Mauro Ferreira no G1

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sábado, 23 de junho de 2012

Mata acerta no show 'Lua cheia de baião' ao desrespeitar Januário e Gonzaga

Resenha de show
Título: Lua Cheia de Baião - Homenagem a Luiz Gonzaga
Artista: Vanessa da Mata (em foto de Paulo Neto)
Local: Teatro Paulo Autran do Sesc Pinheiros (São Paulo, SP)
Data: 22 de junho de 2012
Cotação: * * * 1/2
 Show em cartaz até 24 de junho de 2012, no Sesc Pinheiros, em São Paulo (SP)

 Por ser do mato, criada no interior de Mato Grosso, Vanessa da Mata respeita Januário e toda a herança musical disseminada por seu filho Luiz Gonzaga (1912 - 1989) a partir dos anos 40, década em que Lua mostrou ao Brasil como é que se faz e dança o baião. Mas é sobretudo quando desrespeita esse legado - sob a direção musical de Kassin - que a cantora se ilumina no show Lua cheia de baião, idealizado pela artista para celebrar o centenário do cantor e compositor pernambucano a convite do Sesc Pinheiros de São Paulo (SP). Se o baião Vem morena (Luiz Gonzaga e Zé Dantas, 1949) é revolvido na lama do Mangue Beat, com arranjo psicodélico que evoca o som da Nação Zumbi, a marcha junina Olha pro céu (Luiz Gonzaga e José Fernandes, 1951) dança a quadrilha da Jovem Guarda na releitura que remete aos bailes animados por Lafayette e Seu Conjunto. Os dois números - de arranjos renovadores tocados pela banda que, além de Kassin (no baixo e eventualmente no triângulo), inclui o sanfoneiro Chico Chagas, o tecladista Donatinho, o baterista Stéphane San Juan e os guitarristas Gustavo Ruiz e Maurício Pacheco - se destacam no show por levar a cantora além do universo tradicional de Gonzaga. Quando respeita demasiadamente Januário ao reproduzir a cadência usual do xote Riacho do navio (Luiz Gonzaga e Zé Dantas, 1955) e ao seguir sem brilho especial a bela Estrada de canindé (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, 1950), Vanessa da Mata seduz menos. De todo modo, Lua cheia de baião é show digno de registro na discografia de Mata por atestar a espantosa evolução da artista como intérprete de obras criadas fora de sua personalíssima seara autoral. A cantora seguríssima que faz abordagem pungente de Acauã (Zé Dantas, 1952) - em número de grande intensidade feito apenas com a sanfona de Chagas - em nada lembra a intérprete titubeante que chegou a constranger ao cantar (desafinada) um samba de Nelson Cavaquinho (1911 - 1986) na estreia do show Sim (2007). Lua cheia de baião joga luz sobre o fato de que, sim, Vanessa da Mata está virando uma grande intérprete. Sua leitura interiorizada da toada Assum preto (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, 1950) - feita somente com o violão de Gustavo Ruiz e o toque sutil da recorrente sanfona de Chagas - está à altura das abordagens feitas por cantoras como Elba Ramalho, mais associadas ao tradicional universo musical de Gonzaga. Por mais que tenha se atrapalhado com os versos da marota Tem pouca diferença (Durval Vieira, 1982) na estreia do show, Vanessa da Mata já se porta no palco com segurança. E com uma vivacidade que valoriza números como ABC do sertão (Luiz Gonzaga e Zé Dantas, 1953) e o xaxado Oia eu aqui de novo (Antonio Barros da Silva, 1967). Nos números mais expansivos, a propósito, a cantora volta e meia rodopia pelo palco evidenciando a beleza do figurino escolhido para celebrar Gonzaga em cena. Mesmo que ainda possa ficar mais azeitado, caso caia na estrada, o show é musicalmente muito interessante. Forró no escuro (Luiz Gonzaga, 1958) é iluminado pelo suingue da guitarra de Gustavo Ruiz. Sabiá (Luiz Gonzaga e Zé Dantas, 1951) abre o show em registro  mais lento que enfatiza a melodia do baião. Pau de arara (Luiz Gonzaga e Guio de Moraes, 1952) sacode em balanço particular. Já Pense n'eu (Luiz Gonzaga Jr, 1984) - exemplo do cruzamento da obra de Gonzagão com a de seu filho Gonzaguinha, a partir da segunda metade dos anos 60 - é outro número que reitera o progresso de Vanessa da Mata como intérprete. Cantora que sela sua cumplicidade com o público em A vida do viajante (Luiz Gonzaga e Hervê Cordovil, 1953), música que Mata canta na beira do palco, incentivando o coro da plateia. No bis, o baião Qui nem jiló (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, 1953) - ambientado em clima de forró pé de serra - e Pagode russo (Luiz Gonzaga, 1946), em andamento próximo do frevo, acentuam o caráter festivo deste show idealizado para celebrar Luiz Gonzaga. E, quanto mais desrespeita Januário, mais Vanessa da Mata reverencia o filho dele, o Rei do baião, provando que a obra de Lua  tem força para atravessar gerações e animar mais do que as festas do interior.

