Mauro Ferreira no G1

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terça-feira, 17 de março de 2015

Biografia evidencia grandeza da arte de Elis entre pequenezas humanas

Resenha de livro
Título: Elis Regina - Nada será como antes
Autor: Julio Maria
Editora: Master Books
Cotação: * * * * *

Elis Regina Carvalho Costa (17 de março de 1945 - 19 de janeiro de 1982) - cantora gaúcha que poderia estar festejando hoje 70 anos de vida se há 33 não tivesse saído precocemente de cena por conta de letal mistura acidental de cinzano com cocaína - foi grande. Para muitos, a maior cantora do Brasil desde que o samba é samba pela afinação ímpar, pela antenada musicalidade típica de músicos e pela alma que punha em cada interpretação, mesmo quando parecia pautada pela frieza técnica. O jornalista paulistano Julio Maria expõe e ressalta a grandeza de Elis ao longo das 424 páginas de sua biografia da cantora. Lançado oficialmente hoje em São Paulo (SP), Elis Regina - Nada será como antes chegou às livrarias com o aval dos herdeiros da artista - decisão que contribui positivamente para a acalorada discussão sobre a censura prévia de biografias de pessoas públicas. Ao escrever com texto estiloso uma biografia que pode ser considerada definitiva, Julio Maria mostra que é possível fazer um relato verdadeiro da personalidade de um artista - sem maquiar os fatos e sem ocultar os defeitos desse ser, afinal, humano - e, ao mesmo tempo, evidenciar as qualidades artísticas do biografado que, no caso de Elis, eram muitas e únicas. O livro reconta a vida de Elis como ela foi, com todas as mesquinharias cotidianas, todas as traições conjugais - retribuídas pelos maridos da cantora, diga-se - e toda a insegurança absurda que levou a cantora a competir até com a própria a sombra. A decisão de Elis de parar de cantar Romaria - a composição de Renato Teixeira que ela lançara com retumbante sucesso nacional em seu álbum de 1977 - ilustra bem a paranoia de uma cantora de mente atormentada que poderia se sentir ameaçada até por seu próprio repertório (sim, em determinado momento, Elis temeu que Romaria se tornasse maior do que ela). Elis Regina foi grande como cantora desde 1965, ano em que se livrou das imposições da machista indústria fonográfica brasileira - após quatro álbuns iniciais que oscilaram entre rockinhos juvenis e boleros sentimentais - e ingressou na gravadora Philips, passando a gravar música brasileira com o faro apurado para descobrir compositores emergentes (mesmo que tomasse para si ideias de músicas vindas de produtores como Roberto Menescal, o verdadeiro arquiteto do irretocável repertório do álbum Elis, de 1972). Contudo, Elis Regina foi também pequena como qualquer ser humano às voltas com a competitividade profissional e com ódios que se irmanam com amores na cotidana fogueira das paixões. O que Julio Maria faz na biografia - escrita com base em 126 entrevistas inéditas e em extensa pesquisa em material de arquivo - é mostrar Elis Regina com todas suas contradições e com toda sua humanidade. A bem da verdade, outra jornalista, Regina Echeverria, já tinha feito um relato convincente da personalidade controvertida da cantora em excelente biografia, Furacão Elis (Nórdica, 1985), recebida com ira pelos mesmos herdeiros que ora tiveram a corajosa sabedoria de autorizar o livro contundente de Julio Maria. Justiça seja feita: a narrativa apaixonada de Furacão Elis já expusera - também sem maquiagem - os fatos mais relevantes da vida e obra da cantora. O que diferencia uma biografia da outra é que, enquanto Echeverria eventualmente contaminou sua narrativa com a assumida admiração que tinha por Elis (com quem chegou a conviver no exercício do jornalismo), Julio Maria mantém o tempo todo um distanciamento crítico que permite a exposição dos fatos com maior clareza e discernimento. E, justiça também seja feita a Julio, seu livro reconta a vida de Elis com maior riqueza de detalhes. Somente a descrição pormenorizada da última manhã de vida da cantora - assunto da abertura e do fecho do livro - já atesta o exímio trabalho de jornalismo investigativo feito pelo autor para reconstituir os fatos que relata em seu apaixonante livro. Elis Regina - Nada será como antes avança em relação a Furacão Elis pelo detalhismo do autor e pela capacidade de levantar histórias até então inéditas, como o fato de Elis ter inibido o produtor Marco Mazzola a mostrar na gravadora Philips, em meados dos anos 1970, uma fita da então desconhecida cantora e compositora carioca Marina Lima (por ironia do destino, Marina seria lançada na Warner Music em 1979, ano em que Elis ingressou nessa gravadora). Elis não era fácil. Mas Julio Maria tampouco facilitou as coisas para quem prefere imaginar seus ídolos envoltos em aura romantizada. Elis Regina - Nada será como antes é um livro para os fortes. A Pimentinha foi tão ardida que a questão do uso de drogas chega a ser apenas mais um detalhe (até coerente) numa vida pautada pela paixão, pela insegurança e pela grandeza artística. Com outros outubros virão, pode até ser que, daqui a anos ou décadas, apareça outra biografia de Elis que faça jus ao adjetivo definitiva a que um dia fez jus o bravo Furacão Elis. Por ora, o livro de Julio Maria se impõe como a fonte mais confiável e completa para quem quer (tentar) entender a vida e alma de Elis Regina Carvalho Costa, essa mulher feita de sombra e tanta luz, essa senhora cantora que muitas vezes virou literalmente a mesa, como que agradecendo ao destino por tudo que a fazia  infeliz, mas também única, grande, definitiva, imortal.

