Mauro Ferreira no G1

Aviso aos navegantes: desde 6 de julho de 2016, o jornalista Mauro Ferreira atualiza diariamente uma coluna sobre o mercado fonográfico brasileiro no portal G1. Clique aqui para acessar a coluna. O endereço é http://g1.globo.com/musica/blog/mauro-ferreira/


segunda-feira, 9 de maio de 2016

Bendita lâmina grave, voz de Alcione vibra ao cantar febre louca dos boleros

Resenha de show
Título: Alcione boleros
Artista: Alcione (em foto de Rodrigo Goffredo)
Local: Metropolitan (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 7 de maio de 2016
Cotação: * * * *

Apresentada ao mercado fonográfico em 1975 como a voz do samba, título aliás do consagrador primeiro álbum, Alcione logo deixou aflorar em discos posteriores a veia romântica que já pulsara quando exercia o ofício de crooner em boates do Rio de Janeiro (RJ), cidade que abrigara em 1968 a cantora vinda da cidade natal de São Luís, no Maranhão. Diplomada na noite carioca, a volumosa e rara voz de contralto desde então derrama emoções reais sem medo dos exageros, dos excessos e da aura kitsch que a envolve. Alcione boleros - show que a Marrom dedica ao gênero cubano e que teve estreia nacional na noite de sábado, 6 de maio de 2016, em apresentação que encheu a casa carioca Metropolitan -  se alimenta dos excessos da paixão. O (des)amor é a matéria-prima das 18 músicas do roteiro costurado por quatro inserções do inédito poema As quatro estações, escrito e recitado (em off) pela artista capixaba Elisa Lucinda. A direção musical do tecladista da Banda do Sol Alexandre Menezes - criador dos arranjos em função dividida com Jota Moraes e Zé Américo Bastos - segue o mote dado pelo título do show, Alcione boleros, e uniformiza canções, sambas-canção e, claro, boleros, na levada clássica do ritmo enraizado no cancioneiro dos países latinos. Somente o hino humanista Gracias a la vida (Violeta Parra, 1966) - com o qual Alcione abre (com trecho a capella) e fecha o show - escapa da batida-padrão do bolero que dá o tom clássico do espetáculo que vai ser gravado ao vivo, em junho, para gerar CD e DVD ainda neste ano de 2016. Enquadrado dentro dos padrões estéticos dos shows da Marrom, todos dirigidos pela irmã empresária Solange Nazareth, Alcione boleros sobressai como um dos espetáculos mais bem amarrados da trajetória da cantora nos palcos. A uniformidade dos arranjos é contrabalançada pelas nuances do canto expressivo da intérprete. Alcione sabe expor as dores de amores expiadas e entranhadas nos versos de boleros como Recusa (Herivelto Martins, 1952), sucesso na voz de Angela Maria, outra cantora que se afina com o tom folhetinesco das pérolas do gênero. Não por acaso, Alcione recorre a outro tema do repertório da Sapoti, o samba-canção Abandono (Nazareno de Brito e Presyla de Barros, 1955), instante luminoso da estreia nacional do show. Sim, bolero e samba-canção - gêneros que se aproximam pela temática geralmente melodramática das letras - se irmanam no show da Marrom. No espetáculo, há boleros verdadeiros - e o venezuelano Escríbeme (Guillermo Castillo Bustamante, 1958) sobressai no roteiro ao ser cantado com os originais versos em espanhol, mostrando o domínio de Alcione sobre o idioma preferencial do gênero - e há sambas-canção abolerados pelos arranjos. Risque (Ary Barroso, 1952) e Segredo (Herivelto Martins e Marino Pinto, 1947) se enquadram no segundo caso. Diante de tantos clássicos (o repertório é dos melhores dentre todos os cantados por Alcione em shows), os dois boleros inéditos, Amor amigo (Roberta Miranda) e Quem dera (Julio Alves), soam fracos no confronto com standards nacionais como Que queres tu de mim? (Jair Amorim e Evaldo Gouveia, 1964), sucesso de Altemar Dutra (1940 - 1983), cantor identificado com as tramas folhetinescas do gênero. Alcione entende do assunto. Tanto que pescou pérola esquecida no baú da cantora potiguar Núbia Lafayette (1937 - 2007), Eu te amo (Irany de Oliveira, 1961). E, por mais ou menos nobre que seja a cepa da composição, as 18 músicas do roteiro soam naturais na voz ainda em boa forma da Marrom. A cantora dá show tanto na suplicante Apelo (Baden Powell e Vinicius de Moraes, 1966) quanto na resignada Quase (Mirabeau e Jorge Gonçalves, 1954). Contudo, há excessos a serem podados na gravação ao vivo do show. Os vocais de Besame (Flávio Venturini e Murilo Antunes, 1988) podem ser limados. Quando eles entram, empanam o brilho de interpretação que já se desenhava antológica. A convidada Sylvia Nazareth - sobrinha da cantora e filha da diretora do show, Solange Nazareth - precisa também baixar o tom de À sombra do teu sorriso (Luis Bittencourt, 1966) para encontrar a maciez inerente à canção norte-americana The shadow of your smile (Johnny Mandel e Paul Francis Webster, 1965) cantada por Alcione em inglês no dueto bilíngue feito com Sylvia. No todo, Alcione boleros proporciona o prazer de ouvir Alcione dando voz a uma bela canção como Pra você (Silvio César, 1965) e a um bolero da lavra de Fátima Guedes como Desacostumei de carinho (1981). Recorrentes nos arranjos, os metais da big-band do Sol - são 11 músicos em cena, além de duas vocalistas - se fazem ouvir no mar fundo de Corsário (João Bosco e Aldir Blanc, 1975), surpresa do repertório. O coração tropical de Alcione ferve mesmo quando mergulha em outras praias. Nem tudo é bolero, mas a voz, bendita lâmina grave, vibra em tudo, cantando as febres loucas do amor.

