranjos do disco, mas com pegada ainda mais forte. Não é à toa que a luz do show remete à iluminação frenética dos shows de rock'n'roll em músicas como Guru (Chico César, 2015). Número que abriu o roteiro, o xote Caninana (Chico César, 2015) virou xote'n'roll no palco do Theatro Net Rio. A swingueira e a pressão desta parte inicial do show turbinaram o reggae A palavra mágica (Chico César, 2015) e o samba-rock Atravessa-me (Chico César, 2015), que ecoou tanto o balanço de Jorge Ben Jor que a citação de Zazueira (Jorge Ben Jor, 1968) soou perfeitamente natural. Alternando-se entre as guitarras e os violões eletroacústicos, Chico César tem a seu favor, no show e no disco Estado de poesia, afiada banda formada pelo percussionista Escurinho, o baterista Gledson Meira, tecladista Helinho Medeiros e o baixista Xisto Medeiros. Baiana radicada na Paraíba, a sanfoneira Lívia Matos completou a banda na estreia carioca do show em 24 de novembro de 2015. Em estado de graça, Chico César dialogou espirituosamente com a plateia - sem prejudicar o timing do show - e mostrou músicas que conciliam amor e política. Inspirada pela canção sentimental popular, Da taça (Chico César, 2015) sorveu toques de bolero e arrocha, preparando o clima romântico para a melancólica canção Onde estará o meu amor? (Chico César, 1996), propagada na voz de Maria Bethânia e revivida por Chico César no show com sedutora citação de Diana (Paul Anka, 1957, em versão em português de Fred Jorge, 1958). Dentro deste estilo popular romântico, a música-título Estado de poesia (Chico César) - lançada por Bethânia no show Carta de amor (2012 / 2013) - se confirmou no show como uma das pérolas mais reluzentes de um disco apaixonado. A abordagem de Estado de poesia por Chico rivalizou com a da cantora em beleza, mas teve mais energia e um arranjo vintage que fez sobressair o toque dos teclados de Helinho Medeiros com som que remeteu aos órgãos de vários hits da Jovem Guarda. Tema suculento, Caracajus (Chico César, 2015) destilou poesia em estado puro em número que ganhou peso progressivo no show. Já Museu (Chico César, 2015) foi o único instante em que o show sofreu queda de energia e sedução. Na sequência, Chico exalou vivacidade rítmica à moda de Moraes Moreira na nordestina Quero viver (2015) - parceria póstuma com o poeta tropicalista Torquato Neto (1944 - 1972) que ganhou sagaz citação de Besta é tu (Moraes Moreira, Pepeu Gomes e Luiz Galvão, 1972), hit do grupo Novos Baianos - e acertou o passo do frevo Alberto (Chico César, 2015), cuja letra tira o aviador mineiro Santos Dumont (1873 - 1932) do armário. Entre um número e outro, Chico convocou o percussionista Escurinho para a frente do palco para bisarem no palco o dueto que fazem no disco no samba No Sumaré (Chico César, 2015), composto nos moldes dos sambas do compositor paulistano Adoniran Barbosa (1910 - 1982). No bis, Chico disparou os disparates da política agropecuária do Brasil na verborrágica Reis do agronegócio (Chico César e Carlos Rennó, 2015) como se fosse um Bob Dylan encarnado em cantador do sertão nordestino. No segundo bis, iniciado com a sempre pedida Mama África (Chico César, 1995), o cantador aguçou o discurso político de Estado de poesia ao dar voz ao luminoso samba-reggae Brilho de beleza (Nego Tenga, 1988) e ao hino engajador de seu conterrâneo Geraldo Vandré, Pra não dizer que não falei das flores (1968). Caminhando, cantando e compondo com a mesma força de 20 anos atrás, Chico César soa apaixonante no show Estado de poesia, dando recado aos vivos.

9 comentários:

Mauro Ferreira disse...

♪ Em 1995, Chico César extrapolou as fronteiras da Paraíba natal com Aos vivos (Velas), registro de show acústico que fez do cantor e compositor paraibano a sensação da MPB em 1996 - a ponto de cantoras disputarem, naquele ano, músicas de sua autoria com telefonemas e atitudes passionais. Decorridos 20 anos, somente Maria Bethânia permanece realmente atenta à produção autoral do artista, em prova de coerência e personalidade. Mas Chico César continua ostentando a mesma grandeza como compositor, como provaram os dois últimos álbuns de músicas inéditas que lançou, Francisco, forró y frevo (Chita Discos / EMI Music, 2008) e o recém-editado Estado de poesia (Chita Discos / Urban Jungle / Pommelo Distribuições / Lab Fantasma, 2015). Aos vivos que compareceram à estreia carioca de Estado de poesia, show derivado do homônimo disco feito pelo artista com inspiração na paixão pela mulher Bárbara Santos, Chico César deu mais uma amostra da relevância que tem pautado obra autoral que transita entre o discurso amoroso e a exposição de questões sociais que refletem sobre um Brasil que nega, inclusive, a negritude do país, assunto do reggae Negão (Chico César, 2015), um dos pontos mais altos de show eletrizante. Com suporte do projeto Natura Musical ("Estou no colo da mãe natureza", brincou Chico, citando verso de Rita Lee em Mamãe natureza, 1974, ao falar da empresa que bancou o atual trabalho), Estado de poesia é show feito na pressão, partindo dos arranjos do disco, mas com pegada ainda mais forte. Não é à toa que a luz do show remete à iluminação frenética dos shows de rock'n'roll em músicas como Guru (Chico César, 2015). Número que abriu o roteiro, o xote Caninana (Chico César, 2015) virou xote'n'roll no palco do Theatro Net Rio. A swingueira e a pressão desta parte inicial do show turbinaram o reggae A palavra mágica (Chico César, 2015) e o samba-rock Atravessa-me (Chico César, 2015), que ecoou tanto o balanço de Jorge Ben Jor que a citação de Zazueira (Jorge Ben Jor, 1968) soou perfeitamente natural. Alternando-se entre as guitarras e os violões eletroacústicos, Chico César tem a seu favor, no show e no disco Estado de poesia, afiada banda formada pelo percussionista Escurinho, o baterista Gledson Meira, tecladista Helinho Medeiros e o baixista Xisto Medeiros. Baiana radicada na Paraíba, a sanfoneira Lívia Matos completou a banda na estreia carioca do show em 24 de novembro de 2015. Em estado de graça, Chico César dialogou espirituosamente com a plateia - sem prejudicar o timing do show - e mostrou músicas que conciliam amor e política.