19 comentários:

Mauro Ferreira disse...

♪ Elis Regina Carvalho Costa (17 de março de 1945 - 19 de janeiro de 1982) - cantora gaúcha que poderia estar festejando hoje 70 anos de vida se há 32 não tivesse saído precocemente de cena por conta de letal mistura acidental de cinzano com cocaína - foi grande. Para muitos, a maior cantora do Brasil desde que o samba é samba pela afinação ímpar, pela antenada musicalidade típica de músicos e pela alma que punha em cada interpretação, mesmo quando parecia pautada pela frieza técnica. O jornalista paulistano Julio Maria expõe e ressalta a grandeza de Elis ao longo das 424 páginas de sua biografia da cantora. Lançado oficialmente hoje em São Paulo (SP), Elis Regina - Nada será como antes chegou às livrarias com o aval dos herdeiros da artista - decisão que contribui positivamente para a acalorada discussão sobre a censura prévia de biografias de pessoas públicas. Ao escrever com texto estiloso uma biografia que pode ser considerada definitiva, Julio Maria mostra que é possível fazer um relato verdadeiro da personalidade de um artista - sem maquiar os fatos e sem ocultar os defeitos desse ser, afinal, humano - e, ao mesmo tempo, evidenciar as qualidades artísticas do biografado que, no caso de Elis, eram muitas e únicas. O livro reconta a vida de Elis como ela foi, com todas as mesquinharias cotidianas, todas as traições conjugais - retribuídas pelos maridos da cantora, diga-se - e toda a insegurança absurda que levou a cantora a competir até com a própria a sombra. A decisão de Elis de parar de cantar Romaria - a composição de Renato Teixeira que ela lançara com retumbante sucesso nacional em seu álbum de 1977 - ilustra bem a paranoia de uma cantora de mente atormentada que poderia se sentir ameaçada até por seu próprio repertório (sim, em determinado momento, Elis temeu que Romaria se tornasse maior do que ela). Elis Regina foi grande como cantora desde 1965, ano em que se livrou das imposições da machista indústria fonográfica brasileira - após quatro álbuns iniciais que oscilaram entre rockinhos juvenis e boleros sentimentais - e ingressou na gravadora Philips, passando a gravar música brasileira com o faro apurado para descobrir compositores emergentes (mesmo que tomasse para si ideias de músicas vindas de produtores como Roberto Menescal, o verdadeiro arquiteto do irretocável repertório do álbum Elis, de 1972). Contudo, Elis Regina foi também pequena como qualquer ser humano às voltas com a competitividade profissional e com ódios que se irmanam com amores na cotidana fogueira das paixões. O que Julio Maria faz na biografia - escrita com base em 126 entrevistas inéditas e em extensa pesquisa em material de arquivo - é mostrar Elis Regina com todas suas contradições e com toda sua humanidade. A bem da verdade, outra jornalista, Regina Echeverria, já tinha feito um relato convincente da personalidade controvertida da cantora em excelente biografia, Furacão Elis (Nórdica, 1985), recebida com ira pelos mesmos herdeiros que ora tiveram a corajosa sabedoria de autorizar o livro contundente de Julio Maria. Justiça seja feita: a narrativa apaixonada de Furacão Elis já expusera - também sem maquiagem - os fatos mais relevantes da vida e obra da cantora. O que diferencia uma biografia da outra é que, enquanto Echeverria eventualmente contaminou sua narrativa com a assumida admiração que tinha por Elis (com quem chegou a conviver no exercício do jornalismo), Julio Maria mantém o tempo todo um distanciamento crítico que permite a exposição dos fatos com maior clareza e discernimento. E, justiça também seja feita a Julio, seu livro reconta a vida de Elis com maior riqueza de detalhes. Somente a descrição pormenorizada da última manhã de vida da cantora - assunto da abertura e do fecho do livro - já atesta o exímio trabalho de jornalismo investigativo feito pelo autor para reconstituir os fatos que relata em seu apaixonante livro.

