Mauro Ferreira no G1

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sexta-feira, 18 de março de 2016

Com baianidade moderna, Manuela Rodrigues expõe força da canção no Rio

Resenha de show
Título: Se a canção mudasse tudo
Artista: Manuela Rodrigues (em foto de Rodrigo Goffredo)
Local: Teatro Solar de Botafogo (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 17 de março de 2016
Cotação: * * * *

Se boas canções tivessem poder para mudar ao menos o rumo do mercado da música (e não necessariamente tudo, como Manuela Rodrigues sonha no título da música que batiza o terceiro álbum da cantora e compositora baiana), o primeiro show da artista na cidade do Rio de Janeiro (RJ) talvez tivesse mobilizado mais público na noite de ontem, 17 de março de 2016. Contudo, o show Se a canção mudasse tudo - que tem seguido por algumas capitais do Brasil em miniturnê bancada pelo projeto Natura musical, um dos patrocinadores do álbum homônimo lançado neste ano de 2016 - escancarou o talento de Manuela Rodrigues como cantora e compositora para a plateia pequena, mas antenada, que viu a artista ocupar o palco do teatro do Solar de Botafogo com segurança, escorada na força do repertório basicamente autoral que apresentou, ancorada por azeitada banda formada por Gustavo Di Dalva (percussão), Jelber Oliveira (teclados e acordeom), Júlio Caldas (guitarra e cavaquinho), Lalo Batera (bateria) e Son Melo (baixo). Com baianidade moderna, que mixa o toque do berimbau de Gustado Di Dalva com sons contemporâneos, Manuela mostrou a inspirada safra autoral do álbum Se a canção mudasse tudo (Independente, 2016). Em alguns músicas, como Bagagem, a artista se limitou a cantar - e isso foi muito, pois Manuela é também intérprete segura, capaz de elevar o status de Extra II (O rock do segurança) na obra autoral de Gilberto Gil - com pegada em registro que supera a gravação feita em 1984 pelo cantor e compositor, baiano e tropicalista como Manuela - e capaz de exercitar extrovertido histrionismo para dar o recado desaforado de Barraqueira (Manuela Rodrigues, 2007), samba lançado na voz de outra baiana, Márcia Castro, em fase mais arretada da discografia de Castro. Em alguns números, além de cantar, Manuela assumiu também o piano, instrumento decisivo na arquitetura de uma das mais belas canções do disco e do show, Ventre (Manuela Rodrigues, 2016), sensível música parida quando o primeiro filho da artista ainda estava na barriga da mãe, no terceiro mês de gestação. Aliás, como o disco Se a canção mudasse tudo foi inspirado pela chegada da maternidade na vida da artista, o show naturalmente puxou esse cordão umbilical, explicitado na acolhedora Marcha do renascimento (Manuela Rodrigues, 2016), por exemplo. O viés feminino do show foi amplificado pela intervenção da cantora carioca Silvia Machete, convidada da estreia no Rio. Tal como no disco, Machete fez dueto com Manuela em Amor de carne e de osso (Manuela Rodrigues, 2016), música sensual que combina levadas nortistas, atmosfera circense e o sentimento explícito daqueles boleros ouvidos nos vitrolões do interior do Brasil. Na sequência, a inserção de música da lavra própria da convidada do show, Simplesmente mulher (Silvia Machete, 2008), pareceu estar ali para reforçar que mães também são mulheres, ora devassas, ora santas. Ora centradas, ora loucas. Fora da esfera umbilical, Manuela Rodrigues destilou finas ironias nos versos de Rede social (Manuela Rodrigues, 2016) e de Ôxe, ôxe, ôxe! (Manuela Rodrigues e Álvaro Lemos, 2016), delicioso xote pop que brinca com estereótipos carimbados no povo baiano. Teve fina ironia até na apresentação (cheia de groove) da banda ao fim de Profissional liberal (Manuela Rodrigues, 2011), música do excelente segundo álbum da artista, Uma outra qualquer por aí (Garimpo Música, 2011), cuja música-título é de autoria dos paulistanos Romulo Fróes e Clima, também compositores da música que abriu o show, Vai que eu desembeste (2016), em número aditivado com a reprodução em off de coro de vozes feitas pela própria Manuela Rodrigues. Enfim, a rigor, a canção nada muda em fragmentado mercado fonográfico que reserva somente nichos para quem não segue a cartilha pop populista do mainstream. Mas, se a canção mudasse tudo, Manuela Rodrigues seria aplaudida de pé em todo o Brasil como foi ontem pela plateia que assistiu ao coeso primeiro show da artista na arisca cidade do Rio de Janeiro (RJ). A baiana tem ótimas canções, bela voz e boa presença cênica.

