Mauro Ferreira no G1

Aviso aos navegantes: desde 6 de julho de 2016, o jornalista Mauro Ferreira atualiza diariamente uma coluna sobre o mercado fonográfico brasileiro no portal G1. Clique aqui para acessar a coluna. O endereço é http://g1.globo.com/musica/blog/mauro-ferreira/


terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Livro para quem quer entender o enredo do samba e do Carnaval carioca

Resenha de livro
Título: O enredo do meu samba - A história de quinze sambas-enredo imortais
Autor: Marcelo de Mello
Editora: Record
Cotação: * * * *

Há sempre muitos enredos por trás da vitória de cada samba ou escola nos desfiles do Carnaval carioca. Jornalista carioca que se especializou no tema, a ponto de integrar desde 1993 o júri do Estandarte de Ouro (prêmio do jornal carioca O Globo), Marcelo de Mello faz o leitor entender os enredos dos 15 sambas que disseca no livro O enredo do meu samba. Ao recontar a história de 15 sambas-enredo que considera marcantes, em seleção que vai de 1964 a 1993 e que também levou em conta o gosto pessoal do autor (como Mello esclarece no texto em que apresenta o livro), o jornalista descortina bastidores saborosos do mundo do samba carnavalesco, sobretudo para quem não é frequentador de barracões e / ou das comunidades que alavancam as agremiações. Com texto exemplar, Mello historia a gênese de cada samba, joga luz sobre o destino de seus compositores - com informações atuais sobre nomes habitualmente esquecidos pela mídia fora dos períodos carnavalescos - e desvenda os enredos em torno dos caminhos percorridos por esse samba até chegar à avenida. São recorrentes as histórias de rivalidades nas disputas dos sambas. No capítulo dedicado a Os sertões, imortal samba com que a escola Em Cima da Hora desfilou no Carnaval de 1976, Mello mostra a saga de seu compositor Edeor de Paula para emplacar seu samba e driblar o favoritismo de seu concorrente Baianinho. Com o senso crítico que pauta a narrativa de todos os 15 capítulos, o autor também questiona o fato de o samba ter perdido pontos nas duas vezes em que foi julgado na avenida (a Em Cima da Hora reeditou Os sertões no Carnaval de 2014). Melo mostra, a propósito, que nem sempre a avaliação racional dos jurados faz justiça aos sambas. Já no primeiro capítulo, dedicado ao clássico Aquarela brasileira, samba-enredo com o qual o Império Serrano desfilou em 1964, o autor alfineta com razão os jurados que tiraram pontos do samba genial do compositor carioca Silas de Oliveira (1916 - 1972). Ao longo das 308 páginas do livro, o jornalista ressalta que a afinidade entre compositores e carnavalescos é geralmente decisiva para o bom resultado de um desfile. Tese corroborada no capítulo dedicado ao samba com que a Portela entrou na avenida em 1981 disposta a acompanhar a evolução dos desfiles, revolucionados no Carnaval de 1974 com  início da era luxuosa de Joãosinho Trinta (1933 - 2011), de início no Salgueiro e, a partir do Carnaval de 1976, na Beija-flor de Nilópolis. Das maravilhas do mar, fez-se o esplendor de uma noite, lírico samba-enredo de David Corrêa e Jorge Macedo, se ajustou com perfeição ao tom das alegorias e fantasias criadas pelo carnavalesco da Portela na época, o carioca Viriato Ferreira (1930 - 1992), sem se importar com descrições explícitas do enredo. A Portela desfilou mal e perdeu a chance de ser bicampeã. Mas o samba ficou na memória, assim como a importância da cumplicidade entre carnavalesco e compositores. Até a diretoria da escola tem que entrar no tom. Tanto que uma das histórias mais saborosas do livro, para quem não é do meio carnavalesco, é relatada no capítulo dedicado ao samba Festa profana, escolhido pela escola União da Ilha do Governador para o Carnaval de 1989. Atualmente o médico e compositor José Franco Lattari, morto em 2007, já consta oficialmente como parceiro de Jorge Luis Resende de Brito e José Carlos da Silva Martins (o Bujão) na criação do samba entronizado na memória nacional sobretudo pelo irresistível refrão que fala em porre de felicidade. Na  época, no entanto, o nome de Franco teve que ser omitido se não o samba dançava por conta de problemas do compositor com a diretoria da escola. No livro, a chapa é quente, mas jamais fica branca. Marcelo de Mello não deixa de mencionar mágoas entre antigos parceiros, como o ressentimento de Hélio Turco com Alvinho, seu parceiro (juntamente com Jurandir) na criação do samba-enredo E deu a louca no barroco, eleito pela Mangueira para o Carnaval de 1990. A mágoa - resultante do fato de Alvinho, então na comissão julgadora, ter rejeitado um samba de Turco para o Carnaval de 2014 - é resistente, mas não empana o brilho do samba que abordou com poesia os devaneios da mineira Olympia Angélica de Almeida Cotta (1889 - 1976), a Sinhá Olímpia, figura folclórica no imaginário coletivo das Geraes. Enfim, são muitos os enredos ao longo de quase 90 anos de desfiles de escolas de samba no Carnaval da cidade do Rio de Janeiro. Marcelo de Mello desvenda apenas alguns no seu livro, mas, a partir das deliciosas histórias desses 15 sambas-enredos, o leitor tem clara ideia de como funciona e evolui o Carnaval carioca.