Mauro Ferreira disse...

Elis Regina - Nada será como antes avança em relação a Furacão Elis pelo detalhismo do autor e pela capacidade de levantar histórias até então inéditas, como o fato de Elis ter inibido o produtor Marco Mazzola a mostrar na gravadora Philips, em meados dos anos 1970, uma fita da então desconhecida cantora e compositora carioca Marina Lima (por ironia do destino, Marina seria lançada na Warner Music em 1979, ano em que Elis ingressou nessa gravadora). Elis não era fácil. Mas Julio Maria tampouco facilitou as coisas para quem prefere imaginar seus ídolos envoltos em aura romantizada. Elis Regina - Nada será como antes é um livro para os fortes. A Pimentinha foi tão ardida que a questão do uso de drogas chega a ser apenas mais um detalhe (até coerente) numa vida pautada pela paixão, pela insegurança e pela grandeza artística. Com outros outubros virão, pode até ser que, daqui a anos ou décadas, apareça outra biografia de Elis que faça jus ao adjetivo definitiva a que um dia fez jus o bravo Furacão Elis. Por ora, o livro de Julio Maria se impõe como a fonte mais confiável e completa para quem quer (tentar) entender a vida e alma de Elis Regina Carvalho Costa, essa mulher feita de sombra e tanta luz, essa senhora cantora que muitas vezes virou literalmente a mesa, como que agradecendo ao destino por tudo que a fazia infeliz, mas também única, grande, definitiva, imortal.

Rafael disse...

Esse livro é ótimo! Recomendo a comprarem, pois é uma ótima biografia sobre a nossa grande Elis.

Flavio disse...

Deu vontade de ir agora na livraria comprar! Eu só li na época o Furacão, mas já voltei nele atrás de uma ou outra informação. Mas sempre me pareceu um relato de uma amiga, apesar de todo o profissionalismo e ótimo texto dela.

Unknown disse...

É normal quando admiramos uma pessoa pública, uma Celebridade de fato, desejarmos manter intocável a sua imagem. Principalmente, quando ela é considerada mais que um ícone, um verdadeiro mito. Estou louco pra ler e será certamente o próximo da fila, mas confesso que, como fã de uma vida inteira, temo pela decepção. Nunca me iludi em relação a personalidade da artista, colocando o talento sempre em primeiro plano. Mas, seria esse ser admirável uma vilã? Ou uma vítima de sua tamanha insegurança? O livro, pelo que consta, não a protege nem a condena, mas a revela exatamente como ela era. E sei, não era fácil. Após a leitura e todas as descobertas, espero continuar admirando "Essa Mulher" chamada Elis Regina Carvalho Costa, mãe de João Marcelo, Pedro Mariano e Maria Rita; a "Pimentinha"; e a grande Diva da Música Popular Brasileira de todos os tempos. Elis Vive!

Felipe dos Santos disse...

Os dedos estavam coçando para fazer este comentário: com tudo o que você e outros falaram sobre a biografia (e eu li), seria uma injustiça das grossas se você, Mauro, não desse a "cotação hotel de luxo" (cinco estrelas) ao livro.

Júlio Maria conseguiu o que era difícil: fazer uma biografia que, à maneira dele, é tão marcante quanto "Furacão Elis".

Enquanto a de Echeverria ganha ao ter pego a dor pela morte ainda latente, a de Júlio se beneficiou do distanciamento que o tempo (só ele) deu às coisas. Daí ter conseguido falar com gente que era um túmulo em se tratando da dita cuja. Tanto na arte (Nenê, o baterista) quanto na vida (Samuel MacDowell, Fábio Jr.).

O livro só me certifica que Elis tinha uma dedicação doentia (e às vezes, de ética discutível) ao seu trabalho.

E talvez ajude a compreender algo na pergunta que não me tem resposta (e talvez nunca terá): o que Elis tinha que outras não têm? Por que ela é a maior cantora do Brasil para tanta gente?

