Mauro Ferreira no G1

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terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Livro inventaria músicas que se rebelaram contra o golpe ou se aliaram a ele

Resenha de livro
Título: Quem foi que inventou o Brasil? A música popular conta a história da República
           Volume II - de 1964 a 1985
Autor:
Franklin Martins
Editora: Nova Fronteira

Cotação: * * * * 1/2

"Brasil, ame-o ou deixe-o". O slogan-sentença do regime militar que governou e amordaçou o Brasil na primeira metade da década de 1970 simbolizou a polaridade que também dividiu os compositores de música popular do país. A imensa maioria dos ícones da MPB e do samba não deixou o Brasil, mas se rebelou contra a ditadura na medida do (im)possível e usou a música como arma, valendo-se de metáforas para dar o recado. Ou se deixou o Brasil, como foram os casos de Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil, foi por questão de sobrevivência. O exílio, mesmo voluntário como o de Chico, significou a chance de continuar vivo e de poder protestar através da música. Mas houve também que se posicionasse do lado oposto. No embalo do sucesso de País tropical (1969), Jorge Ben Jor compôs Brasil, eu fico (1970) - música lançada na voz de Wilson Simonal (1938 - 2000). Ben jamais foi patrulhado por sair do tom com o tema ufanista. Simonal cairia em desgraça a partir de 1972, acusado de delatar amigos rebeldes para o regime. Título esquecível do cancioneiro de Ben Jor, Brasil, eu fico é uma das 311 músicas inventariadas pelo jornalista Franklin Martins no segundo dos três volumes do livro Quem foi que inventou o Brasil? (2015) - projeto de caráter enciclopédico no qual o autor relaciona músicas que tocaram em questões políticas no período de um século, delimitado pelo livro entre 1902 e 2002. O segundo volume, que compreende fase que vai de 1964 a 1985, é o mais interessante dos três porque foca uma época em que a chapa esquentou, sobretudo entre 1968 e 1977. Ciente de que a música era a arma dos compositores para conscientizar a população, o governo militar disparou artilharia pesada - na forma hedionda da censura - contra quem tentava levantar a voz contra a ditadura instaurada no Brasil com o golpe militar de 1964. Dividido entre dois extensos capítulos (um focado nos anos de chumbo, outro nos anos em que já se via alguma luz democrática no fim do túnel político), o segundo volume do livro de Franklin Martins tem o mérito de tomar partido da informação, posta em primeiro plano. Mas nem por isso deixa de ressaltar a desafinada dada pelo compositor pernambucano Nelson Ferreira (1902 - 1976) com a criação de O bloco da vitória voltou (1964), frevo de bloco que saudou precocemente a vitória das tropas militares que deram o golpe de misericórdia na democracia brasileira em março de 1964. Ao inventariar as canções politizadas de 1964 a 1985, o autor torna inevitavelmente recorrente na narrativa os nomes de compositores como Chico Buarque e Taiguara (1945 - 1996), ambos entre os mais censurados. Contudo, Martins também faz justiça a cantores e compositores populares como o carioca Luiz Ayrão, em evidência ao longo dos anos 1970. O livro lembra que, em 1977, a censura vetou música composta por Ayrão com o título de Treze anos, alusão ao fato de o golpe de 1964 já ter 13 anos naquele ano de 1977. Esperto, Ayrão usou de tática recorrente entre os compositores censurados: reenviou a música com outro título, O divórcio, e a composição foi liberada para gravação. Entre as 311 músicas do volume II de Quem foi que inventou o Brasil?, Martins também inclui Tributo a um rei esquecido (1974), homenagem solidária de Benito Di Paula - então no auge da popularidade com samba que caía no suingue do piano do artista - ao compositor paraibano Geraldo Vandré, um dos mais perseguidos pela censura. Como o livro avança até 1985, ano do restabelecimento da democracia no Brasil, há músicas feitas quando os ventos da abertura política começaram a soprar lenta e gradualmente a partir de 1979. Cada música tem a letra reproduzida e é contextualizada no momento político do Brasil, aumentando o valor documental do (hercúleo) livro de Franklin Martins.

4 comentários:

Mauro Ferreira disse...