12 comentários:

Mauro Ferreira disse...

♪ Apresentada ao mercado fonográfico em 1975 como a voz do samba, título aliás do consagrador primeiro álbum, Alcione logo deixou aflorar em discos posteriores a veia romântica que já pulsara quando exercia o ofício de crooner em boates do Rio de Janeiro (RJ), cidade que abrigara em 1968 a cantora vinda da cidade natal de São Luís, no Maranhão. Diplomada na noite carioca, a volumosa e rara voz de contralto desde então derrama emoções reais sem medo dos exageros, dos excessos e da aura kitsch que a envolve. Alcione boleros - show que a Marrom dedica ao gênero cubano e que teve estreia nacional na noite de sábado, 6 de maio de 2016, em apresentação que encheu a casa carioca Metropolitan - se alimenta dos excessos da paixão. O (des)amor é a matéria-prima das 18 músicas do roteiro costurado por quatro inserções do inédito poema As quatro estações, escrito e recitado (em off) pela artista capixaba Elisa Lucinda. A direção musical do tecladista da Banda do Sol Alexandre Menezes - criador dos arranjos em função dividida com Jota Moraes e Zé Américo Bastos - segue o mote dado pelo título do show, Alcione boleros, e uniformiza canções, sambas-canção e, claro, boleros, na levada clássica do ritmo enraizado no cancioneiro dos países latinos. Somente o hino humanista Gracias a la vida (Violeta Parra, 1966) - com o qual Alcione abre (com trecho a capella) e fecha o show - escapa da batida-padrão do bolero que dá o tom clássico do espetáculo que vai ser gravado ao vivo, em junho, para gerar CD e DVD ainda neste ano de 2016. Enquadrado dentro dos padrões estéticos dos shows da Marrom, todos dirigidos pela irmã empresária Solange Nazareth, Alcione boleros sobressai como um dos espetáculos mais bem amarrados da trajetória da cantora nos palcos. A uniformidade dos arranjos é contrabalançada pelas nuances do canto expressivo da intérprete. Alcione sabe expor as dores de amores expiadas e entranhadas nos versos de boleros como Recusa (Herivelto Martins, 1952), sucesso na voz de Angela Maria, outra cantora que se afina com o tom folhetinesco das pérolas do gênero. Não por acaso, Alcione recorre a outro tema do repertório da Sapoti, o samba-canção Abandono (Nazareno de Brito e Presyla de Barros, 1955), instante luminoso da estreia nacional do show. Sim, bolero e samba-canção - gêneros que se aproximam pela temática geralmente melodramática das letras - se irmanam no show da Marrom. No espetáculo, há boleros verdadeiros - e o venezuelano Escríbeme (Guillermo Castillo Bustamante, 1958) sobressai no roteiro ao ser cantado com os originais versos em espanhol, mostrando o domínio de Alcione sobre o idioma preferencial do gênero - e há sambas-canção abolerados pelos arranjos. Risque (Ary Barroso, 1952) e Segredo (Herivelto Martins e Marino Pinto, 1947) se enquadram no segundo caso. Diante de tantos clássicos (o repertório é dos melhores dentre todos os cantados por Alcione em shows), os dois boleros inéditos, Amor amigo (Roberta Miranda) e Quem dera (Julio Alves), soam fracos no confronto com standards nacionais como Que queres tu de mim? (Jair Amorim e Evaldo Gouveia, 1964), sucesso de Altemar Dutra (1940 - 1983), cantor identificado com as tramas folhetinescas do gênero.

