Mauro Ferreira no G1

Aviso aos navegantes: desde 6 de julho de 2016, o jornalista Mauro Ferreira atualiza diariamente uma coluna sobre o mercado fonográfico brasileiro no portal G1. Clique aqui para acessar a coluna. O endereço é http://g1.globo.com/musica/blog/mauro-ferreira/


quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Roteiro e direção de Túlio Feliciano tornam coesa 'Brasileirice' de Dorina

Resenha de Show
Título: Brasileirice
Artista: Dorina (em foto de Mauro Ferreira)
Local: Teatro Rival (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 8 de fevereiro de 2011
Cotação: * * * * 1/2

Mesmo à margem do mercado fonográfico, Dorina construiu discografia de respeito no mundo do samba. Brasileirice, o disco que lançou na virada de 2010 para 2011, já é o oitavo título dessa discografia e está sendo promovido com show à altura do álbum. Nome recorrente nas fichas técnicas de shows de sambistas como Beth Carvalho, o diretor Túlio Feliciano construiu roteiro bem urdido que leva Dorina por vários caminhos do samba sem se afastar de Brasileirice. Já na abertura, Brasil Pandeiro - o samba em que o centenário Assis Valente (1911 - 1958) se orgulha da batucada nativa - esquenta os pandeiros, a cantora e o público para ouvir o samba choradinho que dá título ao CD produzido por Marcus Fernando para a gravadora Rob Digital. Em Brasileirice, o samba, a boa cantora arrisca agudos com bom alcance vocal. Pescadora de pérolas do pagode, Dorina enfileira na sequência dois sambas belos que soam como novos. Cândidas Neves (Zé Renato e Nei Lopes, 2000) e Dor de Amor (Dedé da Portela e Délcio Carvalho, 1983) exemplificam o faro da cantora para garimpar repertório. A origem serrana deste último samba faz o link com Imperial (Wilson das Neves) e com o Pagode da Dona Ivone (Roque Ferreira e Mauro Diniz), tributo à Ivone Lara, nobre dama da seminal Serrinha. Com a cozinha calorosa do grupo Samba com Atitude, Dorina cai animada no samba em roteiro que reverencia com olhares diversos um Rio de Janeiro distante dos habituais cartões-postais. Se Vivência no Morro (Monarco) faz passeio romantizado por idealizadas comunidades do subúrbio carioca e da Baixada Fluminense, Malvadeza Durão (Zé Kétti) foca   o morro sob visionária ótica politizada. Se muda o olhar, a fé permanece inalterada. Baião da Penha (David Nasser e Guio de Moraes, 1951) é número em que Dorina esboça registro vocal mais denso antes de subir o tom da alegria em Padroeira (Rachado e Vaguinho), o samba que exalta Nossa Senhora da Penha e a lendária igreja situada no alto de escadaria situada em bairro carioca. Padroeira ganhou em 1986 a voz de Beth Carvalho, de cujo repertório Dorina também revive Da Melhor Qualidade (Almir Guineto e Arlindo Cruz, 1985) em medley de partido alto que agrega Não Quero Saber Mais Dela (Almir Guineto e Sombrinha) e Dalila, Cadê Guará? (Almir Guineto e Arlindo Cruz). Tal medley de altíssimo quilate foi gravado por Dorina em seu terceiro álbum - Sambas de Almir (2003), dedicado ao repertório de Almir Guineto, compositor de grande relevância nos anos 80 e 90 - e se ajustou bem a um roteiro que sai do universo do samba em Flor Voadeira (Marcelo Fedrá, Renato Frazão e Lucas Dain), canção ruralista que desabrocha em cena, em harmonioso dueto de Dorina com Bia Aparecida. De volta ao samba, Dorina engata medley que junta A Rita (Chico Buarque) com o menos inspirado Samba que Nem Rita Adora, em cuja letra Luiz Carlos da Vila (1959 - 2008) cita o samba de Chico. A lembrança de Luiz Carlos da Vila é o mote para Dorina reviver o samba-enredo Kizomba, a Festa da Raça (Rodolfo de Souza, Luiz Carlos da Vila e Jonas Rodrigues), pretexto para a entrada em cena de Mart'nália, convidada da apresentação que animou o público que foi ao Teatro Rival, no Rio de Janeiro (RJ), na noite de 8 de fevereiro de 2011. O dueto de Dorina com Mart'nália em Soberana - samba de Cláudio Guimarães e Evandro Lima que elas gravaram juntas no CD Brasileirice - encheu o show de graça e charme por conta da mise-en-scène da filha de Martinho da Vila, preparando o clima para o animado bloco final que enfileirou Dona Maria do Babado (Darcy Maravilha, Hilcemara e Rodrigo Rosado), Apito no Samba (Luiz Bandeira) e, no bis, Vai Passar (Chico Buarque e Francis Hime), Portela na Avenida (Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro) e o samba-enredo Ilu Ayê (Cabana e Norival Reis). Enfim, com sua fé no samba da melhor qualidade, Dorina fez show coeso e muito sedutor, escorada no impecável roteiro urdido pelo diretor Túlio Feliciano.

