Mauro Ferreira no G1

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segunda-feira, 11 de maio de 2015

Em passo irregular, 'Dancê' encobre com grooves desgaste da obra de Tulipa

Resenha de CD
Título: Dancê
Artista: Tulipa Ruiz
Gravadora: Pommelo Distribuições
Cotação: * * 1/2 

Terceiro álbum de Tulipa Ruiz, Dancê põe a cantora e compositora paulistana em movimento já traduzido visualmente pelo gracioso projeto gráfico criado por Tereza Bettinardi a partir dos desenhos da própria Tulipa. A chave do projeto está na luva que cobre a capa do CD e que, dependendo da forma como for manuseada, cria a ilusão de que os desenhos da artista se movimentam. Produzido por Gustavo Ruiz, parceiro de Tulipa em dez das onze músicas do disco, Dancê flagra Tulipa nesse passo rumo a uma pista em que cabem múltiplas referências das músicas dos anos 1970 e 1980. É um disco repleto de metais na maioria de suas 11 faixas, mas que sopra um certo desgaste da parceria de Tulipa com o mano Gustavo. Como já sinalizara Proporcional (Tulipa Ruiz e Gustavo Ruiz), frustrante single disponibilizado para download gratuito no portal do projeto Natura Musical (um dos patrocinadores do disco) em 14 de abril de 2015, as intenções, os grooves e os arranjos (geralmente primorosos) por vezes são bem melhores do que as músicas em si. Algumas letras deixam a impressão de terem sido meramente rascunhadas no estúdio para evitar atrasos no cronograma de gravação do disco - caso sobretudo da letra de Reclame (Tulipa Ruiz, Gustavo Ruiz, Caio Lopes, Marcio Arantes e Luiz Chagas), música que segue passos heterodoxos, mostrando que Dancê não se joga em pistas óbvias. Álbum que revelou Tulipa há cinco anos com repertório pautado pela fofura pop, Efêmera (YB Music, 2010) também soou irregular, mas trouxe um punhado de canções - Efêmera, Só sei dançar com você, Pontual, A ordem das árvores - que justificaram o culto ao disco. Decorridos dois anos, Tudo tanto (Independente, 2012) encorpou o som de Tulipa com camadas que injetaram veneno na sua veia pop com repertório inspirado. Nesse quesito autoral, Dancê representa passo à trás na discografia de Tulipa. Mas a produção capitaneada por Gustavo é perfeita, valorizando cada música com os adornos necessários. Introduzida por um agudíssimo "Começou", Prumo (Tulipa Ruiz e Gustavo Ruiz) dá a pista do disco com seu groove funky. Mas nem sempre se consegue entender a letra. Embora seja a grande cantora de sua geração, Tulipa se atropela com a rapidez com que encara essa letra - problema evidenciado também em Proporcional, cujos versos propõem ajuste real às medidas do amor. Um dos destaques do repertório, Tafetá (Tulipa Ruiz e Gustavo Ruiz) cai no suingue latino típico de seu convidado João Donato, que canta e toca seu fender rhodes com aquela bossa que é apenas sua. Tafetá soa com a cara de Donato. Elixir (Tulipa Ruiz e Gustavo Ruiz) tenta massagear o esqueleto, mas induz ao sono, apesar da pulsação dos metais orquestrados por Jacques Mathias. Assim como Elixir, Expirou (Tulipa Ruiz e Gustavo Ruiz) - faixa formatada com a guitarra emblemática de Lanny Gordin (não explorada em todas suas possibilidades e efeitos) - exemplifica e reitera a inspiração rarefeita de parte do repertório de Dancê. Jogo do contente (Tulipa Ruiz e Gustavo Ruiz) vira o placar a favor de Tulipa. É uma música explicitamente pop, desencanada, perfeita para a pista. Faixa já previamente lançada como o segundo single do álbum, Virou (Tulipa Ruiz, Gustavo Ruiz, Felipe Cordeiro, Manoel Cordeiro e Luiz Chagas) mantém o placar favorável. Os toques das guitarras de Felipe Cordeiro e Manoel Cordeiro desviam momentaneamente Dancê de seus trilhos urbanos para evocar os sons regionais do Norte do Brasil. Felipe divide a interpretação da música com Tulipa. Tema malhado com os sintetizadores, a guitarra e o baixo do convidado Alexandre Kassin, Físico (Tulipa Ruiz e Gustavo Ruiz) - composição assumidamente inspirada por Physical (Steve Kniper e Terry Shaddick, 1981), hit dance-pop da cantora Olivia Newton-John - ecoa batidas de disco music, evidenciando que Dancê se equilibra bem entre sons orgânicos e timbres eletrônicos. Única música assinada somente por Tulipa, Old boy é canção embebida em soul que quebra intencionalmente o ritmo dançante do álbum. Se seguida a ordem das faixas de Dancê, a pista corre o risco de ficar esvaziada no fim do disco, já que a densa última faixa, Algo maior (Tulipa Ruiz, Gustavo Ruiz e Luiz Chagas) - música registrada com o grupo Metá Metá - engrandece Dancê, propondo algo maior do que uma música pura e simplesmente dançante. Algo maior é a Víbora (Tulipa Ruiz, Criolo, Caio Lopes, Gustavo Ruiz e Luiz Chagas, 2012) de Dancê. Fora do trilho pop, Algo maior ganha proporção progressiva ao longo de seu cinco minutos e 39 segundos, culminando com polifonia anárquica. Pelo arranjo, é grande fecho para disco que caminha em movimentos irregulares, indicando que Tulipa Ruiz precisa abrir o leque de parceiros para oxigenar seu cancioneiro autoral. Descontados os grooves, os adornos dos arranjos espertos e os floreios vocais da ótima cantora, o que fica na pista - à luz do dia - é uma obra (já) com sinais de cansaço.

