Mauro Ferreira no G1

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sábado, 26 de julho de 2014

Show de voz e violão, 'No osso' é solo da paixão de Marina Lima pela música

Resenha de show
Título: No osso
Artista: Marina Lima (em foto de Rodrigo Goffredo)
Local: Miranda (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 25 de julho de 2014
Cotação: * * * 1/2

 No show No osso, Marina Lima volta aos primórdios da criação de sua música, espocando nas cordas de seu violão flashes de trajetória musical iluminada pela atitude e pela coragem de se expor sem máscaras e subterfúgios. Mas sem ranço nostálgico. É sintomático, aliás, que a cantora e compositora de origem piauiense e alma carioca tenha escolhido música que mira o futuro - Que ainda virão (Marina Lima, 2006), lançada no álbum Lá nos primórdios (EMI Music, 2006) - para encerrar show em que revira páginas menos folheadas de seu passado em roteiro pontuado por lados b de discografia iniciada há 35 anos. "Os passos que não dei / Ainda virão / Em outra direção / ... / O sol brilha no azul / Que aponta novos caminhos / Quem sabe logo virão me achar", canta Marina em Que ainda virão, ao fim de seu primeiro show de voz & violão. O próprio conceito do show aponta novo caminho para uma artista identificada com uma guitarra no imaginário pop nacional. Desde 1979, Marina é umas das mais perfeitas traduções do pop rock brasileiro, ainda que sua música nem sempre possa ser enquadrada na moldura do rock. Desossar suas canções ao violão, em público, é atitude que reitera a coragem artística de Marina por realçar em cena uma voz que já não resiste às comparações com gravações anteriores a 1996, ano de rupturas na carreira da cantora. Mas a voz está lá, sim, inteira ao modo atual de Marina. E, por mais incrível que pareça, essa voz nunca soou tão bem nos últimos 18 anos, expondo luzes e sombras de uma artista que sempre preservou a integridade. "Jamais foi tão escuro no país do futuro", volta a cantar Marina - sentada no sofá que compõe o cenário casual do show, à luz de luminária - ao reviver $ cara (Marina Lima e Antonio Cícero, 1989), lado A que o tempo destinou a ser lado B de um álbum nublado (Próxima parada, PolyGram, 1989). Entre tons mais ou menos iluminados, Marina apresenta show que desmente todos os prognósticos pessimistas e soa fluente, sedutor. Até porque Marina jamais arranha seu violão. O instrumento que a conduz na interpretação de canções que partiram do violão - como a artista ressalta em cena - é tocado com propriedade, com conhecimento de causa e com uma musicalidade que embasa boas surpresas como Something that we missed (Marina Lima e Giovanni Bizzotto em versão em inglês de Pat McDonald, 1993) - abordagem em inglês de O chamado, música que deu título ao álbum lançado por Marina em 1993 - e O solo da paixão (Marina Lima e Antonio Cícero). Há surpresas menos boas em roteiro povoado por composições menos conhecidas da cantautora. Música do álbum Virgem (PolyGram, 1987) que Marina nunca havia apresentado ao vivo, 1º de abril (Eu negar)? (Marina Lima, 1987) é canção menor na obra de compositora capaz de voos artísticos mais altos - como os alçados, por exemplo, na criação de Na minha mão (Marina Lima e Alvin L, 1998), momento mais relevante do show. Em contrapartida, as oportunas lembranças de Noite e dia - parceria de Lobão com Júlio Barroso (1953 - 1984) lançada por Marina no álbum Desta vida, desta arte (Ariola, 1982) - e do rock Acho que dá (Marina Lima e Tavinho Paes), reminiscência de aventura na estrada a caminho de Búzios (RJ), legitimam a pescaria de pérolas no baú da artista. A harmonização de sua voz com o toque preciso do violão - afinado em cena repetidas vezes - resulta tão suficiente que o uso eventual de bases eletrônicas em músicas como À meia voz (Marina Lima e Antonio Cícero, 1996) e Fullgás (Marina Lima e Antonio Cícero, 1984) soa até dispensável, pois polui a atmosfera íntima do show sem criar a rigor um novo ambiente. As bases se justificam somente nos dois números - Não me venha mais com o amor (Marina Lima e Adriana Calcanhotto, 2011) e Keep walkin' (Marina Lima, 2011) - em que, munida de sua guitarra, Marina mostra de forma quase didática como se deu a criação sintética dessas músicas gravadas em seu último revigorante álbum, Clímax (Libertà Records / Fullgás / Microservice, 2011). De todo modo, os melhores momentos do show No osso são aqueles em que, no seu lugarzinho (termo usado pela cantora para caracterizar o sofá que a acomoda durante quase toda a apresentação), Marina apresenta bom samba inédito de sua lavra, Da Gávea, entre alguns sucessos que geram empatia imediata entre cantora e público nem sempre disposto a ouvir o que não conhece ou não se lembra. Nesse sentido, a obra-prima Virgem (Marina Lima e Antonio Cícero, 1987) e as delícias do bis - Criança (Marina Lima, 1991), Grávida (Marina Lima e Arnaldo Antunes, 1991), Eu te amo você (Kiko Zambianchi, 1985) e À francesa (Marina Lima e Antonio Cícero, 1989) - aumentam o grau de sedução popular de No osso, show que, sobre todas as coisas, é essencialmente um corajoso solo que evidencia a paixão de Marina Lima pela (sua) música e pela vida, com muita fé no que ainda virá. Os passos que a cantora não deu ainda virão...