17 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Mesmo à margem do mercado fonográfico, Dorina construiu discografia de respeito no mundo do samba. Brasileirice, o disco que lançou na virada de 2010 para 2011, já é o oitavo título dessa discografia e está sendo promovido com show à altura do álbum. Nome recorrente nas fichas técnicas de shows de sambistas como Beth Carvalho, o diretor Túlio Feliciano construiu roteiro bem urdido que leva Dorina por vários caminhos do samba sem se afastar de Brasileirice. Já na abertura, Brasil Pandeiro - o samba em que o centenário Assis Valente (1911 - 1958) se orgulha da batucada nativa - esquenta os pandeiros, a cantora e o público para ouvir o samba choradinho que dá título ao CD produzido por Marcus Fernando para a gravadora Rob Digital. Em Brasileirice, o samba, a boa cantora arrisca agudos com bom alcance vocal. Pescadora de pérolas do pagode, Dorina enfileira na sequência dois sambas belos que soam como novos. Cândidas Neves (Zé Renato e Nei Lopes, 2000) e Dor de Amor (Dedé da Portela e Délcio Carvalho, 1983) exemplificam o faro da cantora para garimpar repertório. A origem serrana deste último samba faz o link com Imperial (Wilson das Neves) e com o Pagode da Dona Ivone (Roque Ferreira e Mauro Diniz), tributo à Ivone Lara, nobre dama da seminal Serrinha. Com a cozinha calorosa do grupo Samba com Atitude, Dorina cai animada no samba em roteiro que reverencia com olhares diversos um Rio de Janeiro distante dos habituais cartões-postais. Se Vivência no Morro (Monarco) faz passeio romantizado por idealizadas comunidades do subúrbio carioca e da Baixada Fluminense, Malvadeza Durão (Zé Kétti) foca o morro sob visionária ótica politizada. Se muda o olhar, a fé permanece inalterada. Baião da Penha (David Nasser e Guio de Moraes, 1951) é número em que Dorina esboça registro vocal mais denso antes de subir o tom da alegria em Padroeira (Rachado e Vaguinho), o samba que exalta Nossa Senhora da Penha e a lendária igreja situada no alto de escadaria situada em bairro carioca. Padroeira ganhou em 1986 a voz de Beth Carvalho, de cujo repertório Dorina também revive Da Melhor Qualidade (Almir Guineto e Arlindo Cruz, 1985) em medley de partido alto que agrega Não Quero Saber Mais Dela (Almir Guineto e Sombrinha) e Dalila, Cadê Guará? (Almir Guineto e Arlindo Cruz). Tal medley de altíssimo quilate foi gravado por Dorina em seu terceiro álbum - Sambas de Almir (2003), dedicado ao repertório de Almir Guineto, compositor de grande relevância nos anos 80 e 90 - e se ajustou bem a um roteiro que sai do universo do samba em Flor Voadeira (Marcelo Fedrá, Renato Frazão e Lucas Dain), canção ruralista que floresce em cena, em harmonioso dueto de Dorina com Bia Aparecida. De volta ao samba, Dorina engata medley que junta A Rita (Chico Buarque) com o menos inspirado Samba que Nem Rita Adora, em cuja letra Luiz Carlos da Vila (1959 - 2008) cita o samba de Chico. A lembrança de Luiz Carlos da Vila é o mote para Dorina reviver o samba-enredo Kizomba, a Festa da Raça (Rodolfo de Souza, Luiz Carlos da Vila e Jonas Rodrigues), pretexto para a entrada em cena de Mart'nália, convidada da apresentação que animou o público que foi ao Teatro Rival, no Rio de Janeiro (RJ), na noite de 8 de fevereiro de 2011. O dueto de Dorina com Mart'nália em Soberana - samba de Cláudio Guimarães e Evandro Lima que elas gravaram juntas no CD Brasileirice - encheu o show de graça e charme por conta da mise-en-scène da filha de Martinho da Vila, preparando o clima para o animado bloco final que enfileirou Dona Maria do Babado (Darcy Maravilha, Hilcemara e Rodrigo Rosado), Apito no Samba (Luiz Bandeira) e, no bis, Vai Passar (Chico Buarque e Francis Hime), Portela na Avenida (Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro) e o samba-enredo Ilu Ayê (Cabana e Norival Reis). Enfim, com sua fé no samba da melhor qualidade, Dorina fez show coeso e muito sedutor, escorada no impecável roteiro urdido pelo diretor Túlio Feliciano.