18 comentários:

Mauro Ferreira disse...

♪ Terceiro álbum de Tulipa Ruiz, Dancê põe a cantora e compositora paulistana em movimento já traduzido visualmente pelo gracioso projeto gráfico criado por Tereza Bettinardi a partir dos desenhos da própria Tulipa. A chave do projeto está na luva que cobre a capa do CD e que, dependendo da forma como for manuseada, cria a ilusão de que os desenhos da artista se movimentam. Produzido por Gustavo Ruiz, parceiro de Tulipa em dez das onze músicas do disco, Dancê flagra Tulipa nesse passo rumo a uma pista em que cabem múltiplas referências das músicas dos anos 1970 e 1980. É um disco repleto de metais na maioria de suas 11 faixas, mas que sopra um certo desgaste da parceria de Tulipa com o mano Gustavo. Como já sinalizara Proporcional (Tulipa Ruiz e Gustavo Ruiz), frustrante single disponibilizado para download gratuito no portal do projeto Natura Musical (um dos patrocinadores do disco) em 14 de abril de 2015, as intenções, os grooves e os arranjos (geralmente primorosos) por vezes são bem melhores do que as músicas em si. Algumas letras deixam a impressão de terem sido meramente rascunhadas no estúdio para evitar atrasos no cronograma de gravação do disco - caso sobretudo da letra de Reclame (Tulipa Ruiz, Gustavo Ruiz, Caio Lopes, Marcio Arantes e Luiz Chagas), música que segue passos heterodoxos, mostrando que Dancê não se joga em pistas óbvias. Álbum que revelou Tulipa há cinco anos com repertório pautado pela fofura pop, Efêmera (YB Music, 2010) também soou irregular, mas trouxe um punhado de canções - Efêmera, Só sei dançar com você, Pontual, A ordem das árvores - que justificaram o culto ao disco. Decorridos dois anos, Tudo tanto (Independente, 2012) encorpou o som de Tulipa com camadas que injetaram veneno na sua veia pop com repertório inspirado.

Mauro Ferreira disse...