O que se sabe é que Elis vive. E acho que nunca viveu tanto, depois da morte, como agora: este livro, o site novo, o desfile vencedor do Carnaval paulistano, a moçadinha adolescente que cada vez mais a conhece (até pelo "fator Maria Rita")...

Felipe dos Santos Souza

ADEMAR AMANCIO disse...

Me parece que a rivalidade da Elis com as outras cantoras se dava quando ela qpresentava O Fino da Bossa,fora desse espaço ela sempre elogiava suas colegas de trabalho.

Bernardo Barroso Neto disse...

Acabei de comprar o livro pela internet, estou super ansioso esperando para chegar e devorar. Salve Elis eterna em nossos corações!

noca disse...

Não acho que era o caso de rivalidade com outras.Ela era de lua,bipolar rivalizava no fundo com ela mesma.Todas tiveram oportunidades como ela.Nana Caymmi,cantora do mesmo nível de Elis,juntamente com Gal,falando daquela geração,tinha acabado de ganhar um festival,mas preferiu ficar num ostracismo de quase dez anos.Nunca teve,nem quis ter o mesmo compromisso e disposição de Elis com a música,mesmo seguindo outras trilhas e superando Elis em quase tudo que cantaram em comum.Nara tinha divergências pessoais e ideológicas explicitas.Mas uma coisa é certa,Elis era o farol de todas.Depois de sua morte,nenhuma cantora desse país conseguiu manter o mesmo padrão próprio por muito tempo.Havia um lado saudável nessa competitividade.Se é que ela algum dia existiu de fato.

Estalactites hemorrágicas disse...

Muito bom. Muito bom. Prá se ler numa só tacada.

Ricardo Sérgio.

DIEGO disse...

Uma pergunta que sou muito novo e confesso adimirador de Bethânia, havia rivalidade ou alguma indiferença de Elis com ela ou vice versa????

Obrigado.

Mauro Ferreira disse...

Havia, Diego. Elis e Bethânia não se gostavam. Abs, MauroF

ADEMAR AMANCIO disse...

A Nana interrompeu a carreira porque nunca teve a musicalidade de Elis Regina.

Unknown disse...

Tá nas livrarias?

noca disse...

A Nana não interrompeu a carreira dela por causa de favoritismos,competitividade e muito menos por falta de qualidades musicais inferiores a quem seja.Não há lógica nisso!Teve carreira contemporânea ativa com Elis,repito,superando-a musicalmente em quase tudo que gravaram em comum.Na verdade seria interessante um esclarecimento mais detalhado desse fato.Eu pessoalmente acho que essa perca de tempo possa ter sido por fatores pessoais.Existem documentos que provam que Bethânia,Guilherme Araújo,Chico Buarque e outros que insistiram muito com ela.Os argumentos de existir Elis,não ceder ao mercado,o trauma de ter sido vaiada em festival,etc,não se mantém consistentes.Talvez já esteja precisando de uma biografia também para explicar tanta perca de tempo,rsrs...

Marcelo disse...

Elis era uma pedra no sapato de quase todas as cantoras...e vice versa!!!

Coisas do Sertão disse...

Emanuel Andrade disse


Não sei verdade, mas soube que na época do Mulher 80, ELis também teve um tropeço ou foi com Fafá ou Simone. E no mais Fafá e Simone também não se batem. Pense na corja kkk. Enfim, Furacão ELis é muito bom também e foi pioneiro. Na verdade a diferença é que Regina Echeverria estava sempre por perto da cantora.

noca disse...

Ninguém é pedra no sapato de ninguém.É preciso acabar com esse estigma com Elis.Outra coisa que acho meio ridículo é todas elas acharem que Elis roubava as canções delas.as canções devem ser livres.Elis não tinha todo esse poder e não se deve medir ética por esse fato.É covardia com ela.Mesmo Nana sendo minha cantora predileta,não concordo com isso."Cais"(Milton-Bastos)foi feita para Nana e ela só não gravou antes,repito,porque não estava na ativa.Tanto que gravou depois de forma primorosa e totalmente diferenciada.Então não havia motivo para temer competitividade.O fato é que Elis é a maior cantora de todos os tempos,não porque fosse melhor que ninguém,isso é pequeno,mas pela sua importância movida pela sua paixão,cumplicidade e entrega pela nossa música,jamais será superada.

Bia Melo disse...

Excelente o livro do Julio, da Regina e excelente tua critica tb! Parabens! Bia Melo