Mauro Ferreira no G1

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segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Calorosa, Jambeiro levanta poeira e reacende o Brasil caboclo com 'Fogaréu'

Resenha de CD
Título: Fogaréu
Artista: Renata Jambeiro
Gravadora: Fina Flor
Cotação: * * * * 

"Levanta / Que o hoje dia canta". Os versos iniciais de Levanta (2015) - samba gravado com pé na roça que abre o terceiro álbum de Renata Jambeiro, Fogaréu - já dão o tom caloroso do disco e da voz desta cantora de origem brasiliense radicada na cidade do Rio de Janeiro (RJ) desde 2013. Cantora que também é compositora, assinando Levanta com João Martins e, sozinha, o samba-afro Pra curar dor de amor (2015), outra inédita apresentada entre as 12 músicas do abrasador álbum de Jambeiro. Produzido em ponto de fervura por Leandro Fregonesi com Nicolas Krassik, Fogaréu reacende a chama de um Brasil caboclo, pautado pelo samba de molde tradicional, ritmo de faixas como Migalha (Rafael dos Santos, 2015), mas com incursões por outros gêneros brasileiros e com um pé na África. Fogaréu é a cara rítmica de um Brasil miscigenado cuja fértil terra musical dá tanto samba de acento forrozeiro como Amor brasileiro (Ciraninho, 2015) - gravado com mix de instrumentos associados ao samba e aos ritmos nordestinos, evocados sobretudo pelo acordeom de Marcelo Caldi -  como afro-samba da lavra da dupla formada por Toquinho em 1970 com Vinicius de Moraes (1913 - 1980), Canto de Oxum (1971), reavivado por Jambeiro com as adesões vocais de Fabiana Cozza e Nilze Carvalho. Jambeiro valoriza repertório (quase) sempre interessante com voz quente que descende da linhagem nobre de Clara Nunes (1942 - 1983), cantora que, embora mais identificada com o samba, deu voz a um Brasil mestiço. Nessa fusão de ritmos e sotaques, Jambeiro deixa ótima impressão ao balançar Xequeré (Nei Lopes, Magnu Souza e Maurício Oliveira, 2005) - tema que remete tanto à mãe África quanto à morena de Angola criada por Chico Buarque para Clara em 1980  - e ao dar tom de serenata à Cantiga para ninar meu namorado (Carlos Nasser e Elias Jabur, 1994), recorrendo ao violino de Nicolas Krassik para realçar o acento seresteiro em arranjo que tira todo o resquício brega da música que batizou há 21 anos o pior álbum da discografia de Fafá de Belém. Contrariando o nome,  a música-título Fogareú (Leandro Fregonesi, 2015) sopra fresca brisa africana em levada que evoca as mornas de Cabo Verde. Música menos sedutora dentro da boa amostra de Fogaréu, Dança de Oyá (João Martins e Raul DiCaprio, 2015) reacende a evocação de Clara Nunes sem que Jambeiro soe como clone da luminosa antecessora. O tocador é bom (Moacyr Luz, 1998) mantém alto o fogo rítmico do disco, propagando a própria mestiçagem de um Brasil folclórico e religioso. Um Brasil festeiro como o retratado na arretada regravação do baião Coroné Antonio Bento (Luiz Wanderley e João do Vale, 1970), apresentado ao Brasil há 45 anos por Tim Maia (1942 - 1998). O registro de Jambeiro é faiscante e tem a chama da voz de Chico César, cantor e compositor paraibano que transita com desenvoltura pelos arrasta-pés da nação nordestina. No fecho do disco, Jambeiro perfila Vovó Teté (Leandro Fregonesi) no mesmo clima forrozeiro. Sucessor dos álbuns Jambeiro (GRV Discos, 2007) e Sambaluayê (Fonomatic / Tratore, 2012) na discografia de estúdio da artista, Fogaréu espalha altas chamas do canto caloroso de Renata Jambeiro, levantando poeira no terreirão do samba mestiço com voz calorosa que merece projeção nacional neste país de cantoras.

4 comentários:

Mauro Ferreira disse...

