Mauro Ferreira no G1

Aviso aos navegantes: desde 6 de julho de 2016, o jornalista Mauro Ferreira atualiza diariamente uma coluna sobre o mercado fonográfico brasileiro no portal G1. Clique aqui para acessar a coluna. O endereço é http://g1.globo.com/musica/blog/mauro-ferreira/


terça-feira, 10 de maio de 2016

Garin é o 'pote de mágoa' que faz a festa teatral no desfecho de 'Gota d'água'

Resenha de musical de teatro
Título: Gota d'água [A seco]
Texto original: Chico Buarque e Paulo Pontes
Música: Chico Buarque
Direção e adaptação do texto: Rafael Gomes
Direção musical: Pedro Luís
Elenco: Laila Garin (em foto de Cristina Granato) e Alejandro Claveaux
Produção: Sarau (Agência de cultura brasileira)
Cotação: * * * *
 Espetáculo em cartaz no Theatro Net Rio, na cidade do Rio de Janeiro (RJ) até 26 de junho

 Espetáculo recém-estreado na partida cidade do Rio de Janeiro (RJ), Gota d'Água [A seco] remonta o teatral drama urbano escrito por Chico Buarque e Paulo Pontes (1940 - 1976) a partir de Medéia, a tragédia grega de Eurípedes (480 A.C / 406 A.C). A montagem original - estreada em dezembro de 1975 com Bibi Ferreira no papel da protagonista Joana - adquiriu aura mítica no teatro brasileiro. A ponto de o texto raramente ter sido remontado após a consagradora encenação original. Coube a Rafael Gomes - um dos diretores mais celebrados da cena contemporânea - recolocar Gota d'água em cena, no mesmo palco da montagem original, em adaptação que enxuga os personagens e centra a ação trágica nos diálogos entre o ex-casal Joana e Jasão, personagens confiadas a Laila Garin - atriz baiana projetada em escala nacional quando viveu Elis Regina (1945 - 1982) em musical biográfico sobre a cantora gaúcha - e a Alejandro Claveaux. Garin é o pote até aqui de mágoa que faz a festa teatral no desfecho da tragédia. Mesmo sem cuspir o ódio denso da interpretação de Bibi (eternizada no álbum lançado em 1976 com trechos e músicas da peça), Garin se confirma atriz e cantora de grande talento na pele dura de Joana, personagem trágica, tão injustiçada quanto ressentida, vítima do próprio veneno que rumina pelos becos e vielas da favela que abriga o drama afetivo do ex-casal e que é esplendidamente retratada sem realismo no cenário de André Cortez. Tão atriz quanto cantora, Laila remói as mágoas de Joana e valoriza os versos das músicas de Chico Buarque, abordadas em cena sob a direção musical do cantor, compositor e músico carioca Pedro Luís. Em vez de cair no suingue, Pedro Luís acerta ao tratar as músicas com a aridez pedida pelo texto e pelos versos das canções. Com a autoridade de encenador, Rafael Gomes acrescentou outras músicas de Chico Buarque que se afinam com a peça e cita letras de outras composições no texto remodelado em tom mais coloquial, sem a sólida arquitetura poética da estrutura original, mas ainda com força. Eu te amo (Antonio Carlos Jobim e Chico Buarque, 1980) pontua reminiscência do desejo carnal que uniu Joana a Jasão. Impactante número solo de Laila, Cálice (Chico Buarque e Gilberto Gil, 1973) derrama a bebida amarga que escorre pelos lábios sedentos de Joana. Também ouvida na voz da atriz, Você vai me seguir (Chico Buarque e Ruy Guerra, 1972 / 1973) acentua a desilusão de Joana em momento de desespero. O equilíbrio dos atores no sobe-e-desce pela estruturas metálicas do cenário acentua a tensão que dá o tom da peça em escala ascendente. O único grande desnível reside no embate entre as atuações de Garin e Claveaux. Ele oferece registro de menor expressão, sobretudo quando atua como cantor, dando voz a Gota d'água (Chico Buarque, 1975) e a Mil perdões (Chico Buarque, 1983). No ringue do palco, ela vence a luta como atriz de evidente talento dramático e como cantora que entende o sentido dos versos de Basta um dia (Chico Buarque, 1975), uma das músicas compostas por Chico para Gota d'água. Bem querer (Chico Buarque, 1975) - também presente em cena - é outra dessas músicas. Já Flor da idade (Chico Buarque, 1973), embora reaproveitada na montagem original da peça, foi feita para o filme Vai trabalhar vagabundo! (Brasil, 1973). Enfim, Gota d'água é clássico do teatro brasileiro no qual Rafael Gomes remexeu com salutares ousadias estilísticas a convite da Sarau, a empresa que viabilizou a produção de Gota d'água a seco, ótimo espetáculo valorizado tanto pela encenação enxuta como pela atuação por vezes até arrepiante de Laila Garin.

