Mauro Ferreira no G1

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segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Livro 'Indiscotíveis' cresce quando, de fato, discute os discos analisados

Resenha de livro
Título: Indiscotíveis
Autor: Vários sob organização de Itaici Brunetti
Editora: Lote 42
Cotação: * * * 

Livro que se propõe a dissecar 14 emblemáticos álbuns de música brasileira, Indiscotíveis conquista o leitor de imediato por conta da criativa arte gráfica idealizada pela designer Luciana Martins. Um box acomoda sete libretos do tamanho de single de sete polegadas como se esse box fosse uma caixa de vinis. Cada libreto analisa dois discos, sendo que um é o lado A e o outro, o lado B. Todos têm suas capas reinterpretadas por cinco artistas plásticos (Dalton Soares, Gustavo Piqueira, a própria Luciana Martins, Luciano Salles e Yara Fukimoto). Enfim, o livro tem design indiscutivelmente original. Contudo, como os textos foram escritos com total liberdade estilística por jornalistas e músicos, o conteúdo do livro resulta irregular, no todo. Indiscotíveis justifica o drible na regra gramatical do título-trocadilho quando realmente discute o álbum analisado e contextualiza sua força na discografia do artista e na cena musical brasileira. Nesse sentido, é exemplar o texto do jornalista paulistano Pablo Miyazawa sobre Roots (Roadrunner Records, 1996), álbum que dividiu águas e fãs na discografia do Sepultura. Além de revolver as raízes de Roots, Miyazawa analisa o impacto do disco na cena metaleira e na discografia da banda mineira sem jamais sair do tom jornalístico. No lado A deste quinto libreto, o jornalista gaúcho Tiago Agostini é mais pessoal ao abordar Raimundos (Banguela Records, 1994), mas dá conta de dimensionar todo o peso deste álbum de estreia da banda brasiliense, embora com discutíveis argumentos superlativos - como a afirmação de que Rodolfo Abrantes é um dos cinco maiores compositores da história da música brasileira. Aliás, discutível também é a inclusão de álbum de Júpiter Maçã, A sétima efervescência (Trama, 1996), entre os 14 discos selecionados. Mesmo que o foco do livro seja direcionado para a cena pop nativa, o álbum - possivelmente uma escolha pessoal do cantor e compositor paulista Tatá Aeroplano, autor do texto - jamais teve importância suficiente para figurar em antologia tão ampla. Indiscutível é a inclusão no livro de Krig-ha, bandolo! (Philips, 1973), álbum de estreia do cantor e compositor baiano Raul Seixas (1945 - 1989). O disco é analisado pelo cantor, DJ e radialista paulista Kid Vinil com entusiasmo, em tom pessoal que jamais põe o álbum em segundo plano na narrativa. Como acontece no texto sobre Acabou chorare (Som Livre, 1972), escrito pelo historiador e pesquisador musical baiano Luiz Américo Lisboa Junior, que exalta sua terra, critica a música atual da Bahia e relata sua iniciação musical antes de começar realmente a falar do álbum mais importante da discografia do grupo Novos Baianos. Usufruindo da liberdade concedida pelo organizador do livro, Itaici Brunetti, a jornalista paulista Silvia Ribeiro também é excessivamente pessoal em seu texto sobre Solta o pavão (Philips, 1975), um dos discos menos comentados de Jorge Ben Jor, por estar imprensado entre duas obras-primas do artista carioca, A tábua de esmeralda (Philips, 1974) e África Brasil (Philips, 1976). Na contramão dos textos mais pessoais, o músico gaúcho Arthur de Faria faz detalhada análise técnica de Clube da esquina 2 (EMI-Odeon, 1978) - expondo os ousados caminhos harmônicos trilhados por Milton Nascimento com a turma das Geraes - sem deixar de expressar sua admiração pelos artistas mineiros, de contribuições subestimadas na música brasileira, na visão do autor. O entusiasmo de Faria com o álbum duplo de Milton é o mesmo da DJ paulista Miria Alves em relação à trilogia de álbuns da fase Racional de Tim Maia (1942 - 1998). Só que, nesse entusiasmo, Miria parece ignorar que o cantor e compositor carioca já lançara álbuns igualmente importantes - como o Tim Maia (Philips) de 1970 - antes de propagar a cultura racional nesses discos místicos que, como ressalta a autora do texto, flagram Tim imerso em poderosa musicalidade, em que pesem as letras viajantes. No afã de expor as (reais) proezas de Cabeça dinossauro (Warner Music, 1986), álbum que deu identidade aos Titãs, o jornalista paulista Luiz Cesar Pimentel afirma que o disco foi o primeiro da geração anos 1980 do rock brasileiro a romper com a estética gringa, mas o fato é que, naquele mesmo ano de 1986, o trio carioca Paralamas do Sucesso também se descolou da matriz (inglesa, no caso do trio) com o renovador Selvagem? (EMI-Odeon), álbum por ironia analisado com propriedade pelo jornalista paulista Bruno Dias no lado B do sétimo libreto de Indiscotíveis. Enfim, gracioso no formato, Indiscotíveis tem também seu valor editorial. É interessante ler o texto do rapper paulista Emicida sobre o impacto que o álbum O lado B do hip hop (Trama, 2001), do grupo SP Funk, exerceu em sua vida. Mesmo que nem todos os textos mereçam figurar num lado A, o livro é indiscutivelmente atraente para os fãs de discos.

