Mauro Ferreira no G1

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sábado, 4 de junho de 2011

Após 25 anos, 'Selvagem?' gera show dos Paralamas e texto de Barone

Título essencial da discografia do rock brasileiro dos anos 80, Selvagem? - álbum lançado pelos Paralamas do Sucesso em 1986, pioneiro na associação da linguagem do rock nacional com a música brasileira e jamaicana - completa 25 anos em 2011, motivando show inédito do trio carioca e texto reflexivo sobre o disco, escrito pelo baterista João Barone a propósito da temporada que acontece de 24 de junho a 2 de julho no Sesc Belenzinho, em São Paulo (SP). Com ingressos já esgotados, os seis shows foram programados pelo Sesc dentro do Projeto Álbum, que convida cantores e grupos para revisitar títulos marcantes de sua discografia. No show, Herbert Vianna (voz e guitarra), Bi Ribeiro (baixo) e João Barone) vão tocar somente músicas de Selvagem? - álbum que rendeu sucessos como Alagados, Melô do Marinheiro e A Novidade (parceria da banda com Gilberto Gil). Eis o ótimo texto de Barone sobre o disco histórico dos Paralamas do Sucesso que, 25 anos depois, permanece cheio de vida:

Ainda Selvagem? 25 anos depois João Barone        “No final de 1985, estávamos ensaiando no apartamento da saudosa Vovó Ondina, local emblemático do começo dos Paralamas. Num intervalo, Herbert resolveu mostrar o esboço de uma nova composição, quando fez um preâmbulo sobre a estranheza que ela poderia causar. Sua expectativa era explicável. Ao longo desse ano movimentado, que começou com o Rock in Rio e terminava com uma turnê com até dois shows por noite, Herbert chamava para si toda a responsabilidade pelo que seria o próximo passo da banda. O cara do óculos vermelho de bermuda em breve se defrontaria com o desafio de superar suas marcas anteriores, começou a aguçar sua inspiração e por mãos à obra. Para ele, era preciso arriscar mais, fugir do óbvio. Para isso, até operou os olhos e se livrou dos óculos, sua marca registrada. No segundo LP, a banda criou e afirmou uma assinatura sonora. Mas, e agora? Isso lhe tirava o sono... Tanto que no final de outubro de 1985, quando tive um acidente de carro em Porto Alegre, Herbert sentiu-se culpado por desejar que algo extraordinário acontecesse para frear nossa agenda...
        Foi assim que, durante um pequeno recesso em que eu estava de perna engessada (o que não nos impediu de participar de um show em homenagem aos 20 anos de carreira de Gilberto Gil mesmo assim!), Herbert começou a maturar algumas composições novas, inspiradas no mergulho profundo que fizemos no reggae e na música africana. Bi Ribeiro teve papel determinante nisso, pois comprava todos os discos de reggae e afro que podia, nos apresentando toda hora coisas interessantíssimas que iam além das obviedades, como Mutabaruka, Dr Alimantado, um tal de Yellow Man, Papa Wemba, Salif Keita, King Sunny Adé, para citar alguns poucos. Neste caldeirão também foram adicionadas doses de João Bosco, Gonzaguinha, Ilê Aiyê, Filhos de Gandhy, Novos Baianos e Gil. Viajando tanto pelo Brasil, vimos e identificamos como a música negra havia se aclimatado aqui, especialmente na Bahia, e fizemos o que alguns críticos entendidos explicaram depois como uma “contra-diáspora negra”, até chegarmos em Londres, via Angola, com escala em Kingston. Para nós, descobrimos um Brasil brazuca, vira-lata. Caímos na real muito antes do Plano Real.
Quando Herbert fez suspense para mostrar pela primeira vez apenas com sua guitarra a melodia da canção que se tornaria conhecida como Alagados, não precisou de tantos volteios. O que gerou a tal estranheza foi a semelhança da música  ainda sem letra  com um samba-enredo. “E aí? Gostaram?”, perguntou Herbert. “Parece um samba!”, disse Bi, entreolhando para mim, quando exclamamos em uníssono: “Do caralho!”. Isso pareceu aliviar Herbert. O bom astral resultante desse primeiro momento evoluiu na forma de uma demo que Herbert gravou num porta-estúdio (na época, eram pequenos gravadores cassete de quatro canais), quando nos mostrou a canção bem perto do formato conhecido, já com a letra e uma beat box primitiva marcando o tempo. Dali a pouco, estaríamos entusiasmados com várias ideias de músicas que renderiam o repertório do próximo álbum, quando ainda tocávamos no apartamento da Vovó Ondina em Copacabana. Um fato marcante nesse momento foi uma foto que se destacava entre outras, colada na parede do quarto de ensaio, onde aparecia o irmão do Bi, Pedro, estilizado como um índio na frente de uma barraca num acampamento nos tempos de Brasília. Quase que complementando a estranheza que o novo repertório que estávamos compondo poderia causar aos diretores de nossa gravadora, que deveriam estar esperando por uma sequência de Óculos ou Meu Erro, Herbert olhou aquela foto um tanto engraçada e rindo, disparou: “Que tal a gente por ESSA foto na capa do próximo álbum?”. Deu no que deu.
        No lado conceitual, estava pronto Selvagem?, que ainda recebeu um ponto de interrogação para tentar aumentar mais a estranheza de seu título. Na época, não planejamos um levante estético, estávamos apenas dando linha ao nosso ideal um tanto inconsequente de fazer o que nos dava na telha. Mas tínhamos noção do contraponto que escolhemos, frente ao modelo estético anglo-saxão tão usado pelos artistas de nossa geração e de algumas bandas que despontavam na época. Nos destacamos da paisagem, como se tivéssemos nos pintado de verde-limão florescente. No lado prático, quisemos nos garantir de que a aventura seria ao menos bem registrada: convidamos Liminha para produzir o álbum, ele ouviu as demos, gostou e topou trabalhar com a gente. Convidamos Gil para cantar em Alagados e ele ainda compôs A Novidade. No estúdio, gravamos usando a percussão de Marçal, Liminha tocou guitarras e teclados, usamos ecos e efeitos dub à la Lee Scratch Perry. Os vídeos de Roberto Berliner para Alagados e A Novidade terminaram de explicar tudo para quem ainda não havia entendido nossa proposta. Vinte e cinco anos depois, não mudaríamos uma nota de nada que foi feito.”

