Mauro Ferreira no G1

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sábado, 26 de fevereiro de 2011

Obra apaixonada e bela de Taiguara é iluminada por vozes de mulheres

Resenha de CD
Título: A Voz da Mulher na Obra de Taiguara
Artista: Vários
Gravadora: Joia Moderna / Tratore
Cotação: * * * 1/2

Apesar de ter nascido casualmente no Uruguai, Taiguara (1945 - 1996) vivenciou os amores e dores do Brasil. Foi com alma brasileira que o cantor e compositor escreveu sua obra bela, apaixonada, de ideologia forte. Confinada no imaginário nacional nos anos rebeldes, época em que a música podia ser arma poderosa na guerra pelas liberdades individuais e coletivas, essa obra poética é iluminada pela voz de 14 cantoras no primeiro título da série A Voz da Mulher na Obra de..., da gravadora Joia Moderna, recém-aberta pelo DJ Zé Pedro. O disco produzido por Thiago Marques Luiz é ótima surpresa por iluminar títulos obscuros desse cancioneiro pulsante que hoje parece se resumir a uns poucos clássicos que resistem nos programas radiofônicos de flashbacks - caso de Universo no teu Corpo, tema em sintonia com a habitual intensidade do canto de Fafá de Belém, convidada da faixa. Somente a linda música que abre o disco - Mudou (1972), interpretada por uma Célia em estado de graça em registro que somente vai surpreender quem não sabe que Célia tem atributos vocais para pertencer ao primeiro time da MPB - já vale o tributo. Mas há muito mais. Exemplo da pulsão que pontua a obra urgente de Taiguara, Coisas (1971) - tema gravado por Claudette Soares e Pery Ribeiro - joga luz sobre o canto irretocável de Adyel Silva, voz que nunca alcançou a merecida projeção. Tema de Eva (1970) reitera a limpidez do canto cristalino de Vânia Bastos, cuja voz parece flutuar pela melodia dessa canção feita por Taiguara para Evinha, presente no tributo com a interpretação de Luzes (1972). A propósito, há faixas que jogam mais luzes sobre as cantoras do que sobre as músicas. Hoje (1969) mostra para quem quiser ouvir que Fernanda Porto é intérprete expressiva que pode fazer carreira fora do universo da música eletrônica. Manhã de Londres (1972) sinaliza que Verônica Ferriani ainda não gravou um disco que evidencie todo seu potencial como cantora. Já Teu Sonho Não Acabou (1972) lembra que Luciana Mello é cantora que brilha sempre que encara repertório tão bom  quanto sua voz. Voltando ao disco, Romina e Juliano (1973) - faixa defendida por Claudette Soares, principal intérprete da obra de Taiguara (depois do próprio compositor) - destoa das demais faixas por tangenciar uma grandiloquência que contrasta com a oportuna economia dos arranjos (mais inspirados quando confiados ao pianista Gustavo Sarzi). Já Cláudia - a despeito de toda sua inegável técnica - torna o CD cansativo ao reavivar Memória Livre de Leila, música que Taigura fez para exaltar a libertária Leila Diniz (1945 - 1972) e que a própria Cláudia já havia gravado em compacto de 1972. O mesmo cansaço é sentido quando Silvia Maria se embrenha pela Terra das Palmeiras (1976), retrato de um Taiguara menos inspirado. Felizmente, entre uma e outra, há Cida Moreira, que adensa Viagem (1970), e Aretha Marcos, que reitera sua maturidade vocal ao defender Que as Crianças Cantem Livres (1973). No fim, Modinha (Sérgio Bittencourt) - único tema não autoral do tributo e, por isso, alocado como faixa-bônus - é revivida por Teresa Cristina em preciso tom melancólico. Embora perca um pouco da beleza em sua segunda metade, o tributo feminino a Taiguara se insinua fundamental por mostrar a relevância de compositor apaixonado que entrou na dança para fazer a boa música de seu tempo e lugar.