2 comentários:

Mauro Ferreira disse...

♪ Espetáculo recém-estreado na partida cidade do Rio de Janeiro (RJ), Gota d'Água [A seco] remonta o teatral drama urbano escrito por Chico Buarque e Paulo Pontes (1940 - 1976) a partir de Medéia, a tragédia grega de Eurípedes (480 A.C / 406 A.C). A montagem original - estreada em dezembro de 1975 com Bibi Ferreira no papel da protagonista Joana - adquiriu aura mítica no teatro brasileiro. A ponto de o texto raramente ter sido remontado após a consagradora encenação original. Coube a Rafael Gomes - um dos diretores mais celebrados da cena contemporânea - recolocar Gota d'água em cena, no mesmo palco da montagem original, em adaptação que enxuga os personagens e centra a ação trágica nos diálogos entre o ex-casal Joana e Jasão, personagens confiadas a Laila Garin - atriz baiana projetada em escala nacional quando viveu Elis Regina (1945 - 1982) em musical biográfico sobre a cantora gaúcha - e a Alejandro Claveaux. Garin é o pote até aqui de mágoa que faz a festa teatral no desfecho da tragédia. Mesmo sem cuspir o ódio denso da interpretação de Bibi (eternizada no álbum lançado em 1976 com trechos e músicas da peça), Garin se confirma atriz e cantora de grande talento na pele dura de Joana, personagem trágica, tão injustiçada quanto ressentida, vítima do próprio veneno que rumina pelos becos e vielas da favela que abriga o drama afetivo do ex-casal e que é esplendidamente retratada sem realismo no cenário de André Cortez. Tão atriz quanto cantora, Laila remói as mágoas de Joana e valoriza os versos das músicas de Chico Buarque, abordadas em cena sob a direção musical do cantor, compositor e músico carioca Pedro Luís. Em vez de cair no suingue, Pedro Luís acerta ao tratar as músicas com a aridez pedida pelo texto e pelos versos das canções. Com a autoridade de encenador, Rafael Gomes acrescentou outras músicas de Chico Buarque que se afinam com a peça e cita letras de outras composições no texto remodelado em tom mais coloquial, sem a sólida arquitetura poética da estrutura original, mas ainda com força. Eu te amo (Antonio Carlos Jobim e Chico Buarque, 1980) pontua reminiscência do desejo carnal que uniu Joana a Jasão. Impactante número solo de Laila, Cálice (Chico Buarque e Gilberto Gil, 1973) derrama a bebida amarga que escorre pelos lábios sedentos de Joana. Também ouvida na voz da atriz, Você vai me seguir (Chico Buarque e Ruy Guerra, 1972 / 1973) acentua a desilusão de Joana em momento de desespero. O equilíbrio dos atores no sobe-e-desce pela estruturas metálicas do cenário acentua a tensão que dá o tom da peça em escala ascendente. O único grande desnível reside no embate entre as atuações de Garin e Claveaux. Ele oferece registro de menor expressão, sobretudo quando atua como cantor, dando voz a Gota d'água (Chico Buarque, 1975) e a Mil perdões (Chico Buarque, 1983). No ringue do palco, ela vence a luta como atriz de evidente talento dramático e como cantora que entende o sentido dos versos de Basta um dia (Chico Buarque, 1975), uma das músicas compostas por Chico para Gota d'água. Bem querer (Chico Buarque, 1975) - também presente em cena - é outra dessas músicas. Já Flor da idade (Chico Buarque, 1973), embora reaproveitada na montagem original da peça, foi feita para o filme Vai trabalhar vagabundo! (Brasil, 1973). Enfim, Gota d'água é clássico do teatro brasileiro no qual Rafael Gomes remexeu com salutares ousadias estilísticas a convite da Sarau, a empresa que viabilizou a produção de Gota d'água a seco, ótimo espetáculo valorizado tanto pela encenação enxuta como pela atuação por vezes até arrepiante de Laila Garin.

Luca disse...

o repertório de Chico é feito pra mulher, homem raramente se dá bem cantando as músicas dele