Mauro Ferreira no G1

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domingo, 13 de julho de 2014

Nus com a música, Catto e Cida irradiam intensa luz na cena de 'Eviscerados'

Resenha de show
Título: Eviscerados
Artistas: Cida Moreira e Filipe Catto (em foto de Lauro Lisboa Garcia)
Local: Teatro do Sesc Pompéia (São Paulo, SP)
Data: 11 de junho de 2014
Cotação: * * * * 1/2

 "Uma intensa luz / Que não se vê / Passa pela voz / Ao se calar", poetizam Cida Moreira e Filipe Catto através dos versos em português escritos por Caetano Veloso para Come tu mi vuoi (Nino Rota e T. Amurri), tema do filme La dolce vita (Itália, 1960) que - na versão lançada por Caetano em disco de 1999 - virou Que não se vê. Música que abriu em 11 de junho de 2014 Eviscerados, show que junta Catto e Cida no mesmo palco e no mesmo pulso firme, Que não se vê traduz a atmosfera do espetáculo dirigido por Humberto Vieira e Ricky Scaff. Há uma luz intensa, invisível, que passa pelas vozes do intérprete gaúcho e da cantora paulista neste espetáculo que flagra os artistas nus com sua música, irradiando emoção, musicalidade e poesia. Sem amarras, sem concessões, sem exageros. Apresentado eventualmente pelo Brasil desde janeiro de 2013, Eviscerados é ponto de luz nas trajetórias dos intérpretes, sobretudo na carreira de Catto, cantor que às vezes peca por excessos e - mais raramente - pela falta de rigor na seleção do repertório abordado por sua privilegiada voz em CDs e DVDs. Em Eviscerados, tudo está na medida certa, na mais perfeita harmonia. Não se percebe a tentativa de sublinhar uma intensidade e uma dramaticidade já entranhadas na gênese da maior parte do cancioneiro ouvido no show. Lançado entre 1935 e este ano de 2014, tal repertório é repartido irmãmente por Catto e Cida em cena. Catto se divide entre o canto e o toque meramente eficaz de seu violão. Digníssima dama da canção de cabaré, Cida evidencia o toque preciso de seu piano ao dar voz operística a canções fatais como Rasguei o teu retrato (Cândido das Neves), lançada no registro de tenor do cantor carioca Vicente Celestino (1894 - 1968) em gravação de 1935 - e não de 1915, como Cida credita inadvertidamente em cena. A maioria dos 20 números do show é feita em dueto. Ambos os cantores permanecem no palco o tempo inteiro, realçando a irmandade que rege o recital. Por serem intérpretes de veia teatral, Catto e Cida entendem o (sub)texto contido em cada canção e se afinam - o que dá ao show unidade surpreendente diante da heterogeneidade de roteiro que vai de balada do repertório dos Rolling Stones, Angie (Mick Jagger e Keith Richards, 1973), a temas do folclore brasileiro como Cantiga (Caicó) (em adaptação de Heitor Villa-Lobos, Milton Nascimento e Teca Calazans, 1980) e Cuitelinho (em adaptação de Antônio Xandó e Paulo Vanzolini), amalgamados em medley que culmina com o pioneiro samba-canção Linda flor (Ai, Ioiô) (Henrique Vogeler, Luiz Peixoto e Marques Porto, 1929). Momento sublime é This is the girl (Patti Smith, Tony Shanaban e Stewart Lernan, 2012), música composta e gravada pela poeta e cantora norte-americana Patti Smith em tributo à eviscerada Amy Winehouse (1983 - 2011), cantora inglesa que tem seu hit Back to black (Amy Winehouse e Mark Ronson, 2006) revivido no bis. Cantados em uníssono, números como This is the girl e Chelsea Hotel #2 (Leonard Cohen, 1974) exemplificam o casamento harmonioso das vozes de Catto e Cida. A afinidade de timbres ressalta a irmandade musical das almas. Diante de tal harmonia, o público se derrete feito picolé no sol. Canção que em 1995 se tornou hit underground do cantor e compositor gaúcho Nico Nicolaiewsky (1957 - 2014), morto recentemente, Feito picolé no sol é uma das joias lapidadas por Catto e Cida com o brilho das luzes intensas, invisíveis, que passam por suas vozes. Sucesso da cantora costa-riquenha (de vivência mexicana) Chavela Vargas (1919 - 2012), Soledad (Enrique Fabregat Jodar, 1973) expõe as vísceras de amor desfeito na voz e no violão de Catto. Tudo se transforma, mas não muda o amor, reitera Cida ao solar Todo cambia (Enrique Fabregat Jodar, 1973), canção hermana propagada na voz consciente da cantora argentina Mercedes Sosa (1935 - 2009). Todo cambia é ponto especialmente luminoso do roteiro, assim como Gota de sangue (1979), tema que lateja dores de amores de sua sensível compositora, Ângela Ro Ro, artista do time dos eviscerados brasileiros. Já Cicatriz (Jorge Du Peixe, Dengue, Lúcio Maia e Pupillo, 2014) - novidade do roteiro desse show que já circula há um ano e meio - é música do disco mais recente e mais pop da Nação Zumbi que tem ressaltada sua sólida arquitetura melódica no registro de Catto. Solo de Cida, O silêncio de Frida (João Leopoldo, 2014) é o único ponto de luz fraca em Eviscerados. A música versa de forma óbvia e simplista, sem poesia, sobre dores da pintora mexicana Frida Khalo (1907 - 1954). Contudo, o tema é mero detalhe em show que termina de forma magistral com Sinal fechado (Paulinho da Viola, 1969), música que soa mais atual do que quando foi lançada há 45 anos. Nus com suas músicas, Cida Moreira e Filipe Catto estão vestidos em Eviscerados com a luz que não se vê,  mas que brilha (forte) na cena que não se cala, irradiando poesia e emoções reais.