2 comentários:

Mauro Ferreira disse...

♪ Há sempre muitos enredos por trás da vitória de cada samba ou escola nos desfiles do Carnaval carioca. Jornalista carioca que se especializou no tema, a ponto de integrar desde 1993 o júri do Estandarte de Ouro (prêmio do jornal carioca O Globo), Marcelo de Melo faz o leitor entender os enredos dos 15 sambas que disseca no livro O enredo do meu samba. Ao recontar a história de 15 sambas-enredo que considera marcantes, em seleção que vai de 1964 a 1993 e que também levou em conta o gosto pessoal do autor (como Mello esclarece no texto em que apresenta o livro), o jornalista descortina bastidores saborosos do mundo do samba carnavalesco, sobretudo para quem não é frequentador de barracões e / ou das comunidades que alavancam as agremiações. Com texto exemplar, Mello historia a gênese de cada samba, joga luz sobre o destino de seus compositores - com informações atuais sobre nomes habitualmente esquecidos pela mídia fora dos períodos carnavalescos - e desvenda os enredos em torno dos caminhos percorridos por esse samba até chegar à avenida. São recorrentes as histórias de rivalidades nas disputas dos sambas. No capítulo dedicado a Os sertões, imortal samba com que a escola Em Cima da Hora desfilou no Carnaval de 1976, Mello mostra a saga de seu compositor Edeor de Paula para emplacar seu samba e driblar o favoritismo de seu concorrente Baianinho. Com o senso crítico que pauta a narrativa de todos os 15 capítulos, o autor também questiona o fato de o samba ter perdido pontos nas duas vezes em que foi julgado na avenida (a Em Cima da Hora reeditou Os sertões no Carnaval de 2014). Melo mostra, a propósito, que nem sempre a avaliação racional dos jurados faz justiça aos sambas. Já no primeiro capítulo, dedicado ao clássico Aquarela brasileira, samba-enredo com o qual o Império Serrano desfilou em 1964, o autor alfineta com razão os jurados que tiraram pontos do samba genial do compositor carioca Silas de Oliveira (1916 - 1972). Ao longo das 308 páginas do livro, o jornalista ressalta que a afinidade entre compositores e carnavalescos é geralmente decisiva para o bom resultado de um desfile. Tese corroborada no capítulo dedicado ao samba com que a Portela entrou na avenida em 1981 disposta a acompanhar a evolução dos desfiles, revolucionados no Carnaval de 1974 com início da era luxuosa de Joãosinho Trinta (1933 - 2011), de início no Salgueiro e, a partir do Carnaval de 1976, na Beija-flor de Nilópolis. Das maravilhas do mar, fez-se o esplendor de uma noite, lírico samba-enredo de David Corrêa e Jorge Macedo, se ajustou com perfeição ao tom das alegorias e fantasias criadas pelo carnavalesco da Portela na época, o carioca Viriato Ferreira (1930 - 1992), sem se importar com descrições explícitas do enredo. A Portela desfilou mal e perdeu a chance de ser bicampeã. Mas o samba ficou na memória, assim como a importância da cumplicidade entre carnavalesco e compositores. Até a diretoria da escola tem que entrar no tom. Tanto que uma das histórias mais saborosas do livro, para quem não é do meio carnavalesco, é relatada no capítulo dedicado ao samba Festa profana, escolhido pela escola União da Ilha do Governador para o Carnaval de 1989. Atualmente o médico e compositor José Franco Lattari, morto em 2007, já consta oficialmente como parceiro de Jorge Luis Resende de Brito e José Carlos da Silva Martins (o Bujão) na criação do samba entronizado na memória nacional sobretudo pelo irresistível refrão que fala em porre de felicidade. Na época, no entanto, o nome de Franco teve que ser omitido se não o samba dançava por conta de problemas do compositor com a diretoria da escola.

Mauro Ferreira disse...

No livro, a chapa é quente, mas jamais fica branca. Marcelo de Mello não deixa de mencionar mágoas entre antigos parceiros, como o ressentimento de Hélio Turco com Alvinho, seu parceiro (juntamente com Jurandir) na criação do samba-enredo E deu a louca no barroco, eleito pela Mangueira para o Carnaval de 1990. A mágoa - resultante do fato de Alvinho, então na comissão julgadora, ter rejeitado um samba de Turco para o Carnaval de 2014 - é resistente, mas não empana o brilho do samba que abordou com poesia os devaneios da mineira Olympia Angélica de Almeida Cotta (1889 - 1976), a Sinhá Olímpia, figura folclórica no imaginário coletivo das Geraes. Enfim, são muitos os enredos ao longo de quase 90 anos de desfiles de escolas de samba no Carnaval da cidade do Rio de Janeiro. Marcelo de Mello desvenda apenas alguns no seu livro, mas, a partir das deliciosas histórias desses 15 sambas-enredos, o leitor tem clara ideia de como funciona e evolui o Carnaval carioca.