Mauro Ferreira no G1

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sábado, 30 de agosto de 2014

Memórias de Menotti & Fabiano reavivam tempo de melodia no sertanejo

Resenha de CD
Título: Memórias anos 80 & 90
Artista: César Menotti & Fabiano
Gravadora: Som Livre
Cotação: * * * 1/2

Em constante mutação desde 1929, ano em que começou a ser formatada pelo jornalista e folclorista paulista Cornélio Pires (1884 - 1958) com a junção de causos a cânticos tradicionais do interior do Brasil, a música sertaneja atualmente incorpora todos os códigos e símbolos da música pop. O processo de modernização começou no fim dos anos 1960 - quando a dupla goiana Léo Canhoto & Robertinho incorporou à guitarra elétrica ao gênero, adotando visual-ostentação - e seguiu pela década de 1970. A partir dos anos 1980, a balada romântica de caráter sentimental passa a ser o ritmo (pre)dominante no universo sertanejo sem diluir a influência das guarânias paraguaias e das rancheras mexicanas (estas associadas ao universo mariachi). Dupla sertaneja originária da cidade mineira de Ponte Nova (MG), César Menotti & Fabiano reavivam esses tempos em que a melodia era abundante na música sertaneja - hoje mais diluída na mistura pop com ritmos dançantes como arrocha e funk - no sétimo título de sua discografia. Projeto duplo que celebra a primeira década de carreira fonográfica da dupla e que está sendo lançado nos formatos de CD e LP, via Som Livre, Memórias anos 80 & 90 é o melhor disco da dupla por conta da reunião de um repertório entranhado nas lembranças afetivas de um Brasil imune aos modismos e aos hypes musicais ditados pela imprensa do eixo Rio de Janeiro - São Paulo. Com seu canto em dupla enraizado nas tradições da música caipira (calcada na forma anasalada e exteriorizada da exposição vocal), César Menotti & Fabiano revivem - sem inventar moda - 35 músicas que passaram na peneira do tempo sertanejo com suas melodias e versos simples que cativaram o público fiel do gênero por seu poder de sedução. Alocadas em 28 faixas por conta dos sete medleys do disco duplo, essas 35 músicas foram - em sua maioria - sucessos consumidos pela massa anônima que dá o tom sertanejo do Brasil. Nem todas foram hits, mas todas se alinham pelo caráter melódico e pela forma direta de falar de amor e dor. Talvez a mais conhecida em todo o Brasil seja a guarânia Nuvem de lágrimas (Paulo Debétio e Paulinho Rezende, 1989), música que extrapolou o universo sertanejo ao quebrar a barreira das FMs cariocas na gravação feita pela cantora paraense Fafá de Belém com a dupla paranaense Chitãozinho & Xororó, pioneira na conquista do mercado urbano de Rio de Janeiro e São Paulo. Do repertório de Chitãozinho & Xororó, a propósito, são quatro das 35 músicas do disco. Nem todas foram retumbantes sucessos nacionais - caso de Só quem amou demais (Fatima Leão, Alexandre e Netto), canção gravada pela dupla em álbum de 1995 - mas todas estão em sintonia com o conceito de Memórias anos 80 & 90. Também pioneira, a dupla Matogrosso & Mathias - autointitulada A mais romântica do Brasil - pavimentou essa estrada sertaneja desde os anos 1970, alcançando grande sucesso nessa década em que já adotaram o estilo romântico e emplacaram sucessos como Espinhos da vida (Matogrosso e JK Filho, 1976) e Pedaço de minha vida (Matias e Nascimento, 1977), que, embora não sejam dos anos 1980, estão no disco unidos por Menotti & Fabiano em medley gravado em tom tradicional, de raiz, com a participação de seu tio Alalino, responsável por mostrar aos cantores boa parte dessas músicas (a tia Neiva ajuda a dupla a passar a limpo Camisa branca, hit da dupla Mococa & Paraíso em 1987). Da década de 1980 - realmente - é De igual para igual, a parceria de Matogrosso com Roberta Miranda que alavancou em 1985 a carreira da então emergente cantora e compositora paraibana e que fez sucesso no eixo Rio-São Paulo na voz do cantor carioca José Augusto. Também do repertório de Matogrosso & Mathias é Memória (Fátima Leão, Matogrosso e Cida Moraes), música que batiza e abre o CD duplo de Menotti & Fabiano, mas grafada no plural, como Memórias. Fátima Leão, Roberta Miranda, a dupla Christian & Ralf - representada pelas autorais Chora peito (1986) e Ausência (1987) - e Carlos Randall são compositores recorrentes nas 35 músicas deste disco duplo em que César Menotti e Fabiano mostram que já temos um honroso e melódico passado sertanejo. 

