Mauro Ferreira no G1

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sábado, 24 de dezembro de 2011

Ao demolir mitos e ao confrontar versões, Burke faz bio confiável de Piaf

Resenha de livro
Título: Piaf Uma Vida
Autor: Carolyn Burke
Editora: LeYa
Cotação: * * * *

Grande diva da canção francesa, Edith Piaf (1915 - 1963) tem habitualmente sua vida ligada a seus amores, como se estes fossem os fios condutores de existência tão gloriosa quanto sofrida. O grande mérito da mais recente biografia da cantora - Piaf Uma Vida, recém-lançada no Brasil pela editora LeYa - é demolir esse e outros mitos para delinear retrato mais confiável da cantora e compositora. "O clichê que reduz Piaf a uma transviada autodestrutiva é muito restritivo para dar conta de sua complexidade humana", argumenta a autora, Carolyn Burke, no prelúdio do livro. Cumprindo o que promete neste prólogo escrito na primeira pessoa, Burke apresenta visão complexa de Piaf ao longo das 392 páginas de sua biografia. A autora mostra que a dona da voz que encantou Paris - e depois o Mundo - foi também a senhora de seu destino, pelo menos a partir do momento em que conquistou a fama e o dinheiro vindo com o sucesso. Fruto de um casamento desajustado, Piaf vivenciou na infância a dor de crescer sem lar. Sua criação se deu entre um bordel, uma itinerante companhia circense e as ruas de um bairro parisiense habitado pelos trabalhadores e párias que Piaf tão bem retratou nas músicas que dominavam seu repertório na fase inicial de sua carreira. Descoberta nas ruas, Piaf aos poucos conquistou Paris com sua voz metálica e cortante. Um canto de alta carga emocional, situada no fio da navalha. Sem cair na tentação de reproduzir ou inventar diálogos supostamente acontecidos em épocas já bem remotas (como fazem muitos biógrafos mais aptos a escrever ficção), Burke apresenta um relato objetivo - até certo ponto até seco, mas por isso mesmo seguro - dos principais fatos da vida pública e privada de Piaf. Ao retratar os amores da cantora, a autora mostra que Piaf foi tanto vítima quanto algoz de seus apaixonados. Até mesmo o impacto da morte do lutador de boxe Marcel Cerdan (1916 - 1949) sobre sua amante Piaf - em acidente de avião acontecido no auge de uma paixão que ficou cristalizada na memória da artista - é tratado sem sentimentalismo e exposto com olhar crítico. "Se o romance tivesse durado mais um ano, ela o teria dispensado - como fez com todos os outros", disse amigo de Piaf, em depoimento reproduzido por Burke. Quando há acontecimentos não devidamente esclarecidos na vida de Piaf, a autora opta por confrontar as versões existentes e nem sempre toma partido de uma ou de outra. E o fato é que a vida folhetinesca de Piaf - vivida às voltas com amores, pílulas, empresários, amigos interesseiros, perseguições políticas e suas dores existenciais - é tão rica que a narrativa de Burke jamais perde o interesse do leitor. A autora de standards como La Vie en Rose - canção escrita displicentemente na mesa de um restaurante para amiga cantora que se queixava da falta de bom repertório - desafiou os preconceitos de sua época, inclusive ajudando judeus na luta contra o nazismo travada na Segunda Guerra Mundial. Sem perder a objetividade jornalística, Burke expõe grandezas e mesquinharias dessa cantora que saiu de cena em 1963, mas deixou na História seu canto visceral, símbolo perene das ideias e contradições da França do século XX.

2 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Grande diva da canção francesa, Edith Piaf (1915 - 1963) tem habitualmente sua vida ligada a seus amores, como se estes fossem os fios condutores de existência tão gloriosa quanto sofrida. O grande mérito da mais recente biografia da cantora - Piaf Uma Vida, recém-lançada no Brasil pela editora LeYa - é demolir esse e outros mitos para delinear retrato mais confiável da cantora e compositora. "O clichê que reduz Piaf a uma transviada autodestrutiva é muito restritivo para dar conta de sua complexidade humana", argumenta a autora, Carolyn Burke, no prelúdio do livro. Cumprindo o que promete neste prólogo escrito na primeira pessoa, Burke apresenta visão complexa de Piaf ao longo das 392 páginas de sua biografia. A autora mostra que a dona da voz que encantou Paris - e depois o Mundo - foi também a senhora de seu destino, pelo menos a partir do momento em que conquistou a fama e o dinheiro vindo com o sucesso. Fruto de um casamento desajustado, Piaf vivenciou na infância a dor de crescer sem lar. Sua criação se deu entre um bordel, uma itinerante companhia circense e as ruas de um bairro parisiense habitado pelos trabalhadores e párias que Piaf tão bem retratou nas músicas que dominavam seu repertório na fase inicial de sua carreira. Descoberta nas ruas, Piaf aos poucos conquistou Paris com sua voz metálica e cortante. Um canto de alta carga emocional, situada no fio da navalha. Sem cair na tentação de reproduzir ou inventar diálogos supostamente acontecidos em épocas já bem remotas (como fazem muitos biógrafos mais aptos a escrever ficção), Burke apresenta um relato objetivo - até certo ponto até seco, mas por isso mesmo seguro - dos principais fatos da vida pública e privada de Piaf. Ao retratar os amores da cantora, a autora mostra que Piaf foi tanto vítima quanto algoz de seus apaixonados. Até mesmo o impacto da morte do lutador de boxe Marcel Cerdan (1916 - 1949) sobre sua amante Piaf - em acidente de avião acontecido no auge de uma paixão que ficou cristalizada na memória da artista - é tratado sem sentimentalismo e exposto com olhar crítico. "Se o romance tivesse durado mais um ano, ela o teria dispensado - como fez com todos os outros", disse amigo de Piaf, em depoimento reproduzido por Burke. Quando há acontecimentos não devidamente esclarecidos na vida de Piaf, a autora opta por confrontar as versões existentes e nem sempre toma partido de uma ou de outra. E o fato é que a vida folhetinesca de Piaf - vivida às voltas com amores, empresários, amigos interesseiros, perseguições políticas e suas dores existenciais - é tão rica que a narrativa de Burke jamais perde o interesse do leitor. A autora de standards como La Vie en Rose - canção escrita displicentemente na mesa de um restaurante para amiga cantora que se queixava da falta de bom repertório - desafiou os preconceitos de sua época, inclusive ajudando judeus na luta contra o nazismo travada na Segunda Guerra Mundial. Sem perder a objetividade jornalística, Burke expõe grandezas e mesquinharias dessa cantora que saiu de cena em 1963, mas deixou na História seu canto visceral, símbolo perene das ideias e contradições da França do século XX.

Gill Sampaio Ominirò disse...

Piaf é uma lenda. Ao lado de Billie, Callas e Bethânia é uma das minhas cantoras preferidas. Uma veracidade no canto muito raro, uma dicção incrível. Uma vida trágica, mas muito refleta de vitórias. Uma marco na música francesa tão fraca e um mito na música mundial. Sua vida e obra me comovem demasiadamente.