♪ "Levanta / Que o hoje dia canta". Os versos iniciais de Levanta (2015) - samba gravado com pé na roça que abre o terceiro álbum de Renata Jambeiro, Fogaréu - já dão o tom caloroso do disco e da voz desta cantora de origem brasiliense radicada na cidade do Rio de Janeiro (RJ) desde 2013. Cantora que também é compositora, assinando Levanta com João Martins e, sozinha, o samba-afro Pra curar dor de amor (2015), outra inédita apresentada entre as 12 músicas do abrasador álbum de Jambeiro. Produzido em ponto de fervura por Leandro Fregonesi com Nicolas Krassik, Fogaréu reacende a chama de um Brasil caboclo, pautado pelo samba de molde tradicional, ritmo de faixas como Migalha (Rafael dos Santos, 2015), mas com incursões por outros gêneros brasileiros e com um pé na África. Fogaréu é a cara rítmica de um Brasil miscigenado cuja fértil terra musical dá tanto samba de acento forrozeiro como Amor brasileiro (Ciraninho, 2015) - gravado com mix de instrumentos associados ao samba e aos ritmos nordestinos, evocados sobretudo pelo acordeom de Marcelo Caldi - como afro-samba da lavra da dupla formada por Toquinho em 1970 com Vinicius de Moraes (1913 - 1980), Canto de Oxum (1971), reavivado por Jambeiro com as adesões vocais de Fabiana Cozza e Nilze Carvalho. Jambeiro valoriza repertório (quase) sempre interessante com voz quente que descende da linhagem nobre de Clara Nunes (1942 - 1983), cantora que, embora mais identificada com o samba, deu voz a um Brasil mestiço. Nessa fusão de ritmos e sotaques, Jambeiro deixa ótima impressão ao balançar Xequeré (Nei Lopes, Magnu Souza e Maurício Oliveira, 2005) - tema que remete tanto à mãe África quanto à morena de Angola criada por Chico Buarque para Clara em 1980 - e ao dar tom de serenata à Cantiga para ninar meu namorado (Carlos Nasser e Elias Jabur, 1994), recorrendo ao violino de Nicolas Krassik para realçar o acento seresteiro em arranjo que tira todo o resquício brega da música que batizou há 21 anos o pior álbum da discografia de Fafá de Belém. Contrariando o nome, a música-título Fogareú (Leandro Fregonesi, 2015) sopra fresca brisa africana em levada que evoca as mornas de Cabo Verde. Música menos sedutora dentro da boa amostra de Fogaréu, Dança de Oyá (João Martins e Raul DiCaprio, 2015) reacende a evocação de Clara Nunes sem que Jambeiro soe como clone da luminosa antecessora. O tocador é bom (Moacyr Luz, 1998) mantém alto o fogo rítmico do disco, propagando a própria mestiçagem de um Brasil folclórico e religioso. Um Brasil festeiro como o retratado na arretada regravação do baião Coroné Antonio Bento (Luiz Wanderley e João do Vale, 1970), apresentado ao Brasil há 45 anos por Tim Maia (1942 - 1998). O registro de Jambeiro é faiscante e tem a chama da voz de Chico César, cantor e compositor paraibano que transita com desenvoltura pelos arrasta-pés da nação nordestina. No fecho do disco, Jambeiro perfila Vovó Teté (Leandro Fregonesi) no mesmo clima forrozeiro. Sucessor dos álbuns Jambeiro (GRV Discos, 2007) e Sambaluayê (Fonomatic / Tratore, 2012) na discografia de estúdio da artista, Fogaréu espalha altas chamas do canto caloroso de Renata Jambeiro, levantando poeira no terreirão do samba mestiço com voz calorosa que merece projeção nacional neste país de cantoras.

Pedro Bó disse...

Renata é um furacão. Quem acompanhou o trabalho dela desde as primeiras apresentações aqui em Brasília sabe do seu calor e potencial. Desde a primeira audição, Fogaréu me encantou. Vale muito conferir.

Rhenan Soares disse...

Ahh, Mauro, que feliz você escrevendo sobre o trabalho da Renata! Ela é maravilhosa!! <3

Marcos Lúcio disse...

Com toda certeza deve ser um disco brasileiríssimo ( em nível ancestral, afro, quente e miscigenado) e delicioso como um acarajé ou um suco de cupuaçu. Olhei uns videos dela e fiquei muitíssimo bem impressionado com tudo que vi. Vou comprar o cd e ficar ligado para não perder o próximo show. Ela é da minha gira rs. Sua crítica está excelente e estimulante, como é o trabalho dela, pelo que pude observar.