Mauro Ferreira no G1

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terça-feira, 5 de agosto de 2014

Encontro de Fagner com Zé Ramalho resulta grande pela força das obras

Resenha de show - Gravação ao vivo
Título: Fagner & Zé Ramalho
Artistas: Fagner e Zé Ramalho (em foto de Rodrigo Goffredo)
Local: Theatro Net Rio (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 30 de julho de 2014
Cotação: * * * 1/2

Expoentes da corrente migratória que deslocou artistas nordestinos para o eixo Rio-São Paulo ao longo dos anos 1970, o cearense Raimundo Fagner e o paraibano Zé Ramalho trilharam caminhos paralelos que se cruzaram eventualmente quando Fagner gravou músicas de Zé, como Pelo vinho e pelo pão (1978) e Eternas ondas (1980), ambas incluídas no roteiro do show que uniu pela primeira vez os dois cantores, compositores e músicos. Sem inéditas no repertório, o show Fagner & Zé Ramalho - gravado ao vivo de 28 a 30 de julho de 2014, em apresentações no Theatro Net Rio, no Rio de Janeiro (RJ) - se sustentou na força dos hits dos cancioneiros desse artistas talentosos. Foi um show de sucessos, feito sob a direção musical de Robertinho de Recife para dar origem a CD e DVD a serem editados pela gravadora Sony Music. O ineditismo residiu no encontro das vozes ainda em forma. O timbre rascante de Fagner se harmonizou bem com o tom cavernoso do canto de Zé, como ficou evidente já no primeiro dos 23 números da apresentação de 30 de julho, Dois querer (Raimundo Fagner e Brandão, 1980), música perfeita para abrir o show por evocar nos versos os afetos e tensões que regem o relacionamento destes cantadores de temperamentos tão fortes quanto seus respectivos cancioneiros. Além do hits, o show foi calcado nos violões tocados pelos dois cantadores. Nas primeiras seis músicas, Fagner e Zé ficaram sozinhos no palco, sentados em seus banquinhos e munidos de seus violões. Foi nesse clima folk que a dupla diluiu a densidade melancólica de Asa partida (Raimundo Fagner e Abel Silva, 1976) e embarcou em Mucuripe (Raimundo Fagner e Belchior, 1972). A sedução do show ficou concentrada no fato de um cantor dar voz a músicas associadas ao outro. "Hoje só acredito no pulsar das minhas veias", cantou Zé Ramalho, revivendo Noturno (Graco e Caio Silvio, 1979), um dos maiores sucessos da primeira fase da discografia de Fagner. Não houve sets individuais no show. Juntos o tempo todo em cena, os dois cantores dividiram as interpretações das 18 músicas (o bis foi reservado para repetições e para atender pedidos do público). Contudo, tal divisão nem sempre foi igualitária. Chão de giz (Zé Ramalho, 1978) foi quase um solo de Zé, com Fagner ao violão, fazendo uma eventual segunda voz. Em contrapartida, Canteiros (Raimundo Fagner sobre poema de Cecília Meireles, 1973) foi solo de Fagner, com Zé ao violão, já no fim do show. Mesmo com a entrada da banda, a partir de Romance no deserto (Romance in Durango) (Bob Dylan e Jacques Levy, 1976, em versão em português de Fausto Nilo, 1987), os violões e as vozes dos cantadores continuaram em primeiro plano. Romance no deserto, aliás, foi boa sacação do repertório, já que este sucesso de Fagner é versão em português de música do cantor e compositor norte-americano Bob Dylan, a quem Zé sempre foi associado explicitamente através de epítetos como O Bob Dylan do sertão. Os versos passionais de Fanatismo (Raimundo Fagner sobre poema de Florbela Espanca, 1981) também caíram bem na voz grave de Zé. Único número dispensável do roteiro, Canção da floresta (Sebastião Dias) - música gravada por Fagner no álbum Os donos do Brasil (Indie Records, 2004) - destoou do cancioneiro da dupla pelo tom pueril dos versos que protestam contra a devastação da natureza. Já o medley que entrelaçou Jura secreta (Sueli Costa e Abel Silva, 1977) e Revelação (Clésio e Clodô) sobressaiu por expor a maestria do violão violeiro de Manassés, virtuose da banda, não aproveitado na medida de seu talento. Já Pedras que cantam (Dominguinhos e Fausto Nilo, 1991) tendeu mais para o ritmo cadenciado do xote, sem o pique forrozeiro da gravação original de Fagner. No fim, o aboio Admirável gado novo (Zé Ramalho, 1979) reiterou a força popular dos cancioneiros de dois artistas que souberam levar adiante a música de origem nordestina, dialogando com o Brasil. Mesmo com baixo teor de novidade, o show Fagner & Zé Ramalho resultou em grande encontro por irmanar obras e vozes que se amalgamaram em cena com espantosa naturalidade.

