Mauro Ferreira no G1

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quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Entre batuques e romances, Arlindo reitera estirpe no álbum 'Herança popular'

Resenha de CD
Título: Herança popular
Artista: Arlindo Cruz
Gravadora: Sony Music
Cotação: * * * 1/2

 Figura central das rodas de samba do Rio de Janeiro (RJ) desde o início dos anos 1980, Arlindo Cruz construiu obra sólida como as tamarineiras enraizadas na quadra do bloco carioca Cacique de Ramos, em cujas reuniões se revelou exímio partideiro. Mas somente nos últimos anos, através de conexões com a TV Globo, o cantor e compositor carioca parece ter saído do fundo de seu quintal para ocupar lugar de destaque em salas ambientadas fora dos redutos do samba. Prestes a completar 56 anos, em 14 de setembro de 2014, Cruz reitera sua estirpe nobre no álbum de inéditas autorais Herança popular, 22º título de discografia que contabiliza 10 álbuns com o grupo Fundo de Quintal e cinco gravados em dupla com Sombrinha, sambista da mesma linhagem de Arlindo. Sétimo CD solo de carreira individual iniciada sem repercussão com o CD Arlindinho (Line Records, 1993), Herança popular segue - em seus 16 sambas autorais, compostos com doses distintas de inspiração - a trilha pavimentada por Arlindo desde Sambista perfeito (Deck, 2007), CD em que o artista misturou partidos altos com sambas de tonalidade romântica. Quando junta batuques e romances, como no belo partido Sinceridade (Arlindo Cruz, André Diniz, Leonel e Evandro Bocão), Arlindo faz valer sua linhagem e se distancia dos triviais pagodeiros românticos que puseram água no feijão do samba. Primeiro disco inteiramente autoral do fértil compositor, que já totaliza mais de 700 músicas gravadas, Herança popular alinha 16 sambas formatados em 15 faixas pelo filho do artista, Arlindo Neto, a quem foi confiada a produção do álbum. O grande destaque é o partido alto que abre o disco e lhe dá nome, Herança popular (Arlindo Cruz, Fábio Henrique e Nailson Mota), no qual Arlindo lista nomes da linhagem mais nobre do samba, celebrando em especial os bambas Candeia (1935 - 1978) e Cartola (1940 - 1980), que têm clássicos de seus repertórios citados por Arlindo no improviso feito ao fim da faixa adornada com o toque virtuoso do bandolim de Hamilton de Holanda. Da safra de sambas românticos, uns - como o apaixonado Não penso em mais nada (Arlindo Cruz e Junior Dom) - se revelam mais inspirados do que outros, caso do menos sedutor Me dê um tempo pra pensar (Arlindo Cruz e Junior Dom). De todo modo, Arlindo sabe bater em outras teclas e tamborins sem sair do tom. A diversidade de temas e convidados do disco - o rapper Marcelo D2, o funkeiro Mr. Catra, a cantora Maria Rita (que já deu voz a nove músicas do compositor em seus dois álbuns de samba), o compadre Zeca Pagodinho e o surfista Pedro Scooby - reforça a habilidade de Arlindo de pisar em outros terreiros sem efetivamente sair de seu quintal. D2 recita trecho da Bíblia na introdução de O mundo em que renasci (Arlindo Cruz e Rogê), samba que prega a fé em Deus com o mesmo alto astral com que Arlindo dá sua receita de bem-viver no menos envolvente Isso é felicidade (Arlindo Cruz e Délcio Luiz). A felicidade, aliás, dá o tom do amor em paz que pauta Paixão e prazer (Arlindo Cruz, Fred Camacho e Marcelinho Moreira), samba de romantismo sensual valorizado pelo vocal de Maria Rita. A cantora está tão à vontade no disco como Mr. Catra, cuja presença se justifica na regravação de Ela sambou, eu dancei (Arlindo Cruz, Acyr Marques e Geraldão) - composição lançada pelo grupo Raça no álbum Pura emoção (BMG, 1995) - porque Arlindo adicionou batidas, códigos e signos do funk ao samba. Revitalizado em ritmo de samba-funk, Ela sambou, eu dancei é um dois antigos e (até então) esquecidos sambas de Arlindo que o compositor tirou do baú para compor o repertório de Herança popular. O outro é Somente sombras, samba dolente lançado em 1987 pelo cantor paulista Jair Rodrigues (1939 - 2014) e ora revivido por Arlindo em tons menores com seu compadre Zeca Pagodinho. Na roda dos partidos, Jogador (Arlindo Cruz e Rogê) bate na trave ao pôr em campo a saga dos craques do futebol enquanto Caranguejo (Arlindo Cruz e Luiz Cláudio Picolé) refaz a crônica de costumes do subúrbio carioca, tônica da geração 1980 que despontou no Cacique de Ramos. O toque político de Ilicitação (Arlindo Cruz, André Diniz, Leonel e Evandro Bocão) também evoca a verve dessa turma feliz e ciente de que a onda leva camarão que dorme. Aliás, O surfista e o sambista (Arlindo Cruz e Rogê) tira onda com a participação afetiva de Pedro Scooby, jovem talento do esporte aquático. Já Whatsappiei pra ela (Arlindo Cruz, Maurição e Junior Dom) se banha nas águas do samba baiano, conectando Arlindo às redes sociais. O maroto tema está linkado em Herança popular ao samba Melhor parar (Arlindo Cruz, Maurição e Junior Dom). Enfim, herdeiro dos bambas do samba, Arlindo Cruz já é - ele mesmo - rica fonte de inspiração para os sambistas mais jovens. Lançado pela gravadora Sony Music, o sétimo álbum solo do sambista mostra que, mesmo sem tirar o pé das próprias raízes, Arlindo Cruz sabe pisar em outros terreiros, (se) conectando com os sambas e os dias de hoje.