♪ "Brasil, ame-o ou deixe-o". O slogan-sentença do regime militar que governou e amordaçou o Brasil na primeira metade da década de 1970 simbolizou a polaridade que também dividiu os compositores de música popular do país. A imensa maioria dos ícones da MPB e do samba não deixou o Brasil, mas se rebelou contra a ditadura na medida do (im)possível e usou a música como arma, valendo-se de metáforas para dar o recado. Ou se deixou o Brasil, como foram os casos de Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil, foi por questão de sobrevivência. O exílio, mesmo voluntário como o de Chico, significou a chance de continuar vivo e de poder protestar através da música. Mas houve também que se posicionasse do lado oposto. No embalo do sucesso de País tropical (1969), Jorge Ben Jor compôs Brasil, eu fico (1970) - música lançada na voz de Wilson Simonal (1938 - 2000). Ben jamais foi patrulhado por sair do tom com o tema ufanista. Simonal cairia em desgraça a partir de 1972, acusado de delatar amigos rebeldes para o regime. Título esquecível do cancioneiro de Ben Jor, Brasil, eu fico é uma das 311 músicas inventariadas pelo jornalista Franklin Martins no segundo dos três volumes do livro Quem foi que inventou o Brasil? (2015) - projeto de caráter enciclopédico no qual o autor relaciona músicas que tocaram em questões políticas no período de um século, delimitado pelo livro entre 1902 e 2002. O segundo volume, que compreende fase que vai de 1964 a 1985, é o mais interessante dos três porque foca uma época em que a chapa esquentou, sobretudo entre 1968 e 1977. Ciente de que a música era a arma dos compositores para conscientizar a população, o governo militar disparou artilharia pesada - na forma hedionda da censura - contra quem tentava levantar a voz contra a ditadura instaurada no Brasil com o golpe militar de 1974. Dividido entre dois extensos capítulos (um focado nos anos de chumbo, outro nos anos em que já se via alguma luz democrática no fim do túnel político), o segundo volume do livro de Franklin Martins tem o mérito de tomar partido da informação, posta em primeiro plano. Mas nem por isso deixa de ressaltar a desafinada dada pelo compositor pernambucano Nelson Ferreira (1902 - 1976) com a criação de O bloco da vitória voltou (1964), frevo de bloco que saudou precocemente a vitória das tropas militares que deram o golpe de misericórdia na democracia brasileira em março de 1964. Ao inventariar as canções politizadas de 1964 a 1985, o autor torna inevitavelmente recorrente na narrativa os nomes de compositores como Chico Buarque e Taiguara (1945 - 1996), ambos entre os mais censurados. Contudo, Martins também faz justiça a cantores e compositores populares como o carioca Luiz Ayrão, em evidência ao longo dos anos 1970. O livro lembra que, em 1977, a censura vetou música composta por Ayrão com o título de Treze anos, alusão ao fato de o golpe de 1964 já ter 13 anos naquele ano de 1964. Esperto, Ayrão usou de tática recorrente entre os compositores censurados: reenviou a música com outro título, O divórcio, e a composição foi liberada para gravação. Entre as 311 músicas do volume II de Quem foi que inventou o Brasil?, Martins também inclui Tributo a um rei esquecido (1974), homenagem solidária de Benito Di Paula - então no auge da popularidade com samba que caía no suingue do piano do artista - ao compositor paraibano Geraldo Vandré, um dos mais perseguidos pela censura. Como o livro avança até 1985, ano do restabelecimento da democracia no Brasil, há músicas feitas quando os ventos da abertura política começaram a soprar lenta e gradualmente a partir de 1979. Cada música tem a letra reproduzida e é contextualizada no momento político do Brasil, aumentando o valor documental do (hercúleo) livro de Franklin Martins.

Adilson Marcelino disse...

Mauro, tudo bem?

Tem dois errinhos de digitação:

"a ditadura instaurada no Brasil com o golpe militar de 1974"

alusão ao fato de o golpe de 1964 já ter 13 anos naquele ano "de 1964."

Abs

Mauro Ferreira disse...

Grato pelos toques dos erros de digitação, Adilson. Já foram corrigidos. Abs, MauroF

ADEMAR AMANCIO disse...

A música como reflexo de seu tempo,muito bom.