Mauro Ferreira no G1

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quarta-feira, 9 de julho de 2014

Moreno gira pelo universo pop no show 'Coisa boa' sem perder a ternura

Resenha de show
Título: Coisa boa
Artista: Moreno Veloso (em foto de Rodrigo Goffredo)
Local: Theatro Net Rio (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 7 de julho de 2014
Cotação: * * * *

"Minha imperfeição é a voz da vez", sentencia Moreno Veloso já em verso de Um passo à frente (Moreno Veloso e Quito Ribeiro, 2005), o delicioso samba à moda baiana que abre o roteiro de Coisa boa, show que chegou ao Rio de Janeiro (RJ) na noite de 7 de julho de 2014 em apresentação no Theatro Net Rio. Sim, a imperfeita voz eficaz do filho mais velho de Caetano Veloso é a bola da vez. Toda uma aura hype vem sendo alimentada pela mídia do eixo Rio-São Paulo em torno do baiano Moreno por conta do lançamento de seu primeiro álbum solo gravado para o Brasil, o ótimo Coisa boa (Maravilha 8 / Pommelo Distribuições, 2008). Embora pareça alheio a todo esse hype cultivado na cena indie, o falante Moreno confirma seu excelente momento em cena, acompanhado por trio formado pelo guitarrista Pedro Sá, o baterista Rafael Rocha e o baixista Bruno Di Lullo. Rocha e Di Lullo são metade do quarteto carioca Tono, saudado por Moreno no palco do Theatro Net Rio diante de plateia formada majoritariamente por convidados. O show Coisa boa é ótimo como o disco - e seria ainda melhor se Moreno dosasse suas falas, já que alguns comentários feitos com os músicos soam bobos. Felizmente, a música é coisa muito boa, transitando com naturalidade entre Rio de Janeiro e Bahia - sobretudo no fim do show, pontuado por temas dos repertórios de grupos afro-baianos - com direito a escalas em Argentina, Itália, Japão e Portugal. Talvez pela origem soteropolitana, o artista nascido em Salvador (BA) em 1972 mantém um pé firme no samba de sua terra. Em Não acorde o neném (Domenico Lancellotti e Moreno Veloso, 2014), o cantor maneja habilmente prato e faca para mostrar como se faz samba no Recôncavo Baiano. E também como se samba na região - coisa boa que Moreno mostra quando dança em cena no passo do Recôncavo. Feito para fazer o neném dormir, o acalanto Coisa boa (Moreno Veloso e Domenico Lancellotti, 2014) mantém o público acordado pela beleza melódica e poética do tema. Que dialoga com Jacaré coruja (Moreno Veloso e Quito Ribeiro, 2014), lúdica música que pareceu feita sob medida para as crianças - filhos de amigos do artista - presentes na estreia carioca de Coisa boa. Composição do álbum Máquina de escrever música (RockIt!, 2000), gravado pelo cantor sob a alcunha de Moreno + 2, Das partes (Pedro Sá e Domenico Lancellotti, 2000) arma jogo poético embaçado pela ambiência noise do número. Direta, a poesia romântica de Verso simples (Domenico Lancellotti, Dudu Falcão e Moreno Veloso, 2014) incorpora versos em italiano, numa amostra da habilidade poliglota do artista. Além de arriscar cantar em japonês Onaji sora (Moreno Veloso e Takako Minekawa, 2014), infelizmente minimizando o imenso significado poético da letra ao explicá-la para o público, Moreno engata "castelhano qualquer nota" - termo que usa em cena para fazer piada de si mesmo - quando entoa Mambeado (Cantale) (Ignazio Rodriguez Baigueira, 2011), música do cantautor argentino Nacho Rodriguez, com quem Moreno já vem travando diálogo além das fronteiras do Brasil. Moreno embute no número citação do samba-reggae Swing da cor (Luciano Gomes, 1991), revelando apego aos sons dos blocos e grupos afro-baianos, zelo reiterado no fim do show quando deu voz a duas músicas do repertório do Ilê Aiyê - Ilê de luz (Carlos Lima Suka, 1989) e Corpo excitado (Reizinho, 1996) - e quando, atendendo a pedido, cantou no bis Deusa do amor (Adailton Farias e Valter Farias, 1999), música do Olodum que gravara há 14 anos no já citado álbum Máquina de escrever música e que desde então se tornou seu hit cult. Deste disco assinado pelo trio Moreno + 2, o cantor também revive a funkeada Arrivederci (Moreno Veloso, 2000), instante de sedução pop do roteiro. Alternando-se no violão (seu instrumento principal) e na percussão, Moreno se afina em cena com Pedro Sá (cuja guitarra cai com facilidade no suingue), Bruno Di Lullo- cujo toque minimalista de seu baixo sublinha a delicadeza da melancólica valsa Num galho de acácias (Un peu d'amour) (Stanislao Silesu e Nilson Fysher, 1912, em versão em português de J. Carlos, 1930) - e com Rafael Rocha, baterista convidado a cantar Leve (Rafael Rocha, 2013), boa música do terceiro álbum, Aquário (Independente, 2013), de sua banda Tono. Moreno acerta ao entrelaçar no roteiro canções mais serenas - como a inédita Rosa, música feita pelo compositor gaúcho Nenung - com temas dançantes como a lusitana Noite de Santo Antônio (Norberto Araújo e Raul Ferrão, 1950), marcha junina propagada na voz da cantora portuguesa Amália Rodrigues (1920-1999). Entre Rio, Bahia e vários países, Moreno Veloso dá giro pelo universo pop sem perder a ternura.