Luiz disse...

Se eu morasse no Rio estaria na platéia, com certeza. Viva o samba!

Bia disse...

Mauro,
vc tem toda razão! O show foi maravilhoso!Ótimo roteiro do Túlio. E Dorina estava ótima no palco! Presença, encanto e acima de tudo, muita voz!!! Com interpretação, carisma, sempre dizendo ao que veio.
Quanto ao mercado, que coloca essa cantora a sua margem, não consigo entender e também já desisti de fazê-lo, ... Vc vê tanta coisa com muito espaço na mídia ruim ou mediana ou muito ruim... mas isso não vem ao caso, certo? Não sei se os leitores do blog concordam, mas acho que, como disse Mart'Nália, na sua inspirada participação, Dorina merece muito mais. Muito mais do que vem conseguindo nessa batalha. E já são 8 discos independentes! e, diga-se de passagem, maravilhosos.
Eu sei que não é fácil viver de arte nesse país, ainda mais se vc preza por um trabalho de qualidade, não cedendo ao popularesco como faz Dorina, mas aí já é injustiça demais!!
Sendo assim, fica aqui, meu comentário, me alonguei um pouco... mas Brasil, vamos ouvir e consumir (no melhor sentido da palavra) esses trabalhos autênticos, verdadeiros! Vamos dar voz e lugar aos artistas independentes que não sucumbiram à voraz indústria. E, que mesmo sem gravadora, sem espaço na mídia, conseguem fazer muito bonito com muito talento! Valeu, Dorina! E Mauro!
Como faço para comprar o CD Brasileirice?
Fui comprá-lo após o show e já não havia mais nenhum.
Beijo!

Tempero Sonoro disse...

Assino embaixo.
Destaque especial para Bia Aparecida, que vem mostrando simplicidade e qualidade vocal e é, sem dúvida, expoente da safra de cantores jovens atuais.

Bia disse...

Oi Mauro, eu de novo, só uma correção pequena, o nome da música de Luiz Carlos da Vila que faz alusão à Rita do Chico, é "Samba que nem Rita à Dora" e não "Samba que nem Rita Adora". E eu a acho inspirada sim, uma crônica suburbana divertidíssima, e essa Dora existiu, e levou tudo o que ele conta na letra da música mesmo. haha
Um beijo!

Bia disse...

Anos 10, não sei quem tu és, mas desconfio que seja algum amigo meu!
Mesmo assim, obrigada pelos elogios!
Beijo,
Bia

Pedro Progresso disse...

Bibi Ferreira - Brasileira
Dorina - Brasileirice
Beth Carvalho - Brasileiríssima

(depois do Brasileirinho de Bethânia)
acabou a criatividade nos títulos?

Mauro Ferreira disse...

Bia, sei que muitos grafam o samba de Luiz Carlos da Vila como vc disse. Mas eu segui a grafia dos dois registros feitos pelo autor nos CDs 'Raças Brasil' e 'Ao Vivo'. Abs, MauroF

Unknown disse...

Infelizmente, a mídia faz e ela mesma desfaz, só que o desfazimento é sempre do melhor da MPB, ficando com o pior da MPB.
Esse show mosra que independente dessa mídia o que é bom prevalece, resiste. São 8 maravilhosos CD's independentes, trabalhos de qualidade, merecedores de premios, e indicações a premios. Dorina respeita seu público e dá a ele o melhor, obrigada por mais uma vez deixar que desfrutemos do seu talento.

Romildo Guerrante disse...

Dorina é uma operária da brasileirice, sabe tudo de samba, tem ouvido apurado e - pelo que se tem visto - genética privilegiada. Não pude ir porque, lamentavelmente, na mesma hora estavam sendo apresentados os sambas do meu bloco, o Imprensa que eu Gamo. Mas eu sei que esse show reaparece por aí. E não demora.

