Mauro Ferreira no G1

Aviso aos navegantes: desde 6 de julho de 2016, o jornalista Mauro Ferreira atualiza diariamente uma coluna sobre o mercado fonográfico brasileiro no portal G1. Clique aqui para acessar a coluna. O endereço é http://g1.globo.com/musica/blog/mauro-ferreira/


quarta-feira, 18 de maio de 2016

Fernanda Abreu purga beleza e caos no impulso vital que move 'Amor geral'

Resenha de álbum
Título: Amor geral
Artista: Fernanda Abreu
Gravadora: Garota Sangue Bom
Cotação: * * * * 1/2

♪ Muito da beleza evidenciada em Amor geral - o primeiro álbum de Fernanda Abreu em uma década - nasceu do caos existencial vivido pela cantora e compositora carioca nos dez anos que separam o revisionista CD e DVD MTV ao vivo (Garota Sangue Bom / Universal Music, 2006) do disco de músicas inéditas que vai chegar ao mercado fonográfico na próxima sexta-feira, 20 de maio de 2016. Ao longo das dez músicas inéditas que compõem o repertório quase inteiramente autoral, Amor geral vê beleza no movimento irrefreável da vida, mas tal visão foi gerada pelo antídoto que diluiu a tristeza decorrente do fim do casamento de 28 anos de Abreu com o artista gráfico Luiz Stein e também do longo coma enfrentado pela mãe da artista, Vera Marina, por oito anos, antes de sair de cena em 2014. O purgatório do caos existencial é feito na beleza da canção Antídoto (Fernanda Abreu), criada em madrugada de inspiração instantânea. Escrita com base no calvário da mãe de Abreu, a letra de Antídoto busca a transcendência da dor pela beleza sentida no coração. A harpa chinesa tocada por Rodrigo Campello - produtor da faixa - traduz essa busca com toque etéreo que faz a canção subir ao céu na escalada imaginada nos poéticos versos do tema. Na canção O que ficou (Fernanda Abreu, Thiago Silva e Qinho), faixa produzida pela dupla T.R.U.E. (Qinho e Gui Marques) que sucede Antídoto na ordem do álbum, a jovial senhora sangue bom de 54 anos desce às profundezas do mundo afetivo para fazer o inventário emocional do casamento desfeito em letra escrita com raso nível poético, no único ponto baixo de Amor geral, álbum que volta a elevar a cota de Abreu no mercado da música após dois discos feitos em estúdio com menor teor progressista, Entidade urbana (EMI Music, 2000) e Na paz (Garota Sangue Bom / EMI Music, 2004). Ainda assim, O que ficou - canção meio letárgica que soa como (boa) lembrança parada no ar - está revestida da modernidade que pauta todo o álbum. Amor geral tem beats eventualmente desacelerados. Contudo, o veneno da lata está todo lá, sobretudo na batida funky de Tambor (Fernanda Abreu, Gabriel Moura, Jovi Joviniano e Afrika Bambaataa), ode ao batuque entranhado na gênese e na música do Brasil, do samba ao funk. Pai do electro-funk, aliás, o DJ e produtor norte-americano Afrika Bambaataa diz (breves) palavras de ordem na faixa produzida por Sérgio Santos, piloto também de Double louve (Amor em dose dupla), única música não assinada por Abreu no repertório de Amor geral. Compositores presentes desde o primeiro álbum solo da artista, Fausto Fawcett e Carlos Laufer são os autores deste libertário funk que exemplifica a habilidade de Amor geral na conciliação de sons orgânicos e sintéticos. No meio da cidade nua, nervosa, Abreu prega em Double love a liberdade sexual e afetiva, embora a Valsa do desejo (Fernanda Abreu e Tuto Ferraz) flagre a senhora sangue bom enredada nas cordas da paixão vivida com o parceiro Tuto Ferraz. Sem amarras estéticas, Amor geral dá revigorante passo à frente na discografia de Abreu, embora ouvintes mais atentos possam identificar na batida black-house de Deliciosamente (Fernanda Abreu, Alexandre Vaz e Jorge Ailton) - uma das grandes músicas do disco, formatada pelo produtor Liminha - uma evocação da mistura de disco music e dance music feita pela artista no primeiro álbum solo, Sla radical disco dance club (EMI-Odeon, 1990), disco pioneiro no Brasil no uso de samples. Da mesma forma, a já citada Double love ecoa a estética cinematográfica e musical do segundo álbum de Abreu, Sla 2 ~ Be sample (EMI-Odeon, 1992). Contudo, Amor geral flagra Fernanda Abreu nos dias de hoje. Mesmo quando a música não é especialmente inspirada, caso de Por quem (Fernanda Abreu e Qinho), a faixa - no caso, produzida por Tuto Ferraz - faz sentido no conjunto de obra que prega afeto amplo e irrestrito na discursiva música-título Amor geral (Fernanda Abreu, Pedro Bernardes e Fausto Fawcett), tema de batida contemporânea que reitera o fato de Abreu estar seguindo adiante sem se apegar às glórias do passado. Amor geral, o disco, se alimenta dos impulsos de vida que estimulam a batida do coração do mundo. "Tá tudo aí pra nós / Agora é só deixar rolar / A vida não espera / O tempo não vai parar / O amor é um jogo arriscado / Não quer saber se é certo ou errado", avisa Abreu nos versos de Saber chegar (Fernanda Abreu, Donatinho, Tibless e Play Pires), tema formatado pelo produtor Liminha com bela levada charme-house. Sim, "sempre haverá outra esquina", como já sinalizara Fernanda Abreu em verso da melhor música de Amor geral, Outro sim (Fernanda Abreu, Gabriel Moura e Jovi Joviniano), faixa produzida por Pedro Bernardes e previamente lançada em 13 de abril de 2016 como primeiro single do álbum gravado sob direção musical de Fernanda Abreu. Ao expor o fluxo incessante da vida indomável, em ágil sucessão de versos cantados sobre inebriante batida contemporânea, Outro sim reafirmou a modernidade (ainda) em movimento de Fernanda Abreu. Já Amor geral confirma a relevância da artista na música do Brasil, purgatório da beleza e do caos.