Nesse quesito autoral, Dancê representa passo à trás na discografia de Tulipa. Mas a produção capitaneada por Gustavo é perfeita, valorizando cada música com os adornos necessários. Introduzida por um agudíssimo "Começou", Prumo (Tulipa Ruiz e Gustavo Ruiz) dá a pista do disco com seu groove funky. Mas nem sempre se consegue entender a letra. Embora seja a grande cantora de sua geração, Tulipa se atropela com a rapidez com que encara essa letra - problema evidenciado também em Proporcional, cujos versos propõem ajuste real às medidas do amor. Um dos destaques do repertório, Tafetá (Tulipa Ruiz e Gustavo Ruiz) cai no suingue latino típico de seu convidado João Donato, que canta e toca seu fender rhodes com aquela bossa que é apenas sua. Tafetá soa com a cara de Donato. Elixir (Tulipa Ruiz e Gustavo Ruiz) tenta massagear o esqueleto, mas induz ao sono, apesar da pulsação dos metais orquestrados por Jacques Mathias. Assim como Elixir, Expirou (Tulipa Ruiz e Gustavo Ruiz) - faixa formatada com a guitarra emblemática de Lanny Gordin (não explorada em todas suas possibilidades e efeitos) - exemplifica e reitera a inspiração rarefeita de parte do repertório de Dancê. Jogo do contente (Tulipa Ruiz e Gustavo Ruiz) vira o placar a favor de Tulipa. É uma música explicitamente pop, desencanada, perfeita para a pista. Faixa já previamente lançada como o segundo single do álbum, Virou (Tulipa Ruiz, Gustavo Ruiz, Felipe Cordeiro, Manoel Cordeiro e Luiz Chagas) mantém o placar favorável. Os toques das guitarras de Felipe Cordeiro e Manoel Cordeiro desviam momentaneamente Dancê de seus trilhos urbanos para evocar os sons regionais do Norte do Brasil. Felipe divide a interpretação da música com Tulipa. Tema malhado com os sintetizadores, a guitarra e o baixo do convidado Alexandre Kassin, Físico (Tulipa Ruiz e Gustavo Ruiz) - composição assumidamente inspirada por Physical (Steve Kniper e Terry Shaddick, 1981), hit dance-pop da cantora Olivia Newton-John - ecoa batidas de disco music, evidenciando que Dancê se equilibra bem entre sons orgânicos e timbres eletrônicos. Única música assinada somente por Tulipa, Old boy é canção embebida em soul que quebra intencionalmente o ritmo dançante do álbum. Se seguida a ordem das faixas de Dancê, a pista corre o risco de ficar esvaziada no fim do disco, já que a densa última faixa, Algo maior (Tulipa Ruiz, Gustavo Ruiz e Luiz Chagas) - música registrada com o grupo Metá Metá - engrandece Dancê, propondo algo maior do que uma música pura e simplesmente dançante. Algo maior é a Víbora (Tulipa Ruiz, Criolo, Caio Lopes, Gustavo Ruiz e Luiz Chagas, 2012) de Dancê. Fora do trilho pop, Algo maior ganha proporção progressiva ao longo de seu cinco minutos e 39 segundos, culminando com polifonia anárquica. Pelo arranjo, é grande fecho para disco que caminha em movimentos irregulares, indicando que Tulipa Ruiz precisa abrir o leque de parceiros para oxigenar seu cancioneiro autoral. Descontados os grooves, os adornos dos arranjos espertos e os floreios vocais da ótima cantora, o que fica na pista - à luz do dia - é uma obra (já) com sinais de cansaço.

Fabio disse...

Não disponibilizou download gratuito então não comprei! Pq os 2 primeiros albums mais singles foram liberados para baixar e Dancê não?

Rafael disse...

Também achei estranho ela não disponibilizar o disco para download gratuito... Vai entender...

Rafael disse...

Achei o disco no geral bom, mas não é tudo isso... Gostei de "Proporcional" mais do que "Virou", que é uma música enjoadinha...

Bruno Cavalcanti disse...

Por algum motivo esse disco me desceu melhor do que "Tudo Tanto" que, embora seja bom, me pareceu muito indie, com letras estranhas. Esse ainda me soa da mesma forma, mas acho que está embalado em produção mais caprichada.

BIGODE disse...

Achei bem ruim disco fraco, insosso, bobo...só a capa é interessante, a coisa 'dance' incomoda demais, parece pop ruim dos anos 80...
Tulipa é uma grande cantora com uma grande carreira pela frente com muitos erros e acertos....errou feio dessa vez
Espero que venha algo melhor da proxima vez

Unknown disse...