Mauro Ferreira disse...

Alcione entende do assunto. Tanto que pescou pérola esquecida no baú da cantora potiguar Núbia Lafayette (1937 - 2007), Eu te amo (Irany de Oliveira, 1961). E, por mais ou menos nobre que seja a cepa da composição, as 18 músicas do roteiro soam naturais na voz ainda em boa forma da Marrom. A cantora dá show tanto na suplicante Apelo (Baden Powell e Vinicius de Moraes, 1966) quanto na resignada Quase (Mirabeau e Jorge Gonçalves, 1954). Contudo, há excessos a serem podados na gravação ao vivo do show. Os vocais de Besame (Flávio Venturini e Murilo Antunes, 1988) podem ser limados. Quando eles entram, empanam o brilho de interpretação que já se desenhava antológica. A convidada Sylvia Nazareth - sobrinha da cantora e filha da diretora do show, Solange Nazareth - precisa também baixar o tom de À sombra do teu sorriso (Luis Bittencourt, 1966) para encontrar a maciez inerente à canção norte-americana The shadow of your smile (Johnny Mandel e Paul Francis Webster, 1965) cantada por Alcione em inglês no dueto bilíngue feito com Sylvia. No todo, Alcione boleros proporciona o prazer de ouvir Alcione dando voz a uma bela canção como Pra você (Silvio César, 1965) e a um bolero da lavra de Fátima Guedes como Desacostumei de carinho (1981). Recorrentes nos arranjos, os metais da big-band do Sol - são 11 músicos em cena, além de duas vocalistas - se fazem ouvir no mar fundo de Corsário (João Bosco e Aldir Blanc, 1975), surpresa do repertório. O coração tropical de Alcione ferve mesmo quando mergulha em outras praias. Nem tudo é bolero, mas a voz, bendita lâmina grave, vibra em tudo, cantando as febres loucas do amor.

Marcelo Barbosa disse...

Nosso crítico querido pelo visto fez as pazes de vez. rsrs
O repertório é maravilhoso (apesar do Alabê do Brega), Alcione é das nossas maiores cantoras (sem dúvida!), apesar do repertório totalmente irregular.
Nesse não tinha como errar! Mas ri muito desse trecho "Diante de tantos clássicos (o repertório é dos melhores dentre todos os cantados por Alcione em shows)".
Aí é mole prever isso, meu caro crítico!!! Coisa não muito difícil! (risos)
Vou aguardar ansioso para me deliciar.

Roberto disse...

Me sorprende siempre cuando se fala de aura kitsch... Alcione demostró poder pasar de Vander Lee Mais um barco al jazz,ao melhor samba, del forró al bolero, de un romanticismo extremo nunca kitsch como en Vocé me vira a..., de la unión estupenda con Bethania... Nao entendo nada cuando se fala de brega o kitsch. Es injusto. Una de las más grandes voces del mundo, con un repertorio variado y coherente, y además popular, enormemente popular. Alcione es amada por Brasil. Viva a Marrom!!!

Dona Emengarda disse...

Alcione colocando as coisas em seus devidos lugares! Da-lhe Marrom!

Marcelo disse...

Pena que é ao vivo. É um repertório pra ser gravado em estúdio!!

Edinaldo Brito disse...

Excelente texto, Mauro. No campo da crítica musical, você é o nosso "negão de tirar o chapéu"!
Ansioso pra ver a Marrom.

Caetano disse...

Alcione grava muito, por isso o repertório é irregular, mas sempre dá pra tirar algumas músicas bacanas, gravou toda a geração do cacique de ramos, Chico, Tom, Vinícius, Gil, Caetano, Cartola, Nelson, João do Vale, Candeia, Djavan. O que ela não consegue é fazer um trabalho inteiro só com estes compositores, até porque não seria tão popular se o fizesse.

Unknown disse...

DURANTE O SHOW OFERECEU UMA CANÇÃO AOS MARRONZEIROS, GRUPO DE FÃS, MOSTRANDO MAIS UMA VEZ O SEU CARINHO E RESPEITO PELO SEU PUBLICO.

Luca disse...

Alcione tem tudo a ver com esse repertório.

Unknown disse...

DURANTE O SHOW OFERECEU UMA CANÇÃO AOS MARRONZEIROS, UM GRUPO DE FÃS, DEMONSTRANDO MAIS UMA VEZ O SEU CARINHO E RESPEITO PELO SEU PUBLICO.

Fabio de Sampa disse...

Para mim, a dona dos graves femininos mais bonitos da M.P.B. Definitivamente a voz de uma pessoa vitoriosa.