9 comentários:

Mauro Ferreira disse...

No show No osso, Marina Lima volta aos primórdios da criação de sua música, espocando nas cordas de seu violão flashes de trajetória musical iluminada pela atitude e pela coragem de se expor sem máscaras e subterfúgios. Mas sem ranço nostálgico. É sintomático, aliás, que a cantora e compositora carioca tenha escolhido música que mira o futuro - Que ainda virão (Marina Lima, 2006), lançada no álbum Lá nos primórdios (EMI Music, 2006) - para encerrar show em que revira páginas menos folheadas de seu passado em roteiro pontuado por lados b de discografia iniciada há 45 anos. "Os passos que não dei / Ainda virão / Em outra direção / ... / O sol brilha no azul / Que aponta novos caminhos / Quem sabe logo virão me achar", canta Marina em Que ainda virão, ao fim de seu primeiro show de voz & violão. O próprio conceito do show aponta novo caminho para uma artista identificada com uma guitarra no imaginário pop nacional. Desde 1979, Marina é umas das mais perfeitas traduções do pop rock brasileiro, ainda que sua música nem sempre possa ser enquadrada na moldura do rock. Desossar suas canções ao violão, em público, é atitude que reitera a coragem artística de Marina por realçar em cena uma voz que já não resiste às comparações com gravações anteriores a 1996, ano de rupturas na carreira da cantora. Mas a voz está lá, sim, inteira ao modo atual de Marina. E, por mais incrível que pareça, essa voz nunca soou tão bem nos últimos 18 anos, expondo luzes e sombras de uma artista que sempre preservou a integridade. "Jamais foi tão escuro no país do futuro", volta a cantar Marina - sentada no sofá que compõe o cenário casual do show, à luz de luminária - ao reviver $ cara (Marina Lima e Antonio Cícero, 1989), lado A que o tempo destinou a ser lado B de um álbum nublado (Próxima parada, PolyGram, 1989). Entre tons mais ou menos iluminados, Marina apresenta show que desmente todos os prognósticos pessimistas e soa fluente, sedutor. Até porque Marina jamais arranha seu violão. O instrumento que a conduz na interpretação de canções que partiram do violão - como a artista ressalta em cena - é tocado com propriedade, com conhecimento de causa e com uma musicalidade que embasa boas surpresas como Something that we missed (Marina Lima e Giovanni Bizzotto em versão em inglês de Pat McDonald, 1993) - abordagem em inglês de O chamado, música que deu título ao álbum lançado por Marina em 1993 - e O solo da paixão (Marina Lima e Antonio Cícero).

Mauro Ferreira disse...