4 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Expoentes da corrente migratória que deslocou artistas nordestinos para o eixo Rio-São Paulo ao longo dos anos 1970, o cearense Raimundo Fagner e o paraibano Zé Ramalho trilharam caminhos paralelos que se cruzaram eventualmente quando Fagner gravou músicas de Zé, como Pelo vinho e pelo pão (1978) e Eternas ondas (1980), ambas incluídas no roteiro do show que uniu pela primeira vez os dois cantores, compositores e músicos. Sem inéditas no repertório, o show Fagner & Zé Ramalho - gravado ao vivo de 28 a 30 de julho de 2014, em apresentações no Theatro Net Rio, no Rio de Janeiro (RJ) - se sustentou na força dos hits dos cancioneiros desse artistas talentosos. Foi um show de sucessos, feito sob a direção musical de Robertinho de Recife para dar origem a CD e DVD a serem editados pela gravadora Sony Music. O ineditismo residiu no encontro das vozes ainda em forma. O timbre rascante de Fagner se harmonizou bem com o tom cavernoso do canto de Zé, como ficou evidente já no primeiro dos 23 números da apresentação de 30 de julho, Dois querer (Raimundo Fagner e Brandão, 1980), música perfeita para abrir o show por evocar nos versos os afetos e tensões que regem o relacionamento destes cantadores de temperamentos tão fortes quanto seus respectivos cancioneiros. Além do hits, o show foi calcado nos violões tocados pelos dois cantadores. Nas primeiras seis músicas, Fagner e Zé ficaram sozinhos no palco, sentados em seus banquinhos e munidos de seus violões. Foi nesse clima folk que a dupla diluiu a densidade melancólica de Asa partida (Raimundo Fagner e Abel Silva, 1976) e embarcou em Mucuripe (Raimundo Fagner e Belchior, 1972). A sedução do show ficou concentrada no fato de um cantor dar voz a músicas associadas ao outro. "Hoje só acredito no pulsar das minhas veias", cantou Zé Ramalho, revivendo Noturno (Graco e Caio Silvio, 1979), um dos maiores sucessos da primeira fase da discografia de Fagner. Não houve sets individuais no show. Juntos o tempo todo em cena, os dois cantores dividiram as interpretações das 18 músicas (o bis foi reservado para repetições e para atender pedidos do público). Contudo, tal divisão nem sempre foi igualitária. Chão de giz (Zé Ramalho, 1978) foi quase um solo de Zé, com Fagner ao violão, fazendo uma eventual segunda voz. Em contrapartida, Canteiros (Raimundo Fagner sobre poema de Cecília Meireles, 1973) foi solo de Fagner, com Zé ao violão, já no fim do show. Mesmo com a entrada da banda, a partir de Romance no deserto (Romance in Durango) (Bob Dylan e Jacques Levy, 1976, em versão em português de Fausto Nilo, 1987), os violões e as vozes dos cantadores continuaram em primeiro plano. Romance no deserto, aliás, foi boa sacação do repertório, já que este sucesso de Fagner é versão em português de música do cantor e compositor norte-americano Bob Dylan, a quem Zé sempre foi associado explicitamente através de epítetos como O Bob Dylan do sertão. Os versos passionais de Fanatismo (Raimundo Fagner sobre poema de Florbela Espanca, 1981) também caíram bem na voz grave de Zé. Único número dispensável do roteiro, Canção da floresta (Sebastião Dias) - música gravada por Fagner no álbum Os donos do Brasil (Indie Records, 2004) - destoou do cancioneiro da dupla pelo tom pueril dos versos que protestam contra a devastação da natureza. Já o medley que entrelaçou Jura secreta (Sueli Costa e Abel Silva, 1977) e Revelação (Clésio e Clodô) sobressaiu por expor a maestria do violão violeiro de Manassés, virtuose da banda, não aproveitado na medida de seu talento. Já Pedras que cantam (Dominguinhos e Fausto Nilo, 1991) tendeu mais para o ritmo cadenciado do xote, sem o pique forrozeiro da gravação original de Fagner. No fim, o aboio Admirável gado novo (Zé Ramalho, 1979) reiterou a força popular dos cancioneiros de dois artistas que souberam levar adiante a música de origem nordestina, dialogando com o Brasil. Mesmo com baixo teor de novidade, o show Fagner & Zé Ramalho resultou em grande encontro por irmanar obras e vozes que se amalgamaram em cena com espantosa naturalidade.

Felipe dos Santos disse...

Deve ter sido show bacana, embora eu ache que Fagner tem personalidade mais forte (até demais, às vezes) do que Zé - misterioso e até épico, mas calmo.

Felipe dos Santos Souza

Fábio disse...

Li em outro veículo que houve um anticlímax justamente no encerramento do show, quando Fagner puxou BORBULHAS DE AMOR. Parece que Zé Ramalho não gostou e abandonou a cena sem se despedir.

ADEMAR AMANCIO disse...

Personalidade forte, é quase sempre usado como eufemismo pra falta de educação.