14 comentários:

Mauro Ferreira disse...

♪ Muito da beleza evidenciada em Amor geral - o primeiro álbum de Fernanda Abreu em uma década - nasceu do caos existencial vivido pela cantora e compositora carioca nos dez anos que separam o revisionista CD e DVD MTV ao vivo (Garota Sangue Bom / Universal Music, 2006) do disco de músicas inéditas que vai chegar ao mercado fonográfico na próxima sexta-feira, 20 de maio de 2016. Ao longo das dez músicas inéditas que compõem o repertório quase inteiramente autoral, Amor geral vê beleza no movimento irrefreável da vida, mas tal visão foi gerada pelo antídoto que diluiu a tristeza decorrente do fim do casamento de 27 anos de Abreu com o artista gráfico Luiz Stein e também do longo coma enfrentado pela mãe da artista, Vera Marina, por oito anos, antes de sair de cena em 2014. O purgatório do caos existencial é feito na beleza da canção Antídoto (Fernanda Abreu), criada em madrugada de inspiração instantânea. Escrita com base no calvário da mãe de Abreu, a letra de Antídoto busca a transcendência da dor pela beleza sentida no coração. A harpa chinesa tocada por Rodrigo Campello - produtor da faixa - traduz essa busca com toque etéreo que faz a canção subir ao céu na escalada imaginada nos poéticos versos do tema. Na canção O que ficou (Fernanda Abreu, Thiago Silva e Qinho), faixa produzida pela dupla T.R.U.E. (Qinho e Gui Marques) que sucede Antídoto na ordem do álbum, a jovial senhora sangue bom de 54 anos desce às profundezas do mundo afetivo para fazer o inventário emocional do casamento desfeito em letra escrita com raso nível poético, no único ponto baixo de Amor geral, álbum que volta a elevar a cota de Abreu no mercado da música após dois discos feitos em estúdio com menor teor progressista, Entidade urbana (EMI Music, 2000) e Na paz (Garota Sangue Bom / EMI Music, 2004). Ainda assim, O que ficou - canção meio letárgica que soa como (boa) lembrança parada no ar - está revestida da modernidade que pauta todo o álbum. Amor geral tem beats eventualmente desacelerados. Contudo, o veneno da lata está todo lá, sobretudo na batida funky de Tambor (Fernanda Abreu, Gabriel Moura, Jovi Joviniano e Afrika Bambaataa), ode ao batuque entranhado na gênese e na música do Brasil, do samba ao funk. Pai do electro-funk, aliás, o DJ e produtor norte-americano Afrika Bambaataa diz (breves) palavras de ordem na faixa produzida por Sérgio Santos, piloto também de Double louve (Amor em dose dupla), única música não assinada por Abreu no repertório de Amor geral. Compositores presentes desde o primeiro álbum solo da artista, Fausto Fawcett e Carlos Laufer são os autores deste libertário funk que exemplifica a habilidade de Amor geral na conciliação de sons orgânicos e sintéticos. No meio da cidade nua, nervosa, Abreu prega em Double love a liberdade sexual e afetiva, embora a Valsa do desejo (Fernanda Abreu e Tuto Ferraz) flagre a senhora sangue bom enredada nas cordas da paixão vivida com o parceiro Tuto Ferraz. Sem amarras estéticas, Amor geral dá revigorante passo à frente na discografia de Abreu, embora ouvintes mais atentos possam identificar na batida black-house de Deliciosamente (Fernanda Abreu, Alexandre Vaz e Jorge Ailton) - uma das grandes músicas do disco, formatada pelo produtor Liminha - uma evocação da mistura de disco music e dance music feita pela artista no primeiro álbum solo, Sla radical disco dance club (EMI-Odeon, 1990), disco pioneiro no Brasil no uso de samples. Da mesma forma, a já citada Double love ecoa a estética cinematográfica e musical do segundo álbum de Abreu, Sla 2 ~ Be sample (EMI-Odeon, 1992).