2 comentários:

Mauro Ferreira disse...

"Minha imperfeição é a voz da vez", sentencia Moreno Veloso já em verso de Um passo à frente (Moreno Veloso e Quito Ribeiro, 2005), o delicioso samba à moda baiana que abre o roteiro de Coisa boa, show que chegou ao Rio de Janeiro (RJ) na noite de 7 de julho de 2014 em apresentação no Theatro Net Rio. Sim, a imperfeita voz eficaz do filho mais velho de Caetano Veloso é a bola da vez. Toda uma aura hype vem sendo alimentada pela mídia do eixo Rio-São Paulo em torno do baiano Moreno por conta do lançamento de seu primeiro álbum solo gravado para o Brasil, o ótimo Coisa boa (Maravilha 8 / Pommelo Distribuições, 2008). Embora pareça alheio a todo esse hype cultivado na cena indie, o falante Moreno confirma seu excelente momento em cena, acompanhado por trio formado pelo guitarrista Pedro Sá, o baterista Rafael Rocha e o baixista Bruno Di Lullo. Rocha e Di Lullo são metade do quarteto carioca Tono, saudado por Moreno no palco do Net Rio diante de plateia formada majoritariamente por convidados. O show Coisa boa é ótimo como o disco - e seria ainda melhor se Moreno dosasse suas falas, já que alguns comentários feitos com os músicos soam bobos. Felizmente, a música é coisa muito boa, transitando com naturalidade entre Rio de Janeiro e Bahia - sobretudo no fim do show, pontuado por temas dos repertórios de grupos afro-baianos - com direito a escalas em Argentina, Itália, Japão e Portugal. Talvez pela origem soteropolitana, o artista nascido em Salvador (BA) em 1972 mantém um pé firme no samba de sua terra. Em Não acorde o neném (Domenico Lancellotti e Moreno Veloso, 2014), o cantor maneja habilmente prato e faca para mostrar como se faz samba no Recôncavo Baiano. E também como se samba na região - coisa boa que Moreno mostra quando dança em cena no passo do Recôncavo. Feito para fazer o neném dormir, o acalanto Coisa boa (Moreno Veloso e Domenico Lancellotti, 2014) mantém o público acordado pela beleza melódica e poética do tema. Que dialoga com Jacaré coruja (Moreno Veloso e Quito Ribeiro, 2014), lúdica música que pareceu feita sob medida para as crianças - filhos de amigos do artista - presentes na estreia carioca de Coisa boa. Composição do álbum Máquina de escrever música (RockIt!, 2000), gravado pelo cantor sob a alcunha de Moreno + 2, Das partes (Pedro Sá e Domenico Lancellotti, 2000) arma jogo poético embaçado pela ambiência noise do número. Direta, a poesia romântica de Verso simples (Domenico Lancellotti, Dudu Falcão e Moreno Veloso, 2014) incorpora versos em italiano, numa amostra da habilidade poliglota do artista.

Mauro Ferreira disse...

Além de arriscar cantar em japonês Onaji sora (Moreno Veloso e Takako Minekawa, 2014), infelizmente minimizando o imenso significado poético da letra ao explicá-la para o público, Moreno engata "castelhano qualquer nota" - termo que usa em cena para fazer piada de si mesmo - quando entoa Mambeado (Cantale) (Ignazio Rodriguez Baigueira, 2011), música do cantautor argentino Nacho Rodriguez, com quem Moreno já vem travando diálogo além das fronteiras do Brasil. Moreno embute no número citação do samba-reggae Swing da cor (Luciano Gomes, 1991), revelando apego aos sons dos blocos e grupos afro-baianos, zelo reiterado no fim do show quando deu voz a duas músicas do repertório do Ilê Aiyê - Ilê de luz (Carlos Lima Suka, 1989) e Corpo excitado (Reizinho, 1996) - e quando, atendendo a pedido, cantou no bis Deusa do amor (Adailton Farias e Valter Farias, 1999), música do Olodum que gravara há 14 anos no já citado álbum Máquina de escrever música e que desde então se tornou seu hit cult. Deste disco assinado pelo trio Moreno + 2, o cantor também revive a funkeada Arrivederci (Moreno Veloso, 2000), instante de sedução pop do roteiro. Alternando-se no violão (seu instrumento principal) e na percussão, Moreno se afina em cena com Pedro Sá (cuja guitarra cai com facilidade no suingue), Bruno Di Lullo- cujo toque minimalista de seu baixo sublinha a delicadeza da melancólica valsa Num galho de acácias (Un peu d'amour) (Stanislao Silesu e Nilson Fysher, 1912, em versão em português de J. Carlos, 1930) - e com Rafael Rocha, baterista convidado a cantar Leve (Rafael Rocha, 2013), boa música do terceiro álbum, Aquário (Independente, 2013), de sua banda Tono. Moreno acerta ao entrelaçar no roteiro canções mais serenas - como a inédita Rosa, música feita pelo compositor gaúcho Nenung - com temas dançantes como a lusitana Noite de Santo Antônio (Norberto Araújo e Raul Ferrão, 1950), marcha junina propagada na voz da cantora portuguesa Amália Rodrigues (1920-1999). Entre Rio, Bahia e vários países, Moreno Veloso dá giro pelo universo pop sem perder a ternura.