Mauro Ferreira no G1

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quarta-feira, 4 de maio de 2016

Comportamento geral do país dá sentido à edição em CD de álbum de Bravo

Resenha de álbum - Segunda visão
Título: Comportamento geral - Canções da resistência
Artista: Marya Bravo
Gravadora: Joia Moderna
Cotação: * * * * 1/2

"...Olhe o dia de ontem chegando", alerta Marya Bravo através de verso de Pesadelo (Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro, 1972), a primeira das 13 canções da resistência a que a cantora carioca dá voz no álbum Comportamento geral, lançado originalmente em formato digital, em 2014, para lembrar os 50 anos do golpe de 1964 através das músicas que resistiram à ditadura que amordaçou, mas não calou, o Brasil daquele ano de 1964 a 1985. As músicas de compositores politizados como Chico Buarque, Ivan Lins e Luiz Gonzaga do Nascimento Jr. (1945 - 1991) falaram por quem não podia falar, sobretudo na década de 1970. Em 2014, Comportamento geral lembrou o que jamais deve ser esquecido. Mas os gritos do disco ficaram parados no ar, à espera de necessária edição em CD que chega, enfim, ao mercado fonográfico neste mês de maio de 2016 pela gravadora Joia Moderna. E eis que uma edição em CD que poderia soar tardia resulta mais do que oportuna no momento em que a palavra "golpe" voltou a ser pronunciada no Brasil. Com (inédita) capa que expõe fotos de mortos e desaparecidos por obra do regime militar iniciado em 1964 e endurecido a partir de 1968, Comportamento geral jamais toma partido de nomes ou siglas políticas. Mas o álbum faz a defesa da democracia e da liberdade de expressão ao reavivar canções de compositores que resistiram. Dois anos após a edição digital (clique aqui para ler a resenha publicada por Notas Musicais em 19 de setembro de 2014), Comportamento geral chega ao formato de CD com sentido ampliado pelos fatos recentes da turbulenta história política do Brasil. "Como tenho me encontrado / Como tenho descoberto / A sombra leve da morte / Passando sempre por perto / E o sentimento mais breve / Rola no ar e descreve / A eterna cicatriz / Mais uma vez / Mais de uma vez...", adverte Bravo em Meio-termo (Lourenço Baeta e Cacaso, 1978), uma das melhores lembranças do repertório pesquisado por Rodrigo Faour para o show de 2014 que deu origem ao disco gravado em estúdio por iniciativa do DJ Zé Pedro. E o fato é que Comportamento geral nunca soou tão relevante e preciso. Marya Bravo é grande cantora que encarou sem medo as 13 grandes canções imortalizadas por imensuráveis cantoras como Elis Regina (1945 - 1982) e Maria Bethânia. Ou por compositores de vozes próprias como Milton Nascimento e Chico Buarque. Sábia, Bravo seguiu trilha própria, enquadrando na moldura do rock o que era samba ou canção de MPB, e assim evitou comparações que lhe poderiam ser desfavoráveis no confronto com os registros de nomes já entronizados como mitos da música brasileira. E ainda há pérolas pescadas no baú, como a corajosa Canção do medo (Toquinho e Gianfrancesco Guarnieri), creditada a 1974 na contracapa do CD, mas efetivamente lançada em disco em 1973, na voz de Marlene (1922 - 2014), no LP com a trilha sonora da peça Botequim, encenada naquele ano de 1973. Musicalmente, o álbum continua novo porque o hard rock dá o devido peso a essas canções da resistência. E aí o mérito é sobretudo dos produtores Pedro Garcia e Bruno Pederneiras, cujo toque sempre cortante da guitarra afia os arranjos de músicas como Demoníaca (Sueli Costa e Vitor Martins, 1974) e Apesar de você (Chico Buarque, 1970). Comportamento geral é disco sustentado pelo tripé básico do rock - a guitarra de Pederneiras, a bateria de Garcia e o baixo de Daniel Martins - que se eleva sem deixar de evidenciar o canto bravo de Marya. Afinal, o que está em pauta é o recado de letras como as de Comportamento geral (Gonzaguinha, 1972), Cartomante (Ivan Lins e Vitor Martins, 1977) e Roda viva (Chico Buarque, 1967). O som se ajusta ao clima pesado das letras (infelizmente não reproduzidas no magro encarte). Gás neon (1974) - outro petardo certeiro de Gonzaguinha - soa asfixiante, por exemplo. Sinal fechado (Paulinho da Viola, 1968) abre espaço para o minimalismo noise da guitarra de Pederneiras, músico fundamental na arquitetura do álbum. Comportamento geral é disco pesado no sentido musical e poético. Os dias eram assim. Mas olhe o dia de ontem chegando! O comportamento geral do Brasil nos dias de hoje amplia o sentido do álbum de Bravo, cuja edição em CD neste 2016 é involuntário golpe de mestre.

8 comentários:

Mauro Ferreira disse...

