Mauro Ferreira no G1

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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Mautner e Gil fazem políticos gestos de amor em inédito registro de 1987

Resenha de CD
Título: O poeta e o esfomeado
Artista: Jorge Mautner & Gilberto Gil
Gravadora: Discobertas
Cotação: * * * * 
 Disco por enquanto disponível somente na caixa Jorge Mautner Anos 80 - Zona fantasma

"O meu gesto político, figa / Este é meu gesto, meu gesto de amor / Ele não faz parte de nenhuma doutrina / Ele não pertence a nenhum senhor". Os versos do Hino da Figa (Gilberto Gil) dão pista certa do espírito humanitário do show que uniu o cantor, compositor e músico carioca Jorge Mautner com o cantor, compositor e músico baiano Gilberto Gil em 1987. Composto por Gil para o show e para ser espécie de manifesto musical do Figa Brasil, movimento de cunho filosófico e político arquitetado por Mautner e Gil naquele ano de 1987, o Hino da Figa ganha seu primeiro registro fonográfico em O poeta e o esfomeado, inédito CD incluído na caixa Jorge Mautner Anos 80 - Zona fantasma, lançada pelo selo Discobertas neste mês de fevereiro de 2015. Ao lado do percussionista Reppolho, Mautner (com seu violino) e Gil (com seu violão pleno de musicalidade) fazem e trocam políticos gestos de amor com o público nesta inédita gravação ao vivo captada em 13 de março de 1987 em apresentação do show no Palácio das Convenções Anhembi, em São Paulo (SP). O poeta e o esfomeado foi um show que usou a música para fazer política. O que justifica os discursos de Mautner e as inclusões no roteiro de músicas como Você me chamou de nego (Gasolina) - samba cheio de orgulho negro que levantou a voz contra o preconceito racial - e a Oração pela libertação da África do Sul (1985), pioneiro libelo musical brasileiro contra o Apartheid em voga naqueles anos 1980. Contudo, O poeta e o esfomeado transcende seus propósitos originais na perspectiva do tempo - até porque o movimento Figa Brasil foi abortado em 1988 com a eleição de Gil para cargo de vereador em Salvador (BA) - e resiste neste inédito disco ao vivo como o afinado encontro entre duas almas musicais afins. Tal afinidade veio a público em escala nacional quando Gil deu voz ao Maracatu atômico - o maior sucesso da parceria de Mautner com seu parceiro Nelson Jacobina (1935 - 2012) - em gravação editada em compacto simples de 1973. Maracatu atômico, claro, figurava no roteiro desse show que ampliou a parceria de Gil e Mautner nos palcos após recital feito por Gil em 1986, com intervenções literárias de Mautner, no projeto Luz do Solo - como bem lembra o jornalista mineiro Renato Vieira em texto escrito para o encarte deste disco de qualidade técnica satisfatória e de alto valor documental. Em O poeta e o esfomeado, CD por ora disponível somente na caixa que reedita os três álbuns lançados por Mautner ao longo dos anos 1980, Gil e Mautner mostram toda a delicadeza oriental que há na sua parceria O rouxinol (1975), caem no samba carioca de outrora - com Mautner dando voz no roteiro a Teu olhar, título pouco ouvido do cancioneiro do pioneiro compositor carioca Ismael Silva (1905 - 1978) - e abrilhantam os tons de Cores vivas (Gilberto Gil, 1981), música alocada ao lado da marchinha A.E.I.O.U. (Noel Rosa e Lamartine Babo, 1931) no único medley do roteiro. Noel Rosa (1910 - 1937), aliás, figura duplamente no disco, já que O poeta e o esfomeado abre com Positivismo (1933), samba assinado pelo Poeta da Vila com Orestes Barbosa (1893-1966) e cantado por Mautner. Zen, Gil louva um sertão romantizado em Casinha feliz, canção que lançara dois anos antes em Dia dorim noite neon (Warner Music, 1985), um dos melhores álbuns da fase pop de sua discografia. Há harmonia na união dos artistas. Com fome insaciável de música, sem mágoas, desprezos e temores, os poetas cantam a vida e a liberdade, trocando gestos de amor e transmutando a dor em alegria, como forma de fazer política.

