Mauro Ferreira no G1

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sábado, 7 de novembro de 2015

Bill trafica informação atual para reportar guerra urbana em 'Contemporâneo'

Resenha de álbum
Título: Contemporâneo
Artista: MV Bill
Gravadora: Edição independente do artista
Cotação: * * * *

 Alex Pereira Barbosa, vulgo MV Bill, ainda continua traficando informação para reportar a guerra cotidiana da selva das cidades. Em Contemporâneo, álbum lançado ontem nas plataformas digitais, o rapper carioca recicla a lírica de seus versos bem rimados com impressionante atualidade. O primeiro som ouvido no disco é o ronco de um motor de um carro, no momento em que foi dada a partida no veículo. À medida em que a faixa avança, o ouvinte sabe que se trata de uma viatura policial. Atualíssimo, o assunto de Incursão policial está diariamente nos telejornais. Egresso da Cidade de Deus, uma das favelas mais violentas do Rio de Janeiro (RJ), Bill narra em letra de tom cinematográfico uma batida policial em comunidade que acaba com a morte de criança inocente e ônibus incendiados pela população da comunidade, como forma de protesto. Disco conduzido por beats tensos e graves que conectam Bill ao trap (subgênero do rap), Contemporâneo versa sobre a fervura de chapa que está cada vez mais quente. Mas o discurso não é linear e procura expor várias visões de um universo em desencanto. Em Cê é louco, Bill narra, na primeira pessoa, a saga de traficante que fornece cocaína para viciados da elite do asfalto. Em Egresso, o foco é pela ótica de um presidiário reincidente que tenta sobreviver no inferno da prisões. Já Guerra de facção trafica informação para falar da sangrenta luta entre bandidos pelo poder dentro de favela. Nesta guerra difícil de ser pacificada, jovens são aliciados diariamente. Rap aditivado com o discurso da rapper carioca Kmilla CDD, Menino do tráfico trata da sina desses jovens pretos de tão pobres, tratados com indiferença pela sociedade. "Jovem continua preto / Vítima do gueto", rebobina Bill no refrão. Com seis músicas inéditas em nove faixas, Contemporâneo revitaliza músicas antigas do artista como Só Deus pode me julgar (MV Bill, 2002) - ouvida no Contemporâneo mix - e Mulheres... (MV Bill, 2010), repaginada no Maria da Penha mix. Enfim, Contemporâneo pode até soar déjà vu na discografia de MV Bill, apesar da renovação de beats. Afinal, o discurso contundente do rapper gravita em torno do mesmo universo de seu primeiro álbum, Traficando informação (BMG, 1999). Mas o fato é que o bagulho continua doido - e Bill nada mais faz do que bater numa tecla que precisa ser batida até que a guerra acabe ou, pelo menos, a sociedade se torne mais justa. Como diz versos de Brado retumbante (MV Bill, 2014), música egressa do EP Vitória pra quem acordou agora e vida longa pra quem nunca dormiu (Independente, 2014), o grito é coletivo. MV Bill dá voz a esse grito cheio de raiva, parado num ar cada vez mais pesado. O tiroteio ouvido em Primo matando irmão - a faixa-vinheta de 50 segundos que encerra Contemporâneo - é um som que pode incomodar quem quer ignorar a guerra social travada cotidianamente nas favelas e no asfalto. Mas é um som real. E a realidade, nua e crua, continua sendo a matéria-prima que alimenta o coerente rap de MV Bill, cuja lírica contemporânea soa cada vez mais presente no noticiário do dia.

Um comentário:

Mauro Ferreira disse...

♪ Alex Pereira Barbosa, vulgo MV Bill, ainda continua traficando informação para reportar a guerra cotidiana da selva das cidades. Em Contemporâneo, álbum lançado ontem nas plataformas digitais, o rapper carioca recicla a lírica de seus versos bem rimados com impressionante atualidade. O primeiro som ouvido no disco é o ronco de um motor de um carro, no momento em que foi dada a partida no veículo. À medida em que a faixa avança, o ouvinte sabe que se trata de uma viatura policial. Atualíssimo, o assunto de Incursão policial está diariamente nos telejornais. Egresso da Cidade de Deus, uma das favelas mais violentas do Rio de Janeiro (RJ), Bill narra em letra de tom cinematográfico uma batida policial em comunidade que acaba com a morte de criança inocente e ônibus incendiados pela população da comunidade, como forma de protesto. Disco conduzido por beats tensos e graves que conectam Bill ao trap (subgênero do rap), Contemporâneo versa sobre a fervura de chapa que está cada vez mais quente. Mas o discurso não é linear e procura expor várias visões de um universo em desencanto. Em Cê é louco, Bill narra, na primeira pessoa, a saga de traficante que fornece cocaína para viciados da elite do asfalto. Em Egresso, o foco é pela ótica de um presidiário reincidente que tenta sobreviver no inferno da prisões. Já Guerra de facção trafica informação para falar da sangrenta luta entre bandidos pelo poder dentro de favela. Nesta guerra difícil de ser pacificada, jovens são aliciados diariamente. Rap aditivado com o discurso da rapper carioca Kmilla CDD, Menino do tráfico trata da sina desses jovens pretos de tão pobres, tratados com indiferença pela sociedade. "Jovem continua preto / Vítima do gueto", rebobina Bill no refrão. Com seis músicas inéditas em nove faixas, Contemporâneo revitaliza músicas antigas do artista como Só Deus pode me julgar (MV Bill, 2002) - ouvida no Contemporâneo mix - e Mulheres... (MV Bill, 2010), repaginada no Maria da Penha mix. Enfim, Contemporâneo pode até soar déjà vu na discografia de MV Bill, apesar da renovação de beats. Afinal, o discurso contundente do rapper gravita em torno do mesmo universo de seu primeiro álbum, Traficando informação (BMG, 1999). Mas o fato é que o bagulho continua doido - e Bill nada mais faz do que bater numa tecla que precisa ser batida até que a guerra acabe ou, pelo menos, a sociedade se torne mais justa. Como diz versos de Brado retumbante (MV Bill, 2014), música egressa do EP Vitória pra quem acordou agora e vida longa pra quem nunca dormiu (Independente, 2014), o grito é coletivo. MV Bill dá voz a esse grito cheio de raiva, parado num ar cada vez mais pesado. O tiroteio ouvido em Primo matando irmão - a faixa-vinheta de 50 segundos que encerra Contemporâneo - é um som que pode incomodar quem quer ignorar a guerra social travada cotidianamente nas favelas e no asfalto. Mas é um som real. E a realidade, nua e crua, continua sendo a matéria-prima que alimenta o coerente rap de MV Bill, cuja lírica contemporânea soa cada vez mais presente no noticiário do dia.