3 comentários:

Mauro Ferreira disse...

"Uma intensa luz / Que não se vê / Passa pela voz / Ao se calar", poetizam Cida Moreira e Filipe Catto através dos versos em português escritos por Caetano Veloso para Come tu mi vuoi (Nino Rota e T. Amurri), tema do filme La dolce vita (Itália, 1960) que - na versão lançada por Caetano em disco de 1999 - virou Que não se vê. Música que abriu em 11 de junho de 2014 Eviscerados, show que junta Catto e Cida no mesmo palco e no mesmo pulso firme, Que não se vê traduz a atmosfera do espetáculo dirigido por Humberto Vieira e Ricky Scaff. Há uma luz intensa, invisível, que passa pelas vozes do intérprete gaúcho e da cantora paulista neste espetáculo que flagra os artistas nus com sua música, irradiando emoção, musicalidade e poesia. Sem amarras, sem concessões, sem exageros. Apresentado eventualmente pelo Brasil desde janeiro de 2013, Eviscerados é ponto de luz nas trajetórias dos intérpretes, sobretudo na carreira de Catto, cantor que às vezes peca por excessos e - mais raramente - pela falta de rigor na seleção do repertório abordado por sua privilegiada voz em CDs e DVDs. Em Eviscerados, tudo está na medida certa, na mais perfeita harmonia. Não se percebe a tentativa de sublinhar uma intensidade e uma dramaticidade já entranhadas na gênese da maior parte do cancioneiro ouvido no show. Lançado entre 1935 e este ano de 2014, tal repertório é repartido irmãmente por Catto e Cida em cena. Catto se divide entre o canto e o toque meramente eficaz de seu violão. Digníssima dama da canção de cabaré, Cida evidencia o toque preciso de seu piano ao dar voz operística a canções fatais como Rasguei o teu retrato (Cândido das Neves), lançada no registro de tenor do cantor carioca Vicente Celestino (1894 - 1968) em gravação de 1935 - e não de 1915, como Cida credita inadvertidamente em cena. A maioria dos 20 números do show é feita em dueto. Ambos os cantores permanecem no palco o tempo inteiro, realçando a irmandade que rege o recital.

Mauro Ferreira disse...

Por serem intérpretes de veia teatral, Catto e Cida entendem o (sub)texto contido em cada canção e se afinam - o que dá ao show unidade surpreendente diante da heterogeneidade de roteiro que vai de balada do repertório dos Rolling Stones, Angie (Mick Jagger e Keith Richards, 1973), a temas do folclore brasileiro como Cantiga (Caicó) (em adaptação de Heitor Villa-Lobos, Milton Nascimento e Teca Calazans, 1980) e Cuitelinho (em adaptação de Antônio Xandó e Paulo Vanzolini), amalgamados em medley que culmina com o pioneiro samba-canção Linda flor (Ai, Ioiô) (Henrique Vogeler, Luiz Peixoto e Marques Porto, 1929). Momento sublime é This is the girl (Patti Smith, Tony Shanaban e Stewart Lernan, 2012), música composta e gravada pela poeta e cantora norte-americana Patti Smith em tributo à eviscerada Amy Winehouse (1983 - 2011), cantora inglesa que tem seu hit Back to black (Amy Winehouse e Mark Ronson, 2006) revivido no bis. Cantados em uníssono, números como This is the girl e Chelsea Hotel #2 (Leonard Cohen, 1974) exemplificam o casamento harmonioso das vozes de Catto e Cida. A afinidade de timbres ressalta a irmandade musical das almas. Diante de tal harmonia, o público se derrete feito picolé no sol. Canção que em 1995 se tornou hit underground do cantor e compositor gaúcho Nico Nicolaiewsky (1957 - 2014), morto recentemente, Feito picolé no sol é uma das joias lapidadas por Catto e Cida com o brilho das luzes intensas, invisíveis, que passam por suas vozes. Sucesso da cantora costa-riquenha (de vivência mexicana) Chavela Vargas (1919 - 2012), Soledad (Enrique Fabregat Jodar, 1973) expõe as vísceras de amor desfeito na voz e no violão de Catto. Tudo se transforma, mas não muda o amor, reitera Cida ao solar Todo cambia (Enrique Fabregat Jodar, 1973), canção hermana propagada na voz consciente da cantora argentina Mercedes Sosa (1935 - 2009). Todo cambia é ponto especialmente luminoso do roteiro, assim como Gota de sangue (1979), tema que lateja dores de amores de sua sensível compositora, Ângela Ro Ro, artista do time dos eviscerados brasileiros. Já Cicatriz (Jorge Du Peixe, Dengue, Lúcio Maia e Pupillo, 2014) - novidade do roteiro desse show que já circula há um ano e meio - é música do disco mais recente e mais pop da Nação Zumbi que tem ressaltada sua sólida arquitetura melódica no registro de Catto. Solo de Cida, O silêncio de Frida (João Leopoldo, 2014) é o único ponto de luz fraca em Eviscerados. A música versa de forma óbvia e simplista, sem poesia, sobre dores da pintora mexicana Frida Khalo (1907 - 1954). Contudo, o tema é mero detalhe em show que termina de forma magistral com Sinal fechado (Paulinho da Viola, 1969), música que soa mais atual do que quando foi lançada há 45 anos. Nus com suas músicas, Cida Moreira e Filipe Catto estão vestidos em Eviscerados com a luz que não se vê, mas que brilha (forte) na cena que não se cala, irradiando poesia e emoção.

ADEMAR AMANCIO disse...

Depois da resenha,com tanta luz,só vendo o show.