Mauro Ferreira disse...

Inspirada pela canção sentimental popular, Da taça (Chico César, 2015) sorveu toques de bolero e arrocha, preparando o clima romântico para a melancólica canção Onde estará o meu amor? (Chico César, 1996), propagada na voz de Maria Bethânia e revivida por Chico César no show com sedutora citação de Diana (Paul Anka, 1957, em versão em português de Fred Jorge, 1958). Dentro deste estilo popular romântico, a música-título Estado de poesia (Chico César) - lançada por Bethânia no show Carta de amor (2012 / 2013) - se confirmou no show como uma das pérolas mais reluzentes de um disco apaixonado. A abordagem de Estado de poesia por Chico rivalizou com a da cantora em beleza, mas teve mais energia e um arranjo vintage que fez sobressair o toque dos teclados de Helinho Medeiros com som que remeteu aos órgãos de vários hits da Jovem Guarda. Tema suculento, Caracajus (Chico César, 2015) destilou poesia em estado puro em número que ganhou peso progressivo no show. Já Museu (Chico César, 2015) foi o único instante em que o show sofreu queda de energia e sedução. Na sequência, Chico exalou vivacidade rítmica à moda de Moraes Moreira na nordestina Quero viver (2015) - parceria póstuma com o poeta tropicalista Torquato Neto (1944 - 1972) que ganhou sagaz citação de Besta é tu (Moraes Moreira, Pepeu Gomes e Luiz Galvão, 1972), hit do grupo Novos Baianos - e acertou o passo do frevo Alberto (Chico César, 2015), cuja letra tira o aviador mineiro Santos Dumont (1873 - 1932) do armário. Entre um número e outro, Chico convocou o percussionista Escurinho para a frente do palco para bisarem no palco o dueto que fazem no disco no samba No Sumaré (Chico César, 2015), composto nos moldes dos sambas do compositor paulistano Adoniran Barbosa (1910 - 1982). No bis, Chico disparou os disparates da política agropecuária do Brasil na verborrágica Reis do agronegócio (Chico César e Carlos Rennó, 2015) como se fosse um Bob Dylan encarnado em cantador do sertão nordestino. No segundo bis, iniciado com a sempre pedida Mama África (Chico César, 2015), o cantador aguçou o discurso político de Estado de poesia ao dar voz ao luminoso samba-reggae Brilho de beleza (Nego Tenga, 1988) e ao hino engajador de seu conterrâneo Geraldo Vandré, Pra não dizer que não falei das flores (1968). Caminhando, cantando e compondo com a mesma força de 20 anos atrás, Chico César soa apaixonante no show Estado de poesia, dando recado aos vivos.

Wagner Hardman Lima disse...

Mauro, Elba continua atenta. Menos que Bethânia, mas nunca deixou de geava-lo. No mais recente não só tem composição dele como a participação no dueto. Desde o surgimento Elba já gravou ou inseriu nos shows.várias canções de Chico como 'Mama Africa', 'A prosa impurpura do Caicó' (no Grande Encontro), 'Paraíba meu amor' no Solar e etc.

Anônimo disse...

Wagner, pensei a mesma coisa. A Elba sempre prestigiou a obra do Chico César, inclusive gravou com ele uma música no seu mais recente trabalho. A Bethânia como sempre atenta tb, mas não só ela. Por falar nas duas, achei que o Mauro fosse comentar sobre o show que fizeram juntas dia 23 de novembro....

Mauro Ferreira disse...

Wagner e Celo, refleti e vi que vocês têm razão. Afinal, Elba tem gravado bastante Chico, embora a produção inédita do compositor esteja sendo revelada mais por Bethânia quando Chico fica sem gravar disco. Abs, grato pelos comentários, Mauro Ferreira

maroca disse...

Augusto Flávio (Petrolina-Pe/Juazeiro-Ba)

"Estado de poesia" com Chico César tá bem melhor.

Henrique disse...

Grande Chico César!
(Observação: Mauro, Mama Africa não é de 2015...)

Mauro Ferreira disse...

Claro, Henrique. Grato pelo toque. Abs, MauroF

Marcos Rizzo disse...

Considero Chico César o melhor compositor surgido nos últimos vinte anos. Um craque!