6 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Apesar de ter nascido casualmente no Uruguai, Taiguara (1945 - 1996) vivenciou os amores e dores do Brasil. Foi com alma brasileira que o cantor e compositor escreveu sua obra bela, apaixonada, de ideologia forte. Confinada no imaginário nacional nos anos rebeldes, época em que a música podia ser arma poderosa na guerra pelas liberdades individuais e coletivas, essa obra poética é iluminada pela voz de 14 cantoras no primeiro título da série A Voz da Mulher na Obra de..., da gravadora Joia Moderna, recém-aberta pelo DJ Zé Pedro. O disco produzido por Thiago Marques Luiz é ótima surpresa por iluminar títulos obscuros desse cancioneiro pulsante que hoje parece se resumir a uns poucos clássicos que resistem nos programas radiofônicos de flashbacks - caso de Universo no teu Corpo, tema em sintonia com a habitual intensidade do canto de Fafá de Belém, convidada da faixa. Somente a linda música que abre o disco - Mudou (1972), interpretada por uma Célia em estado de graça em registro que somente vai surpreender quem não sabe que Célia tem atributos vocais para pertencer ao primeiro time da MPB - já vale o tributo. Mas há muito mais. Exemplo da pulsão que pontua a obra urgente de Taiguara, Coisas (1971) - tema gravado por Claudette Soares e Pery Ribeiro - joga luz sobre o canto irretocável de Adyel Silva, voz que nunca alcançou a merecida projeção. Tema de Eva (1970) reitera a limpidez do canto cristalino de Vânia Bastos, cuja voz parece flutuar pela melodia dessa canção feita por Taiguara para Evinha, presente no tributo com a interpretação de Luzes (1972). A propósito, há faixas que jogam mais luzes sobre as cantoras do que sobre as músicas. Hoje (1969) mostra para quem quiser ouvir que Fernanda Porto é intérprete expressiva que pode fazer carreira fora do universo da música eletrônica. Manhã de Londres (1972) sinaliza que Verônica Ferriani ainda não gravou um disco que evidencie todo seu potencial como cantora. Já Teu Sonho Não Acabou (1972) lembra que Luciana Mello é cantora que brilha sempre que encara repertório tão bom quanto sua voz. Voltando ao disco, Romina e Juliano (1973) - faixa defendida por Claudette Soares, principal intérprete da obra de Taiguara (depois do próprio compositor) - destoa das demais faixas por tangenciar uma grandiloquência que contrasta com a oportuna economia dos arranjos (mais inspirados quando confiados ao pianista Gustavo Sarzi). Já Cláudia - a despeito de toda sua inegável técnica - torna o CD cansativo ao reavivar Memória Livre de Leila, música que Taigura fez para exaltar a libertária Leila Diniz (1945 - 1972) e que a própria Cláudia já havia gravado em compacto de 1972. O mesmo cansaço é sentido quando Silvia Maria se embrenha pela Terra das Palmeiras (1976), retrato de um Taiguara menos inspirado. Felizmente, entre uma e outra, há Cida Moreira, que adensa Viagem (1970), e Aretha Marcos, que reitera sua maturidade vocal ao defender Que as Crianças Cantem Livres (1973). No fim, Modinha (Sérgio Bittencourt) - único tema não autoral do tributo e, por isso, alocado como faixa-bônus - é revivida por Teresa Cristina em preciso tom melancólico. Embora perca um pouco da beleza em sua segunda metade, o tributo feminino a Taiguara se insinua fundamental por mostrar a relevância de compositor apaixonado que entrou na dança para fazer a boa música de seu tempo e lugar.

Diogo Santos disse...

Admito que conheço pouco a obra de Taiguara e achei a seleção de cantoras boa - em que pese o fato do produtor não variar muito nesses albuns tributos ...

PS: "Universo no teu corpo " foi regravado recentemente por Hebe Camarho

lurian disse...

Célia está numa grande forma nesses tributos, cada gravação melhor que a outra!!! Quanto à Claudia, pode não ter acertado devidamente desta vez, mas Universo do seu corpo com ela continua sendo imbatível. Foi uma grande interpretação!!! Gosto de ver como a Verônica Ferriani tem evoluido, esta sim parece uma boa promessa para a MPB. A pro´pósito Mauro o disco dela com Chico Saraiva - (2009) - Sobre Palavras, já teve boas interpretações!!

Luca disse...

Mauro tem implicância com Cláudia, que é uma grande cantora

KL disse...

Alguém aí poderia justificar a existência de faixa-bônus em cd gravado recentemente? Faixa-bônus, pelo que consta, é um adendo que se justifica num relançamento de lp, por exemplo. Faixas de compactos gravadas na mesma época do lp, e por aí vai.
O mundo enlouqueceu mesmo, e os sãos é que são chamados de loucos.

Jeferson Garcia disse...

Tive a mesma impressão sobre o canto de Célia. E essa semana adquiri numa promoção outro projeto do Thiago Marques, O Natal Bem Brasileiro, editado pela Biscoito Fino, e adivinha quem me arrancou lágrimas... Célia. Numa versão de "Meu Menino Jesus" de Roberto & Erasmo. Grande Cantora. Mais uma injustiçada do mercado fonográfico. E que o CD lançado ano passado comemorando 40 anos de carreira seja só o primeiro passo da valorização da grande Célia.