Mauro Ferreira no G1

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terça-feira, 12 de maio de 2015

Sem 'traduzir' Aracy, livro perfila a cantora com compilação de depoimentos

Resenha de livro
Título: Aracy de Almeida - Não tem tradução
Autor: Eduardo Logullo
Editora: Veneta
Cotação: * * 1/2

"Este livro evita fazer um relato biográfico historicista. A intenção autoral / editorial é interpretar Aracy de Almeida a partir de centenas de frases, entrevistas, depoimentos de artistas ou de escritores, transcrições, fatos curiosos, vivências, brigas, quiproquós, babados e embates, além de muitas outras referências e reverências". Com esse texto de tom defensivo, publicado na orelha do seu livro Aracy de Almeida - Não tem tradução (2014), o jornalista e escritor Eduardo Logullo já se exime de qualquer responsabilidade na cobrança de eventuais falhas da única obra relevante produzida para festejar o centenário de nascimento da cantora carioca Aracy de Almeida (19 de agosto de 1914 - 20 de junho de 1988), ignorado pela indústria fonográfica brasileira. Sem ter feito um trabalho de investigação jornalística que revelasse fatos até então ocultos da vida de Araci Telles de Almeida, Logullo se limita a reproduzir - numa edição charmosa, justiça seja feita - depoimentos da artista e de nomes que conviveram com ela. Retirados de entrevistas de jornais, de revistas e de programas de TV, além de outros outros livros que enfocaram a cantora, tais depoimentos perfilam A Dama do Encantado no tom leve de um almanaque, soando por vezes repetitivos. As questões da artista com a obra de Noel Rosa (1910 - 1937), o compositor carioca de quem é considerada a intérprete mais apurada, se repetem ao longo das páginas, por exemplo. Escritos com estilo, os breves textos originais ajudam a dar ao livro uma certa verve condizente com o temperamento atribuído à Araca. A personagem em si é ótima. Para muitos somente a jurada rabugenta de programas de calouro exibidos na TV dos anos 1970 e 1980, Aracy de Almeida foi uma das grandes cantoras do seu tempo. Para alguns, como Paulinho da Viola, ela foi a sambista da fase pré-Bossa Nova. Uma mulher feia, de aparência masculinizada, que harmonizava seus preceitos bíblicos com a militância no universo da malandragem. Frasista, Aracy tinha medo de avião, cultuava seus gatos, era amiga de pintores famosos como Dei Cavalcanti (1897 - 1976) e se orgulhava de seus seios harmoniosos, exibidos em público se as circunstâncias justificassem a nudez parcial. Tida como o samba em pessoa, Aracy amou cantar Noel Rosa, mas detestou ser conhecida como A voz do morto, epíteto reproduzido pelo compositor Caetano Veloso na música que fez em 1968 para a cantora, já então desestimulada de seguir na profissão que lhe deu fama nos anos 1930. Intérprete precisa de Noel e de outros compositores como o carioca Custódio Mesquita (1910 - 1945) - de quem lançou o samba-canção Saia do caminho (Custódio Mesquita e Evaldo Ruy) em 1946 - e o mineiro Ary Barroso (1903 - 1964), cuja Camisa amarela vestiu bem em Aracy em 1939. Tudo isso está nos depoimentos (uns poucos foram colhidos pelo autor) reproduzidos em Aracy de Almeida - Não tem tradução, livro que cumpre a missão de não traduzir a lendária e improvável personagem, que ainda merece biografia alentada, produto de esforço de reportagem jornalística.

Um comentário:

Mauro Ferreira disse...

♪ "Este livro evita fazer um relato biográfico historicista. A intenção autoral / editorial é interpretar Aracy de Almeida a partir de centenas de frases, entrevistas, depoimentos de artistas ou de escritores, transcrições, fatos curiosos, vivências, brigas, quiproquós, babados e embates, além de muitas outras referências e reverências". Com esse texto de tom defensivo, publicado na orelha do seu livro Aracy de Almeida - Não tem tradução (2014), o jornalista e escritor Eduardo Logullo já se exime de qualquer responsabilidade na cobrança de eventuais falhas da única obra relevante produzida para festejar o centenário de nascimento da cantora carioca Aracy de Almeida (19 de agosto de 1914 - 20 de junho de 1988), ignorado pela indústria fonográfica brasileira. Sem ter feito um trabalho de investigação jornalística que revelasse fatos até então ocultos da vida de Araci Telles de Almeida, Logullo se limita a reproduzir - numa edição charmosa, justiça seja feita - depoimentos da artista e de nomes que conviveram com ela. Retirados de entrevistas de jornais, de revistas e de programas de TV, além de outros outros livros que enfocaram a cantora, tais depoimentos perfilam A Dama do Encantado no tom leve de um almanaque, soando por vezes repetitivos. As questões da artista com a obra de Noel Rosa (1910 - 1937), o compositor carioca de quem é considerada a intérprete mais apurada, se repetem ao longo das páginas, por exemplo. Escritos com estilo, os breves textos originais ajudam a dar ao livro uma certa verve condizente com o temperamento atribuído à Araca. A personagem em si é ótima. Para muitos somente a jurada rabugenta de programas de calouro exibidos na TV dos anos 1970 e 1980, Aracy de Almeida foi uma das grandes cantoras do seu tempo. Para alguns, como Paulinho da Viola, ela foi a sambista da fase pré-Bossa Nova. Uma mulher feia, de aparência masculinizada, que harmonizava seus preceitos bíblicos com a militância no universo da malandragem. Frasista, Aracy tinha medo de avião, cultuava seus gatos, era amiga de pintores famosos como Dei Cavalcanti (1897 - 1976) e se orgulhava de seus seios harmoniosos, exibidos em público se as circunstâncias justificassem a nudez parcial. Tida como o samba em pessoa, Aracy amou cantar Noel Rosa, mas detestou ser conhecida como A voz do morto, epíteto reproduzido pelo compositor Caetano Veloso na música que fez em 1968 para a cantora, já então desestimulada de seguir na profissão que lhe deu fama nos anos 1930. Intérprete precisa de Noel e de outros compositores como o carioca Custódio Mesquita (1910 - 1945) - de quem lançou o samba-canção Saia do caminho (Custódio Mesquita e Evaldo Ruy) em 1946 - e o mineiro Ary Barroso (1903 - 1964), cuja Camisa amarela vestiu bem em Aracy em 1939. Tudo isso está nos depoimentos (uns poucos foram colhidos pelo autor) reproduzidos em Aracy de Almeida - Não tem tradução, livro que cumpre a missão de não traduzir a lendária e improvável personagem, que ainda merece biografia alentada, produto de esforço de reportagem jornalística.