♪ "...Olhe o dia de ontem chegando", alerta Marya Bravo através de verso de Pesadelo (Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro, 1972), a primeira das 13 canções da resistência a que a cantora carioca dá voz no álbum Comportamento geral, lançado originalmente em formato digital, em 2014, para lembrar os 50 anos do golpe de 1964 através das músicas que resistiram à ditadura que amordaçou, mas não calou, o Brasil daquele ano de 1964 a 1985. As músicas de compositores politizados como Chico Buarque, Ivan Lins e Luiz Gonzaga do Nascimento Jr. (1945 - 1991) falaram por quem não podia falar, sobretudo na década de 1970. Em 2014, Comportamento geral lembrou o que jamais deve ser esquecido. Mas os gritos do disco ficaram parados no ar, à espera de necessária edição em CD que chega, enfim, ao mercado fonográfico neste mês de maio de 2016 pela gravadora Joia Moderna. E eis que uma edição em CD que poderia soar tardia resulta mais do que oportuna no momento em que a palavra "golpe" voltou a ser pronunciada no Brasil. Com (inédita) capa que expõe fotos de mortos e desaparecidos por obra do regime militar iniciado em 1964 e endurecido a partir de 1968, Comportamento geral jamais toma partido de nomes ou siglas políticas. Mas o álbum faz a defesa da democracia e da liberdade de expressão ao reavivar canções de compositores que resistiram. Dois anos após a edição digital (clique aqui para ler a resenha publicada por Notas Musicais em 19 de setembro de 2014), Comportamento geral chega ao formato de CD com sentido ampliado pelos fatos recentes da turbulenta história política do Brasil. "Como tenho me encontrado / Como tenho descoberto / A sombra leve da morte / Passando sempre por perto / E o sentimento mais breve / Rola no ar e descreve / A eterna cicatriz / Mais uma vez / Mais de uma vez...", adverte Bravo em Meio-termo (Lourenço Baeta e Cacaso, 1978), uma das melhores lembranças do repertório pesquisado por Rodrigo Faour para o show de 2014 que deu origem ao disco gravado em estúdio por iniciativa do DJ Zé Pedro. E o fato é que Comportamento geral nunca soou tão relevante e preciso.

Mauro Ferreira disse...

Marya Bravo é grande cantora que encarou sem medo as 13 grandes canções imortalizadas por imensuráveis cantoras como Elis Regina (1945 - 1982) e Maria Bethânia. Ou por compositores de vozes próprias como Milton Nascimento e Chico Buarque. Sábia, Bravo seguiu trilha própria, enquadrando na moldura do rock o que era samba ou canção de MPB, e assim evitou comparações que lhe poderiam ser desfavoráveis no confronto com os registros de nomes já entronizados como mitos da música brasileira. E ainda há pérolas pescadas no baú, como a corajosa Canção do medo (Toquinho e Gianfrancesco Guarnieri), creditada a 1974 na contracapa do CD, mas efetivamente lançada em disco em 1973, na voz de Marlene (1922 - 2014), no LP com a trilha sonora da peça Botequim, encenada naquele ano de 1973. Musicalmente, o álbum continua novo porque o hard rock dá o devido peso a essas canções da resistência. E aí o mérito é sobretudo dos produtores Pedro Garcia e Bruno Pederneiras, cujo toque sempre cortante da guitarra afia os arranjos de músicas como Demoníaca (Sueli Costa e Vitor Martins, 1974) e Apesar de você (Chico Buarque, 1970). Comportamento geral é disco sustentado pelo tripé básico do rock - a guitarra de Pederneiras, a bateria de Garcia e o baixo de Daniel Martins - que se eleva sem deixar de evidenciar o canto bravo de Marya. Afinal, o que está em pauta é o recado de letras como as de Comportamento geral (Gonzaguinha, 1973), Cartomante (Ivan Lins e Vitor Martins, 1977) e Roda viva (Chico Buarque, 1967). O som se ajusta ao clima pesado das letras (infelizmente não reproduzidas no magro encarte). Gás neon (1974) - outro petardo certeiro de Gonzaguinha - soa asfixiante, por exemplo. Sinal fechado (Paulinho da Viola, 1968) abre espaço para o minimalismo noise da guitarra de Pederneiras, músico fundamental na arquitetura do álbum. Comportamento geral é disco pesado no sentido musical e poético. Os dias eram assim. Mas olhe o dia de ontem chegando! O comportamento geral do Brasil nos dias de hoje amplia o sentido do álbum de Bravo, cuja edição em CD neste 2016 é involuntário golpe de mestre.

Rafael disse...

O disco é ótimo, mas a capa é horrorosa de feia... Entendo que o disco é uma homenagem aos militantes que morreram na ditadura, mas bem que deveriam ter deixado a primeira capa com o desenho como primeira opção de capa.

Antenor Leopoldino disse...

Já eu achei a outra capa um pouco caricata...

ADEMAR AMANCIO disse...

Golpe? Há controvérsia lá e cá.

Unknown disse...

Repertório datadíssimo, com exceção de "Sinal Fechado" e um pouco "Comportamento Geral", que serve para qualquer tempo, inclusive o atual em que muitos, mesmo atolados pela crise, insistem em defender o indefensável.

Flávio disse...

Eu me sinto golpeado. Eu acreditei e fui traído. Muitos que dizem ter lutado pela democracia estavam lutando por outra ditadura. E hoje apoiam os corruptos. Depois de tudo, ouço essas canções com o pé atrás, desconfiado. E triste!

Flávio.

Unknown disse...

É isso aí, Flávio! Prefiro as líricas canções de amor de qualquer um deles em vez dessas canções ditas politizadas...