Concordo que o cd ficou bem produzido e os arranjos são bem elaborados. A Tulipa tem uma voz interessante, mas dizer que ela é a grande cantora da sua geração, acho um exagero. Na minha opinião, esses floreios vocais, soam como um maneirismo vocal exagerado e caricato, quase irritante, pondo tudo a perder. Já as composições continuam bem irregulares, principalmente as letras.

Douglas Carvalho disse...

Ai. Mauro, com todo o respeito à Tulipa como cantora, que é ótima, mas como compositora ela já era irregular desde o Efêmera. Tava na cara que ali não tinha bala na agulha pra muitos discos.

Chico disse...

Concordo com Val e Douglas, sobre os floreios vocais irritantes e sobre a limitação dela como compositora. Por esses motivos discordo que ela seja A cantora da geração. Em termos de canto, acho a Silvia Machete e Andria Dias muito mais finas e não ficam exibindo a capacidade de cantar notas altas. Sobre o disco, achei mais do mesmo e os metais excessivos.

Rhenan Soares disse...

Eu adoro a Tulipa, mas o melhor disco ainda é "Efêmera". Eu não entendi o porquê de tooodosss esses metais em "Dancê" e também acho os ~ floreios vocais ~ da Tulipa enlouquecedoramente (!!!) irritantes (e olha que sou acostumado com gritos). Disco fraquinho, bobinho. Gosto de "Virou", isolada. No álbum fica perdida no meio de tantos recursos parecidos (em letras, melodias e arranjos). Ouvi uma vez e nem sei se consegui prestar atenção em tudo, na verdade. Bem enfadonho... =/

Vinny disse...

Achei o CD ótimo! É bobo, às vezes, mas soa muito bem aos meus ouvidos. E dentro desse disco tem coisas ótimas tb, exemplo de 'Algo Maior'.

Victor Moraes, disse...

Não deve ter o disco gratuito por questão contratual com a Natura. De resto, acho que tulipa já deu esse sinal de cansaço antes e só me deu certeza disso na primeira música lançada desse - que não me fez ter vontade de ouvir o restante.

ADEMAR AMANCIO disse...

Me parece que o crítico não gostou do Disco,e pouca gente percebeu.

Raffa disse...

Gostei deste disco, achei as faixas menos repetitivas em relação ao Tudo Tanto. Os metais deixaram o som mais criativo e mais denso.

As canções podem não ser uma primazia, mas já tratam de outros assuntos - concordo com o Mauro que seria benéfico à ela ampliar o leque de parceiros (o que ficou claro nas faixas com João Donato e Metá Metá), tanto nas composições como na produção do disco.

Acredito que ouvindo com mais atenção, a gente acaba reconhecendo o valor deste trabalho, independente da quantidade de estrelas. Há um mês, postei que não gostara do novo disco do Cidadão Instigado e, ouvindo com mais dedicação, passei a "descobrir" coisas legais que não ficaram tão claras à primeira audição. Vale o exercício.

Unknown disse...

O álbum foge do "indiezinho com letrinha bonitinha" que é o padrão dessa cena atual (até da Tulipa talvez). Aí muita gente não gosta. Pra mim representou bastante maturidade. Não procurando fazer músicas "certinhas" ou que agradem pela estranheza, ela mostra que consegue se manter no seu lugar mesmo depois que a onda passar.

N. Leme disse...

O que sinto da Tulipa, do Efêmera para cá, é que seu som se adaptou ao pop. O primeiro álbum foi uma gostosa descoberta que me fez ir em muitos shows e adorar a voz firulenta da cantora. Já no segundo e terceiro, senti uma decepção. Confesso que não tentei muito, nenhum dos dois, mas faltou vontade, e diante do prazer que eu tinha ao ouvir Efêmera, já deu para sentir que algo muito bom (aos meus ouvidos) tinha ficado no passado. Inclusive suas novas firulas e gritos, hoje mal posso suportar, acho exagerado, acho cansativo... Sei lá, talvez eu tenha amadurecido musicalmente, enquanto seu som caminha cada vez mais rumo ao pop.

pedrita a gay disse...

Achei o álbum muito bom e interessante, seus vocais afirmam sua marca, deixando as músicas do jeito dela, uma identidade. "Gritos" totalmente necessários e que deixam cada música mais gostosa de se ouvir. Francamente não achei nenhuma letra boba e sua misturas de ritmos dos anos 80,90 são boas.