3 comentários:

Mauro Ferreira disse...

♪ "O meu gesto político, figa / Este é meu gesto, meu gesto de amor / Ele não faz parte de nenhuma doutrina / Ele não pertence a nenhum senhor". Os versos do Hino da Figa (Gilberto Gil) dão pista certa do espírito humanitário do show que uniu o cantor, compositor e músico carioca Jorge Mautner com o cantor, compositor e músico baiano Gilberto Gil em 1987. Composto por Gil para o show e para ser espécie de manifesto musical do Figa Brasil, movimento de cunho filosófico e político criado por Mautner e Gil naquele ano de 1987, o Hino da Figa ganha seu primeiro registro fonográfico em O poeta e o esfomeado, inédito CD incluído na caixa Jorge Mautner Anos 80 - Zona fantasma, lançada pelo selo Discobertas neste mês de fevereiro de 2015. Ao lado do percussionista Reppolho, Mautner (com seu violino) e Gil (com seu violão pleno de musicalidade) fazem e trocam políticos gestos de amor com o público nesta inédita gravação ao vivo captada em 13 de março de 1987 em apresentação do show no Palácio das Convenções Anhembi, em São Paulo (SP). O poeta e o esfomeado foi um show que usou a música para fazer política. O que justifica os discursos de Mautner e as inclusões no roteiro de músicas como Você me chamou de nego (Gasolina) - samba cheio de orgulho negro que levantou a voz contra o preconceito racial - e a Oração pela libertação da África do Sul (1985), pioneiro libelo musical brasileiro contra o Apartheid em voga naqueles anos 1980. Contudo, O poeta e o esfomeado transcende seus propósitos originais na perspectiva do tempo - até porque o movimento Figa Brasil foi abortado em 1998 com a eleição de Gil para cargo de vereador em Salvador (BA) - e resiste neste inédito disco ao vivo como o afinado encontro entre duas almas musicais afins. Tal afinidade veio a público em escala nacional quando Gil deu voz ao Maracatu atômico - o maior sucesso da parceria de Mautner com seu parceiro Nelson Jacobina (1935 - 2012) - em gravação editada em compacto simples de 1973. Maracatu atômico, claro, figurava no roteiro desse show que ampliou a parceria de Gil e Mautner nos palcos após recital feito por Gil em 1986, com intervenções literárias de Mautner, no projeto Luz do Solo - como bem lembra o jornalista mineiro Renato Vieira em texto escrito para o encarte deste disco de qualidade técnica satisfatória e de alto valor documental. Em O poeta e o esfomeado, CD por ora disponível somente na caixa que reedita os três álbuns lançados por Mautner ao longo dos anos 1980, Gil e Mautner mostram toda a delicadeza oriental que há na sua parceria O rouxinol (1975), caem no samba carioca de outrora - com Mautner dando voz no roteiro a Teu olhar, título pouco ouvido do cancioneiro do pioneiro compositor carioca Ismael Silva (1905 - 1978) - e abrilhantam os tons de Cores vivas (Gilberto Gil, 1981), música alocada ao lado da marchinha A.E.I.O.U. (Noel Rosa e Lamartine Babo, 1931) no único medley do roteiro. Noel Rosa (1910 - 1937), aliás, figura duplamente no disco, já que O poeta e o esfomeado abre com Positivismo (1933), samba assinado pelo Poeta da Vila com Orestes Barbosa (1893-1966) e cantado por Mautner. Zen, Gil louva um sertão romantizado em Casinha feliz, canção que lançara dois anos antes em Dia dorim noite neon (Warner Music, 1985), um dos melhores álbuns da fase pop de sua discografia. Há harmonia na união dos artistas. Com fome insaciável de música, sem mágoas, desprezos e temores, os poetas cantam a vida e a liberdade, trocando gestos de amor e transmutando a dor em alegria, como forma de fazer política.

Lemos disse...

Ótimo lançamento!

Uma dúvida: não foi em 1988 que Gil se candidatou a vereador? No texto, está que a candidatura foi em 1998.

Mauro Ferreira disse...

sim, Lemos, foi em 1988. Errei ao digitar. Abs, obrigado, MauroF