10 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Título essencial da discografia do rock brasileiro dos anos 80, Selvagem? - álbum lançado pelos Paralamas do Sucesso em 1986, pioneiro na associação da linguagem do rock nacional com a música brasileira e jamaicana - completa 25 anos em 2011, motivando show inédito do trio carioca e texto reflexivo sobre o disco, escrito pelo baterista João Barone a propósito da temporada que acontece de 24 de junho a 2 de julho no Sesc Belenzinho, em São Paulo (SP). Com ingressos já esgotados, os seis shows foram programados pelo Sesc dentro do Projeto Álbum, que convida cantores e grupos para revisitar títulos marcantes de sua discografia. No show, Herbert Vianna (voz e guitarra), Bi Ribeiro (baixo) e João Barone) vão tocar somente músicas de Selvagem? - álbum que rendeu sucessos como Alagados, Melô do Marinheiro e A Novidade (parceria da banda com Gilberto Gil).

Telmo disse...

Ufa! Já garanti o meu ingresso! Agora bem que a EMI poderia lançar uma edição especial do álbum com uma bela remasterização e extras!

Anônimo disse...

Pra mim os Paralamas começam - se tornam relevantes - nesse disco.
Disco importante - por tudo que o Barone falou - e, melhor ainda, ótimo musicalmente.
O da Tropicália, por exemplo, é só importante.
Sem comparação, obviamente. É "só" uma alusão.
O Blesc Blom(Titãs) e Chico Science são filhos diretos do disco dos Paralamas.

PS: Por mais que Lobão tente não conseguirá tirar o mérito e o talento dos caras.
Aliás, Lobão tem falando besteira atrás de besteira.
Uma pena, super inteligente como é se deixar virar essa caricatura.

Anônimo disse...

Ahh, cara, os discos do Paralamas já foram remasterizados.
Dos grandes dos anos 80 só os Titãs - do Charles Gavin - é que não foram.
A vida e suas ironias.
Bacana!

Flavio disse...