M.M. disse...

Com certeza essas grafias não fora feitas pelo Luiz Carlos. O samba é " O samba que nem Rita `a Dora ", feito pra sua ex-mulher, como disse a leitora acima, corretamente. Conhecimento de causa. Viva Dorina !

Rota Romântica-Valnora disse...

O Mauro Ferreira, feliz em sua análise, disse tudo.
Resta a nós, que fomos ao Rival, saborear o gostinho bom que continua, mesmo no dia seguinte ao show:
Seleção de repertório impecável, arranjos que fogem ao lugar comum, interpretação madura, firme e o grupo Samba Com Atitude a garantir a melhor “cozinha” do momento. Em síntese, show de uma grande estrela da música brasileira.
Valmir Barbosa

Rota Romântica-Valnora disse...

O Mauro Ferreira, feliz em sua análise, disse tudo.
Resta a nós, que fomos ao Rival, saborear o gostinho bom que continua, mesmo no dia seguinte ao show:
Seleção de repertório impecável, arranjos que fogem ao lugar comum, interpretação madura, firme e o grupo Samba Com Atitude a garantir a melhor “cozinha” do momento. Em síntese, show de uma grande estrela da música brasileira.
Valmir Barbosa

Rota Romântica-Valnora disse...

O Mauro Ferreira, feliz em sua análise, disse tudo.
Resta a nós, que fomos ao Rival, saborear o gostinho bom que continua, mesmo no dia seguinte ao show:
Seleção de repertório impecável, arranjos que fogem ao lugar comum, interpretação madura, firme e o grupo Samba Com Atitude a garantir a melhor “cozinha” do momento. Em síntese, show de uma grande estrela da música brasileira.
Valmir Barbosa

Cleber Henrique disse...

Infelizmente não pude ir... e nem imagina como isso me dói. Dorina sabe o que faz, como faz e como fazer. Ave Dorina!!

Saulo disse...

Concordo quando Mauro diz que esse é o melhor show da Dorina. Acrescento ainda que esse foi o mesmo pensamento que tive no último que vi e que terei quando o próximo show for lançado. Isso mostra o talento e a força de Dorina que a faz sempre com capacidade de criação e superação, combinação que vejo em pouquissímas intérpretes hoje.
Aliás, isso me faz questionar as avaliações críticas que fazem aos produtos musicais (não estou falando especificamente desse blog, que é excelente).
Perfeição não existe. A Dorina é uma cantora possível e a vivência de um CD, roda ou show que ela faz sempre comunica e emociona, então, de onde vem a necessidade de estabelecer parâmetros técnicos para fundamentar análise de um bem intangível como a arte e a emoção que ela provoca?
Acho engraçado quando vejo nas críticas de Dorina uma menção a um "exagero na interpretação" ou a esboço(?) de "registro vocal mais denso". Como público médio, não especialista, que imagino que seja a quem os produtos culturais se dirigem, só posso achar curioso. O "exagero" de Dorina é o que me comove e "densidade" eu sinto desde o primeiro momento que ouço sua voz num show até a forma contagiante com que se despede, passando pela sua forma típica de rodopiar e expressar seu nervosismo em cena.
Enfim, entendo eu exista uma lógica vigente na análise e formação musical, mas justamente por acreditar que estejamos em crise desse sistema, acho que é chegada a hora de estabelecermos outros parâmetros que incluam mais sentimentos e emoções.
Mudando de assunto, Mart´nalia é um éspetáculo a parte, com seu sorriso e ginga ela não precisava nem saber cantar. E sabe.
Bia Aparecida é um algo além da "harmonia" de "Flor Voadeira", na minha humilde opinião. É uma artista em formação sim, mas que já demonstra força e brilho destoante do mercado das bonitas moças que entoam samba. E isso merece ser registrado.
Samba com Atitude também diz ao que veio e cumpre com maestria um papel dificílimo, o de ser simultaneamente base e estrutura para o solo de Dorina, mas imprimindo suas próprias características sem estar em desarmonia com que a cantora propõe, pelo contrário, poderíamos jurar que sempre formaram uma só banda.
Obrigado Mauro por criar um espaço de vida inteligente no espaço virtual.
Saulo Rocha

Eugenia disse...

Muito bom seu texto, Mauro, como sói acontecer. Fiz um link para o mesmo no site em q sou editora (Agenda do Samba e Choro). Aqui: http://www.samba-choro.com.br/noticias/25315
Abraços