Mauro Ferreira disse...

Contudo, Amor geral flagra Fernanda Abreu nos dias de hoje. Mesmo quando a música não é especialmente inspirada, caso de Por quem (Fernanda Abreu e Qinho), a faixa - no caso, produzida por Tuto Ferraz - faz sentido no conjunto de obra que prega afeto amplo e irrestrito na discursiva música-título Amor geral (Fernanda Abreu, Pedro Bernardes e Fausto Fawcett), tema de batida contemporânea que reitera o fato de Abreu estar seguindo adiante sem se apegar às glórias do passado. Amor geral, o disco, se alimenta dos impulsos de vida que estimulam a batida do coração do mundo. "Tá tudo aí pra nós / Agora é só deixar rolar / A vida não espera / O tempo não vai parar / O amor é um jogo arriscado / Não quer saber se é certo ou errado", avisa Abreu nos versos de Saber chegar (Fernanda Abreu, Donatinho e Tibless), música formatada com suave pegada house na produção de Liminha. Sim, "sempre haverá outra esquina", como já sinalizara Fernanda Abreu em verso da melhor música de Amor geral, Outro sim (Fernanda Abreu, Gabriel Moura e Jovi Joviniano), faixa produzida por Pedro Bernardes e previamente lançada em 6 de abril de 2016 como primeiro single do álbum gravado sob direção musical de Fernanda Abreu. Ao expor o fluxo incessante da vida indomável, em ágil sucessão de versos cantados sobre inebriante batida contemporânea, Outro sim reafirmou a modernidade (ainda) em movimento de Fernanda Abreu. Já Amor geral confirma a relevância da artista na música do Brasil, purgatório da beleza e do caos.

Luca disse...

sabia que o Mauro ia elogiar esse disco, eu sei perceber quando ele compra a idéia de um disco antes do disco sair, li aqui um monte de notas sobre o disco, até o single teve resenha. pra umas tudo, pra outras nada

rafael h. disse...

Roberta Sá não recebeu 5 estrelas, nem 4,5, e nem 4. Foram 3, com Delírio. E foi também, muito comentada pelo Mauro, antes de o disco sair. Roberta, pra citar um exemplo, teve Vanessa da Mata também, pouco elogiada em seu último disco. Tem mais a ver com representatividade, a quantidade de notas. Eu acho. E adoro.

Rafael disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rafael disse...

Tudo o que Fernanda Abreu faz é no mínimo maravilhoso. Esse disco não foge à regra... Cada canção melhor do que a outra. Morram, invejosos de plantão!!!

Unknown disse...

Concordo com o Luca dessa vez

ADEMAR AMANCIO disse...

Não acompanho a carreira solo da moça,mas a resenha ficou muito boa.

Eduardo disse...

Fernanda sempre teve bom gosto, mas é pra quem gosta de seu estilo, assim como todos os outros artistas desse mundo. Não adianta os fãs de umas e outras ficarem de guerrinha. O texto está ótimo.

Unknown disse...

Meu Deus, 54 anos a garota sangue bom? Tal qual Paula toller, não envelhece essa mulher.
Espero que seja ótimo o cd, aguardando ansioso para comprar.

Unknown disse...

Meu Deus, 54 anos a garota sangue bom? Tal qual Paula toller, não envelhece essa mulher.
Espero que seja ótimo o cd, aguardando ansioso para comprar.

Unknown disse...

Gostei do epíteto "Senhora Sangue Bom"! Que bom que os tempos mudaram e ainda hoje podemos chamar Fernandinha de "Garota"aos 54! Me lembro que em 1991, ao lançar o álbum que levava seu nome na capa, Marina Lima se considerava no release uma "jovem senhora" aos 35 anos.

Marcelo Barbosa disse...

Adorei o cd!! As baladas mais românticas me lembram muito o primeiro cd, mas na minha opinião o grande destaque do disco é Tambor, delicioso!!

sandro disse...

Concordo com o que disse o Marcelo Barbosa. Tambor tem potencial pra ser um super hit. Já ouvi quatro vezes seguidas aqui. Quero essa música na abertura de uma novela.