2 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Figura central das rodas de samba do Rio de Janeiro (RJ) desde o início dos anos 1980, Arlindo Cruz construiu obra sólida como as tamarineiras enraizadas na quadra do bloco carioca Cacique de Ramos, em cujas reuniões se revelou exímio partideiro. Mas somente nos últimos anos, através de conexões com a TV Globo, o cantor e compositor carioca parece ter saído do fundo de seu quintal para ocupar lugar de destaque em salas ambientadas fora dos redutos do samba. Prestes a completar 56 anos, em 14 de setembro de 2014, Cruz reitera sua estirpe nobre no álbum de inéditas autorais Herança popular, 22º título de discografia que contabiliza 10 álbuns com o grupo Fundo de Quintal e cinco gravados em dupla com Sombrinha, sambista da mesma linhagem de Arlindo. Sétimo CD solo de carreira individual iniciada sem repercussão com o CD Arlindinho (Line Records, 1993), Herança popular segue - em seus 16 sambas autorais, compostos com doses distintas de inspiração - a trilha pavimentada por Arlindo desde Sambista perfeito (Deck, 2007), CD em que o artista misturou partidos altos com sambas de tonalidade romântica. Quando junta batuques e romances, como no belo partido Sinceridade (Arlindo Cruz, André Diniz, Leonel e Evandro Bocão), Arlindo faz valer sua linhagem e se distancia dos triviais pagodeiros românticos que puseram água no feijão do samba. Primeiro disco inteiramente autoral do fértil compositor, que já totaliza mais de 700 músicas gravadas, Herança popular alinha 16 sambas formatados em 15 faixas pelo filho do artista, Arlindo Neto, a quem foi confiada a produção do álbum. O grande destaque é o partido alto que abre o disco e lhe dá nome, Herança popular (Arlindo Cruz, Fábio Henrique e Nailson Mota), no qual Arlindo lista nomes da linhagem mais nobre do samba, celebrando em especial os bambas Candeia (1935 - 1978) e Cartola (1940 - 1980), que têm clássicos de seus repertórios citados por Arlindo no improviso feito ao fim da faixa adornada com o toque virtuoso do bandolim de Hamilton de Holanda. Da safra de sambas românticos, uns - como o apaixonado Não penso em mais nada (Arlindo Cruz e Junior Dom) - se revelam mais inspirados do que outros, caso do menos sedutor Me dê um tempo pra pensar (Arlindo Cruz e Junior Dom). De todo modo, Arlindo sabe bater em outras teclas e tamborins sem sair do tom. A diversidade de temas e convidados do disco - o rapper Marcelo D2, o funkeiro Mr. Catra, a cantora Maria Rita (que já deu voz a nove músicas do compositor em seus dois álbuns de samba), o compadre Zeca Pagodinho e o surfista Pedro Scooby - reforça a habilidade de Arlindo de pisar em outros terreiros sem efetivamente sair de seu quintal. D2 recita trecho da Bíblia na introdução de O mundo em que renasci (Arlindo Cruz e Rogê), samba que prega a fé em Deus com o mesmo alto astral com que Arlindo dá sua receita de bem-viver no menos envolvente Isso é felicidade (Arlindo Cruz e Délcio Luiz). A felicidade, aliás, dá o tom do amor em paz que pauta Paixão e prazer (Arlindo Cruz, Fred Camacho e Marcelinho Moreira), samba de romantismo sensual valorizado pelo vocal de Maria Rita. A cantora está tão à vontade no disco como Mr. Catra, cuja presença se justifica na regravação de Ela sambou, eu dancei (Arlindo Cruz, Acyr Marques e Geraldão) - composição lançada pelo grupo Raça no álbum Pura emoção (BMG, 1995) - porque Arlindo adicionou batidas, códigos e signos do funk ao samba.

Mauro Ferreira disse...

Revitalizado em ritmo de samba-funk, Ela sambou, eu dancei é um dois antigos e (até então) esquecidos sambas de Arlindo que o compositor tirou do baú para compor o repertório de Herança popular. O outro é Somente sombras, samba dolente lançado em 1987 pelo cantor paulista Jair Rodrigues (1939 - 2014) e ora revivido por Arlindo em tons menores com seu compadre Zeca Pagodinho. Na roda dos partidos, Jogador (Arlindo Cruz e Rogê) bate na trave ao pôr em campo a saga dos craques do futebol enquanto Caranguejo (Arlindo Cruz e Luiz Cláudio Picolé) refaz a crônica de costumes do subúrbio carioca, tônica da geração 1980 que despontou no Cacique de Ramos. O toque político de Ilicitação (Arlindo Cruz, André Diniz, Leonel e Evandro Bocão) também evoca a verve dessa turma feliz e ciente de que a onda leva camarão que dorme. Aliás, O surfista e o sambista (Arlindo Cruz e Rogê) tira onda com a participação afetiva de Pedro Scooby, jovem talento do esporte aquático. Já Whatsappiei pra ela (Arlindo Cruz, Maurição e Junior Dom) se banha nas águas do samba baiano, conectando Arlindo às redes sociais. O maroto tema está linkado em Herança popular ao samba Melhor parar (Arlindo Cruz, Maurição e Junior Dom). Enfim, herdeiro dos bambas do samba, Arlindo Cruz já é - ele mesmo - rica fonte de inspiração para os sambistas mais jovens. Lançado via Sony Music, seu sétimo álbum solo mostra que, mesmo sem tirar o pé de suas raízes, Arlindo Cruz sabe pisar em outros terreiros e praias, (se) conectando com os sambas e os dias de hoje.