Mauro Ferreira no G1

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terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

'Se a canção mudasse tudo' confirma que Manuela não é uma qualquer por aí

Resenha de álbum
Título: Se a canção mudasse tudo
Artista: Manuela Rodrigues
Gravadora: Edição independente da artista
Cotação: * * * *

É difícil se fazer ouvir na Bahia fora do circuito industrializado da axé music e de ritmos ainda mais populistas como o pagode e o arrocha. Manuela Rodrigues é voz dissonante nessa indústria. Boa cantora e compositora baiana que lançou o primeiro álbum, Rotas (Independente, 2003), já há 13 anos, Manuela ainda é uma voz ouvida por poucos. Álbum independente produzido com recursos financeiros obtidos no projeto Natura musical, Se a canção mudasse tudo vai manter inalterado o status e a popularidade da artista no diluído mercado fonográfico brasileiro. Mas confirma o talento de Manuela, contradizendo o título do excelente álbum que o antecedeu há cinco anos, Uma outra qualquer por aí (Garimpo Música, 2011). Além de roçar a excelência desse antecessor com som quente, formatado por diversos produtores, Se a canção mudasse tudo prova de vez que Manuela Rodrigues não é uma cantora e compositora qualquer. "Outros meios, outros amigos / Cruzar famílias e filhos / Frequentar outros lugares / Evitar as portas dos bares / Hora de quietar o facho", sentencia a artista nos versos iniciais de Lista (Manuela Rodrigues, 2016), rock formatado pelo produtor Tadeu Mascarenhas que volta a ser ouvido no fim do disco, enquadrado na moldura eletrônica do produtor João Milet Meirelles, em faixa que mais parece remix. Nos versos de Lista, Manuela alinha decisões e resoluções que parecem motivadas pela maternidade. O álbum, aliás, foi gestado durante a primeira gravidez da artista. O que faz sobressair naturalmente o sentimento maternal de Ventre (Manuela Rodrigues, 2016), bela canção parida quando o primeiro filho da artista ainda estava no terceiro mês de gestação. A letra de Ventre embute o verso-título do álbum Se a canção mudasse tudo e o sonho de mundo melhor para o filho que estava por vir. O arranjo da faixa - formatada por Tadeu Mascarenhas com João Milet Meirelles - evoca ambiência bem aconchegante que pode significar a tentativa (feliz) de remeter a sons da vida intra-uterina. Outro trunfo da safra autoral, Marcha do renascimento (Manuela Rodrigues, 2016) evolui também no embalo do sentimento que rege a vida de mãe amorosa decidida a proteger o filho dos males do mundo. "Bloco sem corda e sem cordão / Umbigo cortado, o grito, o choro / O coração", parem os versos da marcha. Manuela Rodrigues faz o próprio Carnaval sem ir atrás do trio elétrico. Mas a percussão de Gustado Di Dalva - condutora de Bagagem (Manuela Rodrigues, 2016), faixa produzida por Di Dalva - evoca o som do berimbau e dá o toque de que a artista também traz na mala uma (salutar) baianidade nagô distanciada dos clichês do universo afro-brasileiro. Xote pop que anunciou a chegada do álbum em single digital lançado há três anos, a deliciosa Ôxe, oxê, oxê! (Manuela Rodrigues e Álvaro Lemos, 2013) brinca com graça ao apontar com fina ironia uns estereótipos associados aos baianos. Convidada de Amor de carne e osso (Manuela Rodrigues, 2016), a cantora carioca Silvia Machete entra na brincadeira ao dividir com Manuela a interpretação desta música apimentada com toque nortista no arranjo de atmosfera meio circense. Música formatada por Luciano Salvador Bahia com arranjo que sublinha a ironia cortante da letra, Rede social (Manuela Rodrigues, 2016) tira toda a maquiagem virtual que mascara rostos e realidades em selfies e posts. Já Desejo batuque (Manuela Rodrigues e Lara Belov, 2016) e Risos (2016) - música inédita de autoria de Ronei Jorge, mentor da banda baiana Ronei Jorge & Os Ladrões de Bicicleta - sinalizam que, por vezes, a sonoridade forte de Se a canção mudasse tudo é superior às músicas em si. Boa parte da graça de Risos, afinal, reside nas múltiplas vozes gravadas pela própria Manuela Rodrigues e na trama das cordas orquestradas por Jorge Solovera. Contudo, o samba Nenhum homem é uma ilha (2016) - composto e cantado pela artista com o carioca João Cavalcanti - equilibra música e sonoridade no mesmo alto patamar. Em outra conexão com a cidade do Rio de Janeiro (RJ), o disco ostenta o toque do violino do já acariocado francês Nicolas Krassik em Qualquer porto, canção de mares bravios, magistralmente produzida por Tadeu Mascarenhas. Bisando a conexão com os paulistanos Romulo Fróes e Clima, compositores da música-título do álbum anterior Uma outra qualquer por aí, Manuela dá voz a uma outra composição inédita da dupla, Vai que eu desembeste (2016), gravada com mix de vozes e programações eletrônicas. A atitude expressa nos versos da letra lembra a espevitada expansividade de Barraqueira (Manuela Rodrigues, 2007), o desaforado samba lançado por Márcia Castro no primeiro e melhor álbum desta cantora também baiana. Ainda fora do trilho autoral que conduz Se a canção mudasse tudo, Manuela supera o conterrâneo Gilberto Gil ao dar voz, com mais pegada, a Extra II (O rock do segurança), música lançada pelo cantor e compositor baiano em álbum de 1984. Tadeu Mascarenhas produziu a faixa com brilhantismo, reiterando a sintonia com o som moderno de Manuela Rodrigues, cantora e compositora que, como diria a Marrom Alcione, não é uma qualquer por aí na cena indie brasileira.