4 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Em constante mutação desde 1929, ano em que começou a ser formatada pelo jornalista e folclorista paulista Cornélio Pires (1884 - 1958) com a junção de causos a cânticos tradicionais do interior do Brasil, a música sertaneja atualmente incorpora todos os códigos e símbolos da música pop. O processo de modernização começou no fim dos anos 1960 - quando a dupla goiana Léo Canhoto & Robertinho incorporou à guitarra elétrica ao gênero, adotando visual-ostentação - e seguiu pela década de 1970. A partir dos anos 1980, a balada romântica de caráter sentimental passa a ser o ritmo (pre)dominante no universo sertanejo sem diluir a influência das guarânias paraguaias e das rancheras mexicanas (estas associadas ao universo mariachi). Dupla sertaneja originária da cidade mineira de Ponte Nova (MG), César Menotti & Fabiano reavivam esses tempos em que a melodia era abundante na música sertaneja - hoje mais diluída na mistura pop com ritmos dançantes como arrocha e funk - no sétimo título de sua discografia. Projeto duplo que celebra a primeira década de carreira fonográfica da dupla e que está sendo lançado nos formatos de CD e LP, via Som Livre, Memórias anos 80 & 90 é o melhor disco da dupla por conta da reunião de um repertório entranhado nas lembranças afetivas de um Brasil imune aos modismos e aos hypes musicais ditados pela imprensa do eixo Rio de Janeiro - São Paulo. Com seu canto em dupla enraizado nas tradições da música caipira (calcada na forma anasalada e exteriorizada da exposição vocal), César Menotti & Fabiano revivem - sem inventar moda - 35 músicas que passaram na peneira do tempo sertanejo com suas melodias e versos simples que cativaram o público fiel do gênero por seu poder de sedução.

Mauro Ferreira disse...

Alocadas em 28 faixas por conta dos sete medleys do disco duplo, essas 35 músicas foram - em sua maioria - sucessos consumidos pela massa anônima que dá o tom sertanejo do Brasil. Nem todas foram hits, mas todas se alinham pelo caráter melódico e pela forma direta de falar de amor e dor. Talvez a mais conhecida em todo o Brasil seja a guarânia Nuvem de lágrimas (Paulo Debétio e Paulinho Rezende, 1989), música que extrapolou o universo sertanejo ao quebrar a barreira das FMs cariocas na gravação feita pela cantora paraense Fafá de Belém com a dupla paranaense Chitãozinho & Xororó, pioneira na conquista do mercado urbano de Rio de Janeiro e São Paulo. Do repertório de Chitãozinho & Xororó, a propósito, são quatro das 35 músicas do disco. Nem todas foram retumbantes sucessos nacionais - caso de Só quem amou demais (Fatima Leão, Alexandre e Netto), canção gravada pela dupla em álbum de 1995 - mas todas estão em sintonia com o conceito de Memórias anos 80 & 90. Também pioneira, a dupla Matogrosso & Mathias - autointitulada A mais romântica do Brasil - pavimentou essa estrada sertaneja desde os anos 1970, alcançando grande sucesso nessa década em que já adotaram o estilo romântico e emplacaram sucessos como Espinhos da vida (Matogrosso e JK Filho, 1976) e Pedaço de minha vida (Matias e Nascimento, 1977), que, embora não sejam dos anos 1980, estão no disco unidos por Menotti & Fabiano em medley gravado em tom tradicional, de raiz, com a participação de seu tio Alalino, responsável por mostrar aos cantores boa parte dessas músicas (a tia Neiva ajuda a dupla a passar a limpo Camisa branca, hit da dupla Mococa & Paraíso em 1987). Da década de 1980 - realmente - é De igual para igual, a parceria de Matogrosso com Roberta Miranda que alavancou em 1985 a carreira da então emergente cantora e compositora paraibana e que fez sucesso no eixo Rio-São Paulo na voz do cantor carioca José Augusto. Também do repertório de Matogrosso & Mathias é Memória (Fátima Leão, Matogrosso e Cida Moraes), música que batiza e abre o CD duplo de Menotti & Fabiano, mas grafada no plural, como Memórias. Fátima Leão, Roberta Miranda, a dupla Christian & Ralf - representada pelas autorais Chora peito (1986) e Ausência (1987) - e Carlos Randall são compositores recorrentes nas 35 músicas deste disco duplo em que César Menotti e Fabiano mostram que já temos um honroso e melódico passado sertanejo.

Alan disse...

Muito boa resenha. Este CD reflete a época que o sertanejo era menos artificial e ao mesmo tempo mais "doloroso". Incrível o que era brega uns anos atrás, virou cult dentro do segmento. Um CD bom que recomendo (e merecia uma resenha na época) que o Zezé regravou músicas desta época é o "Double Face" de 2010.

ADEMAR AMANCIO disse...

Tô fora.