Um comentário:

Mauro Ferreira disse...

♪ Se boas canções tivessem poder para mudar ao menos o rumo do mercado da música (e não necessariamente tudo, como Manuela Rodrigues sonha no título da música que batiza o terceiro álbum da cantora e compositora baiana), o primeiro show da artista na cidade do Rio de Janeiro (RJ) talvez tivesse mobilizado mais público na noite de ontem, 17 de março de 2016. Contudo, o show Se a canção mudasse tudo - que tem seguido por algumas capitais do Brasil em miniturnê bancada pelo projeto Natura musical, um dos patrocinadores do álbum homônimo lançado neste ano de 2016 - escancarou o talento de Manuela Rodrigues como cantora e compositora para a plateia pequena, mas antenada, que viu a artista ocupar o palco do teatro do Solar de Botafogo com segurança, escorada na força do repertório basicamente autoral que apresentou, ancorada por azeitada banda formada por Gustavo Di Dalva (percussão), Jelber Oliveira (teclados e acordeom), Júlio Caldas (guitarra e cavaquinho), Lalo Batera (bateria) e Son Melo (baixo). Com baianidade moderna, que mixa o toque do berimbau de Gustado Di Dalva com sons contemporâneos, Manuela mostrou a inspirada safra autoral do álbum Se a canção mudasse tudo (Independente, 2016). Em alguns músicas, como Bagagem, a artista se limitou a cantar - e isso foi muito, pois Manuela é também intérprete segura, capaz de elevar o status de Extra II (O rock do segurança) na obra autoral de Gilberto Gil - com pegada em registro que supera a gravação feita em 1984 pelo cantor e compositor, baiano e tropicalista como Manuela - e capaz de exercitar extrovertido histrionismo para dar o recado desaforado de Barraqueira (Manuela Rodrigues, 2007), samba lançado na voz de outra baiana, Márcia Castro, em fase mais arretada da discografia de Castro. Em alguns números, além de cantar, Manuela assumiu também o piano, instrumento decisivo na arquitetura de uma das mais belas canções do disco e do show, Ventre (Manuela Rodrigues, 2016), sensível música parida quando o primeiro filho da artista ainda estava na barriga da mãe, no terceiro mês de gestação. Aliás, como o disco Se a canção mudasse tudo foi inspirado pela chegada da maternidade na vida da artista, o show naturalmente puxou esse cordão umbilical, explicitado na acolhedora Marcha do renascimento (Manuela Rodrigues, 2016), por exemplo. O viés feminino do show foi amplificado pela intervenção da cantora carioca Silvia Machete, convidada da estreia no Rio. Tal como no disco, Machete fez dueto com Manuela em Amor de carne e de osso (Manuela Rodrigues, 2016), música sensual que combina levadas nortistas, atmosfera circense e o sentimento explícito daqueles boleros ouvidos nos vitrolões do interior do Brasil. Na sequência, a inserção de música da lavra própria da convidada do show, Simplesmente mulher (Silvia Machete, 2008), pareceu estar ali para reforçar que mães também são mulheres, ora devassas, ora santas. Ora centradas, ora loucas. Fora da esfera umbilical, Manuela Rodrigues destilou finas ironias nos versos de Rede social (Manuela Rodrigues, 2016) e de Ôxe, ôxe, ôxe! (Manuela Rodrigues e Álvaro Lemos, 2016), delicioso xote pop que brinca com estereótipos carimbados no povo baiano. Teve fina ironia até na apresentação (cheia de groove) da banda ao fim de Profissional liberal (Manuela Rodrigues, 2011), música do excelente segundo álbum da artista, Uma outra qualquer por aí (Garimpo Música, 2011), cuja música-título é de autoria dos paulistanos Romulo Fróes e Clima, também compositores da música que abriu o show, Vai que eu desembeste (2016), em número aditivado com a reprodução em off de coro de vozes feitas pela própria Manuela Rodrigues. Enfim, a rigor, a canção nada muda em fragmentado mercado fonográfico que reserva somente nichos para quem não segue a cartilha pop populista do mainstream. Mas, se a canção mudasse tudo, Manuela Rodrigues seria aplaudida de pé em todo o Brasil como foi ontem pela plateia que assistiu ao coeso primeiro show da artista na arisca cidade do Rio de Janeiro (RJ). A baiana tem ótimas canções, bela voz e boa presença cênica.