3 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Livro que se propõe a dissecar 14 emblemáticos álbuns de música brasileira, Indiscotíveis conquista o leitor de imediato por conta da criativa arte gráfica idealizada pela designer Luciana Martins. Um box acomoda sete libretos do tamanho de single de sete polegadas como se esse box fosse uma caixa de vinis. Cada libreto analisa dois discos, sendo que um é o lado A e o outro, o lado B. Todos têm suas capas reinterpretadas por cinco artistas plásticos (Dalton Soares, Gustavo Piqueira, a própria Luciana Martins, Luciano Salles e Yara Fukimoto). Enfim, o livro tem design indiscutivelmente original. Contudo, como os textos foram escritos com total liberdade estilística por jornalistas e músicos, o conteúdo do livro resulta irregular, no todo. Indiscotíveis justifica o drible na regra gramatical do título-trocadilho quando realmente discute o álbum analisado e contextualiza sua força na discografia do artista e na cena musical brasileira. Nesse sentido, é exemplar o texto do jornalista paulistano Pablo Miyazawa sobre Roots (Roadrunner Records, 1996), álbum que dividiu águas e fãs na discografia do Sepultura. Além de revolver as raízes de Roots, Miyazawa analisa o impacto do disco na cena metaleira e na discografia da banda mineira sem jamais sair do tom jornalístico. No lado A deste quinto libreto, o jornalista gaúcho Tiago Agostini é mais pessoal ao abordar Raimundos (Banguela Records, 1994), mas dá conta de dimensionar todo o peso deste álbum de estreia da banda brasiliense, embora com discutíveis argumentos superlativos - como a afirmação de que Rodolfo Abrantes é um dos cinco maiores compositores da história da música brasileira. Aliás, discutível também é a inclusão de álbum de Júpiter Maçã, A sétima efervescência (Trama, 1996), entre os 14 discos selecionados. Mesmo que o foco do livro seja direcionado para a cena pop nativa, o álbum - possivelmente uma escolha pessoal do cantor e compositor paulista Tatá Aeroplano, autor do texto - jamais teve importância suficiente para figurar em antologia tão ampla. Indiscutível é a inclusão no livro de Krig-ha, bandolo! (Philips, 1973), álbum de estreia do cantor e compositor baiano Raul Seixas (1945 - 1989). O disco é analisado pelo cantor, DJ e radialista paulista Kid Vinil com entusiasmo, em tom pessoal que jamais põe o álbum em segundo plano na narrativa. Como acontece no texto sobre Acabou chorare (Som Livre, 1972), escrito pelo historiador e pesquisador musical baiano Luiz Américo Lisboa Junior, que exalta sua terra, critica a música atual da Bahia e relata sua iniciação musical antes de começar realmente a falar do álbum mais importante da discografia do grupo Novos Baianos.

Mauro Ferreira disse...

Usufruindo da liberdade concedida pelo organizador do livro, Itaici Brunetti, a jornalista paulista Silvia Ribeiro também é excessivamente pessoal em seu texto sobre Solta o pavão (Philips, 1975), um dos discos menos comentados de Jorge Ben Jor, por estar imprensado entre duas obras-primas do artista carioca, A tábua de esmeralda (Philips, 1974) e África Brasil (Philips, 1976). Na contramão dos textos mais pessoais, o músico gaúcho Arthur de Faria faz detalhada análise técnica de Clube da esquina 2 (EMI-Odeon, 1978) - expondo os ousados caminhos harmônicos trilhados por Milton Nascimento com a turma das Geraes - sem deixar de expressar sua admiração pelos artistas mineiros, de contribuições subestimadas na música brasileira, na visão do autor. O entusiasmo de Faria com o álbum duplo de Milton é o mesmo da DJ paulista Miria Alves em relação à trilogia de álbuns da fase Racional de Tim Maia (1942 - 1998). Só que, nesse entusiasmo, Miria parece ignorar que o cantor e compositor carioca já lançara álbuns igualmente importantes - como o Tim Maia (Philips) de 1970 - antes de propagar a cultura racional nesses discos místicos que, como ressalta a autora do texto, flagram Tim imerso em poderosa musicalidade, em que pesem as letras viajantes. No afã de expor as (reais) proezas de Cabeça dinossauro (Warner Music, 1986), álbum que deu identidade aos Titãs, o jornalista paulista Luiz Cesar Pimentel afirma que o disco foi o primeiro da geração anos 1980 do rock brasileiro a romper com a estética gringa, mas o fato é que, naquele mesmo ano de 1986, o trio carioca Paralamas do Sucesso também se descolou da matriz (inglesa, no caso do trio) com o renovador Selvagem? (EMI-Odeon), álbum por ironia analisado com propriedade pelo jornalista paulista Bruno Dias no lado B do sétimo libreto de Indiscotíveis. Enfim, gracioso no formato, Indiscotíveis tem também seu valor editorial. É interessante ler o texto do rapper paulista Emicida sobre o impacto que o álbum O lado B do hip hop (Trama, 2001), do grupo SP Funk, exerceu em sua vida. Mesmo que nem todos os textos mereçam figurar num lado A, o livro é indiscutivelmente atraente para os fãs de discos.

ZHenrique Miranda disse...

Esse filão de livros sobre discos clássicos está começando a ser explorado no Brasil.
Acho bem legal.
Afinal, quase tão bom quanto ouvir é ler sobre eles.
Agora, realmente, mas realmente(pra lembrar a Blitz) Rodolfo Bola de Neve como um dos cinco melhores letristas do Brasil!
Ahahhahahahahahhaahhhaa
O cara tinha personalidade própria na escrita, claro, mas daí a... o cara não tem vergonha de escrever isso?
Pico imaginando o parâmetro do cidadão.
Também concordo com o Mauro, o do Júpiter Maçã tá aí de enxerido.

PS: Bacana a mudança de rumo do blog, Mauro.
A música brasileira, pese os Matusaléns saudosistas, está em momento fértil.