Esse disco, de 86!, é fundamental na música pop brasileira dos anos 90, como bem disse o Zé Henrique. Fundamental para que os Paralamas tivesse sobrevida no meio daqueles capitais iniciais do rock brazuca anos 80. É surpreendente a quase ingenuidade e "inconsequência" que transparece pelo texto do Barone, como se eles não tivessem noção do que estavam fazendo. ou talvez só o Herbert, brilhantemente ambicioso, entendesse o que estava acontecendo. O fato é que suceder um álbum tão fantástico em termos de composição (nem tanto em sonoridade) como O passo do lui era tarefa ingrata. A qualidade do repertório do segundo disco do paralamas NUNCA mais foi alcançada em álbum nenhum do grupo, há ali pelo menos 4 obras que estão no panteão máximo do pop brasileiro. E o Herbert e seus dois fantásticos músicos escudeiros souberam com Selvagem? dar o passo à frente que os mantém ativo até hoje apesar de, infelizmente, não contarem mais com o compositor HV.

Flavio disse...

Só discordo veementemente, do Zé Henrique quando não considera o disco Tropicália ótimo musicalmente. Como assim? os arranjos do Duprat não satisfazem? as harmonias beatlenianas mescladas com um até então inexistente pop brasileiro não funcionam? As interpretações ousadas não abrem outra "janela"? Eu gosto muito de Selvagem?, mas musicalmente o disco da tropicália dá de mil a zero!!!!! E eu não estou comparando! Estou dizendo que o disco Selvagem? ganha 6 em musicalidade e o tropicália ganha 9,8!!

Felipe dos Santos disse...

Isso porque eu pensei em sugerir a Mauro que fizesse um post comentando a chegada ao Brasil dessa onda de artistas fazerem shows cantando álbuns na íntegra.

Para exemplificar: Melodia cantou "Pérola Negra" numa Virada Cultural paulistana. E Ben Jor vergou-se ao pedido do povo - a campanha pegou até em Facebook - e disse que fará um show dedicado ao "A Tábua de Esmeralda" dia desses.

Desisti de sugerir, para não passar por chato. Estou otimamente surpreendido com esse post!

Sobre o assunto em si: como admirador dos PdS, creio que, se não fosse "Selvagem?", se não fosse a coragem do trio em fazer algo diferente do som "cópia-assumida-de-Police" de "O Passo do Lui", os Paralamas teriam se esgotado caso se repetissem. Poderiam ter acabado e virado mais um dos grupelhos fugazes dos 1980.

Mas arriscaram. E petiscaram. "Selvagem?" fez com que o grupo virasse gente grande. E assim continuasse. Continua um discaço. Pioneiro, pois é a primeira vez que um grupo brasileiro flertou com vertentes menos conhecidas do reggae, como o dub.

Não soube do show antes, não comprei ingresso, não vou. Azar o meu.

Felipe dos Santos Souza

P.S.1: Curioso o Zé Henrique ter falado que, na opinião dele, "Õ Blésq Blom" é fruto direto de "Selvagem?". Opinião plausível, mas a lenda conta que "Os Grãos", dos Paralamas, é que é fruto direto de "Õ Blésq...".
P.S.2: Mil perdões, Mauro, pela verborragia.

Telmo disse...

os discos foram remasterizados nos anos 1990 sem a tecnologia atual para "bombar" o som e trazê-lo para sua concepção original. Além disso a edição em cd é pobre em recursos gráficos, além de não conter extras. Mas da falida indústria fonográfica local não dá pra esperar mais nada. Mas pensei em algo para os Paralamas do tipo que a Rhino faz nos EUA! Loucura!

Anônimo disse...

Flávio, realmente esse disco não me desce. Acho que os quatro primeiros dos Mutantes são tudo que ele gostaria de ser.
Mas confesso que já faz um belo tempo que não o ouço.
Vou até escutá-lo de novo pra ver se mudei de idéia.
É muito interessante ver como nossos gostos musicais vão mudando, como a gente. Pode ser que nesses anos eu tenha adquirido elementos para apreciá-lo ou então ele é ruim que dói mesmo. rsrsrsrs
Felipe, e a sua opinião qual é?
Qual disco é pai? Qual é filho?
Vc é o laboratório do teste de DNA. rsrsrsrs

PS: Acho que com o Severino os Paralamas tentaram dá uma guinada à la Selvagem?
Só que dessa vez sem êxito comercial, só musical.
Acho-o um discaço.

Anônimo disse...

Ahh, acho legal esses shows comemorativos de álbuns clássicos.
Nação Zumbi fez alguns shows em 2009 só com o repertório do Da Lama ao Caos. Era a festa de debutante dele.
Jorge Ben tocando Tábua...
De emocionar.

PS: Yellowman é sensacional!