4 comentários:

Mauro Ferreira disse...

♪ É difícil se fazer ouvir na Bahia fora do circuito industrializado da axé music e de ritmos ainda mais populistas como o pagode e o arrocha. Manuela Rodrigues é voz dissonante nessa indústria. Boa cantora e compositora baiana que lançou o primeiro álbum, Rotas (Independente, 2003), já há 13 anos, Manuela ainda é uma voz ouvida por poucos. Álbum independente produzido com recursos financeiros obtidos no projeto Natura musical, Se a canção mudasse tudo vai manter inalterado o status e a popularidade da artista no diluído mercado fonográfico brasileiro. Mas confirma o talento de Manuela, contradizendo o título do excelente álbum que o antecedeu há cinco anos, Uma outra qualquer por aí (Garimpo Música, 2011). Além de roçar a excelência desse antecessor com som quente, formatado por diversos produtores, Se a canção mudasse tudo prova de vez que Manuela Rodrigues não é uma cantora e compositora qualquer. "Outros meios, outros amigos / Cruzar famílias e filhos / Frequentar outros lugares / Evitar as portas dos bares / Hora de quietar o facho", sentencia a artista nos versos iniciais de Lista (Manuela Rodrigues, 2016), rock formatado pelo produtor Tadeu Mascarenhas que volta a ser ouvido no fim do disco, enquadrado na moldura eletrônica do produtor João Milet Meirelles, em faixa que mais parece remix. Nos versos de Lista, Manuela alinha decisões e resoluções que parecem motivadas pela maternidade. O álbum, aliás, foi gestado durante a primeira gravidez da artista. O que faz sobressair naturalmente o sentimento maternal de Ventre (Manuela Rodrigues, 2016), bela canção parida quando o primeiro filho da artista ainda estava no terceiro mês de gestação. A letra de Ventre embute o verso-título do álbum Se a canção mudasse tudo e o sonho de mundo melhor para o filho que estava por vir. O arranjo da faixa - formatada por Tadeu Mascarenhas com João Milet Meirelles - evoca ambiência bem aconchegante que pode significar a tentativa (feliz) de remeter a sons da vida intra-uterina. Outro trunfo da safra autoral, Marcha do renascimento (Manuela Rodrigues, 2016) evolui também no embalo do sentimento que rege a vida de mãe amorosa decidida a proteger o filho dos males do mundo. "Bloco sem corda e sem cordão / Umbigo cortado, o grito, o choro / O coração", parem os versos da marcha. Manuela Rodrigues faz o próprio Carnaval sem ir atrás do trio elétrico. Mas a percussão de Gustado Di Dalva - condutora de Bagagem (Manuela Rodrigues, 2016), faixa produzida por Di Dalva - evoca o som do berimbau e dá o toque de que a artista também traz na mala uma (salutar) baianidade nagô distanciada dos clichês do universo afro-brasileiro. Xote pop que anunciou a chegada do álbum em single digital lançado há três anos, a deliciosa Ôxe, oxê, oxê! (Manuela Rodrigues e Álvaro Lemos, 2013) brinca com graça ao apontar com fina ironia uns estereótipos associados aos baianos. Convidada de Amor de carne e osso (Manuela Rodrigues, 2016), a cantora carioca Silvia Machete entra na brincadeira ao dividir com Manuela a interpretação desta música apimentada com toque nortista no arranjo de atmosfera meio circense. Música formatada por Luciano Salvador Bahia com arranjo que sublinha a ironia cortante da letra, Rede social (Manuela Rodrigues, 2016) tira toda a maquiagem virtual que mascara rostos e realidades em selfies e posts.