Há surpresas menos boas em roteiro povoado por composições menos conhecidas da cantautora. Música do álbum Virgem (PolyGram, 1987) que Marina nunca havia apresentado ao vivo, 1º de abril (Eu negar)? (Marina Lima, 1987) é canção menor na obra de compositora capaz de voos artísticos mais altos - como os alçados, por exemplo, na criação de Na minha mão (Marina Lima e Alvin L, 1998), momento mais relevante do show. Em contrapartida, as oportunas lembranças de Noite e dia - parceria de Lobão com Júlio Barroso (1953 - 1984) lançada por Marina no álbum Desta vida, desta arte (Ariola, 1982) - e do rock Acho que dá (Marina Lima e Tavinho Paes), reminiscência de aventura na estrada a caminho de Búzios (RJ), legitimam a pescaria de pérolas no baú da artista. A harmonização de sua voz com o toque preciso do violão - afinado em cena repetidas vezes - resulta tão suficiente que o uso eventual de bases eletrônicas em músicas como À meia voz (Marina Lima e Antonio Cícero, 1996) e Fullgás (Marina Lima e Antonio Cícero, 1984) soa até dispensável, pois polui a atmosfera íntima do show sem criar a rigor um novo ambiente. As bases se justificam somente nos dois números - Não me venha mais com o amor (Marina Lima e Adriana Calcanhotto, 2011) e Keep walkin' (Marina Lima, 2011) - em que, munida de sua guitarra, Marina mostra de forma quase didática como se deu a criação sintética dessas músicas gravadas em seu último revigorante álbum, Clímax (Libertà Records / Fullgás / Microservice, 2011). De todo modo, os melhores momentos do show No osso são aqueles em que, no seu lugarzinho (termo usado pela cantora para caracterizar o sofá que a acomoda durante quase toda a apresentação), Marina apresenta bom samba inédito de sua lavra, Da Gávea, entre alguns sucessos que geram empatia imediata entre cantora e público nem sempre disposto a ouvir o que não conhece ou não se lembra. Nesse sentido, a obra-prima Virgem (Marina Lima e Antonio Cícero, 1987) e as delícias do bis - Criança (Marina Lima, 1991), Grávida (Marina Lima e Arnaldo Antunes, 1991), Eu te amo você (Kiko Zambianchi, 1985) e À francesa (Marina Lima e Antonio Cícero, 1989) - aumentam o grau de sedução popular de No osso, show que, sobre todas as coisas, é essencialmente um corajoso solo que evidencia a paixão de Marina Lima pela música e pela vida, com fé no que ainda virá.

Douglas Carvalho disse...

Tomei o maior susto agora... eu sei que o primeiro disco de marina foi lançado depois que eu nasci, e aí leio no texto "discografia iniciada a 45 anos", por uma fração de segundo eu pensei, "PÔ, se a carreira da Marina tem 45 anos, então eu sou muito mais velho que pensava".... mas daí vi que é só um erro.

Ajeita o texto, Mauro, que tu vais matar um do coração!!!

Mauro Ferreira disse...

Grato pelo toque, Douglas. Errei na conta! abs, mauroF

Fabio disse...

Essa é grande! Fiquei curioso em ouvir Criança apenas com violão.

Israel Lee disse...

Amo a voz de Marina pq tem substância, tem discurso. Tem tudo que sinto falta nas outras. Sua voz é não é uma voz qualquer: é marca registrada, é assinatura, é a alma das suas canções. Isso pq ela é autora das palavras que canta. Se com um livro, por exemplo, só intuímos ‘a voz’ do escritor, na obra de Marina temos o privilégio de ouvir a obra com a voz da artista. E em show aos vivo, por ser o risco maior, o prazer também é em dobro. E dissecado dessa forma, no formato voz e violão, fica ainda mais poderoso. Marina não quer provar nada nem encher de artifícios o seu papel. Pelo contrário, está cada vez mais entregue e inteira ao seu ofício. Ouço um tanto de coisas, gosto de umas coisas pra deixar de gostar em seguida. No entanto, Marina é uma constante no rádio aqui de casa. Não vejo a hora desse show vir a Porto Alegre!

Unknown disse...

Marina Lima é perfeita ♡ ♡ ♡ sempre fui admiradora desse talento.

ADEMAR AMANCIO disse...

A roqueira mais MPB que conheço.

Rodrigo disse...

Puxa só de saber que ela está cantando 1º de abril (eu negar?) já fiquei salivando pra ver esse show. Adoro essa música...