Mauro Ferreira disse...

Já Desejo batuque (Manuela Rodrigues e Lara Belov, 2016) e Risos (2016) - música inédita de autoria de Ronei Jorge, mentor da banda baiana Ronei Jorge & Os Ladrões de Bicicleta - sinalizam que, por vezes, a sonoridade forte de Se a canção mudasse tudo é superior às músicas em si. Boa parte da graça de Risos, afinal, reside nas múltiplas vozes gravadas pela própria Manuela Rodrigues e na trama das cordas orquestradas por Jorge Solovera. Contudo, o samba Nenhum homem é uma ilha (2016) - composto e cantado pela artista com o carioca João Cavalcanti - equilibra música e sonoridade no mesmo alto patamar. Em outra conexão com a cidade do Rio de Janeiro (RJ), o disco ostenta o toque do violino do já acariocado francês Nicolas Krassik em Qualquer porto, canção de mares bravios, magistralmente produzida por Tadeu Mascarenhas. Bisando a conexão com os paulistanos Romulo Fróes e Clima, compositores da música-título do álbum anterior Uma outra qualquer por aí, Manuela dá voz a uma outra composição inédita da dupla, Vai que eu desembeste (2016), gravada com mix de vozes e programações eletrônicas. A atitude expressa nos versos da letra lembra a espevitada expansividade de Barraqueira (Manuela Rodrigues, 2007), o desaforado samba lançado por Márcia Castro no primeiro e melhor álbum desta cantora também baiana. Ainda fora do trilho autoral que conduz Se a canção mudasse tudo, Manuela supera o conterrâneo Gilberto Gil ao dar voz, com mais pegada, a Extra II (O rock do segurança), música lançada pelo cantor e compositor baiano em álbum de 1984. Tadeu Mascarenhas produziu a faixa com brilhantismo, reiterando a sintonia com o som moderno de Manuela Rodrigues, cantora e compositora que, como diria a Marrom Alcione, não é uma qualquer por aí na cena indie brasileira.

Rafael disse...

A capa do disco é linda, e esse álbum parece ser um discaço... Ela tem tudo pra arrebentar!!!

Unknown disse...

O fato de ser da Bahia nāo é um salvo conduto para ser uma artista conhecida por lá. Manuela vai ter que fazer como TODAS as outras antes dela (Vania Abreu, Belô Velloso, Jussara Silveira, Virgínia Rodrigues, Mariene de Castro, Rebeca Matta) e se fazer primeiramente fora da Bahia, e, de preferencia não voltar para lá, pq a Bahia é território dominado pela indústria.