8 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Por ser do mato, tendo sido criada no interior de Mato Grosso, Vanessa da Mata respeita Januário e toda a herança musical disseminada por seu filho Luiz Gonzaga (1912 - 1989) a partir dos anos 40, década em que Lua mostrou ao Brasil como é que se faz e dança o baião. Mas é sobretudo quando desrespeita esse legado - sob a direção musical de Kassin - que a cantora se ilumina no show Lua Cheia de Baião, idealizado pela artista para celebrar o centenário do cantor e compositor pernambucano a convite do Sesc Pinheiros de São Paulo (SP). Se o baião Vem Morena (Luiz Gonzaga e Zé Dantas, 1949) é revolvido na lama do Mangue Beat, com arranjo psicodélico que evoca o som da Nação Zumbi, a marcha junina Olha pro Céu (Luiz Gonzaga e José Fernandes, 1951) dança a quadrilha da Jovem Guarda na releitura que remete aos bailes animados por Lafayette e Seu Conjunto. Os dois números - de arranjos renovadores tocados pela banda que, além de Kassin (no baixo e eventualmente no triângulo), inclui o sanfoneiro Chico Chagas, o tecladista Donatinho, o baterista Stephan San Juan e os guitarristas Gustavo Ruiz e Maurício Pacheco - se destacam no show por levar a cantora além do universo tradicional de Gonzaga. Quando respeita demasiadamente Januário ao reproduzir a cadência usual do xote Riacho do Navio (Luiz Gonzaga e Zé Dantas, 1955) e ao seguir sem um brilho especial a bela Estrada de Canindé (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, 1950), Vanessa da Mata seduz menos. De todo modo, Lua Cheia de Baião é show digno de registro na discografia de Mata por atestar a espantosa evolução da artista como intérprete de obras criadas fora de sua personalíssima seara autoral. A cantora seguríssima que faz abordagem pungente de Acauã (Zé Dantas, 1952) - em número de grande intensidade urdido somente com a sanfona de Chagas - em nada lembra a intérprete titubeante que chegou a constranger ao cantar (desafinada) um samba de Nelson Cavaquinho (1911 - 1986) na estreia do show Sim (2007). Lua Cheia de Baião joga luz sobre o fato de que, sim, Vanessa da Mata está virando uma grande intérprete. Sua leitura interiorizada da toada Assum Preto (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, 1950) - feita somente com o violão de Gustavo Ruiz e o toque sutil da recorrente sanfona de Chagas - está à altura das abordagens feitas por cantoras como Elba Ramalho, mais associadas ao tradicional universo musical de Gonzaga.

Mauro Ferreira disse...

Por mais que tenha se atrapalhado com os versos da marota Tem Pouca Diferença (Durval Vieira, 1982) na estreia do show, Vanessa da Mata já se porta no palco com segurança. E com uma vivacidade que valoriza números como ABC do Sertão (Luiz Gonzaga e Zé Dantas, 1953) e o xaxado Oia Eu Aqui de Novo (Antonio Barros da Silva, 1967). Nos números mais expansivos, a propósito, a cantora volta e meia rodopia pelo palco evidenciando a beleza do figurino escolhido para celebrar Gonzaga em cena. Mesmo que ainda possa ficar mais azeitado, caso caia na estrada, o show é musicalmente muito interessante. Forró no Escuro (Luiz Gonzaga, 1958) é iluminado pelo suingue da guitarra de Gustavo Ruiz. Sabiá (Luiz Gonzaga e Zé Dantas, 1951) abre o show em registro mais lento que enfatiza a melodia do baião. Pau de Arara (Luiz Gonzaga e Guio de Moraes, 1952) sacode em balanço particular. Já Pense n'Eu (Luiz Gonzaga Jr, 1984) - exemplo do cruzamento da obra de Gonzagão com a de seu filho Gonzaguinha, a partir da segunda metade dos anos 60 - é outro número que reitera o progresso de Vanessa da Mata como intérprete. Que sela sua cumplicidade com o público em A Vida do Viajante (Luiz Gonzaga e Hervê Cordovil, 1953), música que Mata canta na beira do palco, incentivando o coro da plateia. No bis, o baião Qui Nem Jiló (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, 1953) - ambientado em clima de forró pé de serra - e Pagode Russo (Luiz Gonzaga, 1946), em andamento próximo do frevo, acentuam o caráter festivo deste show idealizado para celebrar Luiz Gonzaga. E, quanto mais desrespeita Januário, mais Vanessa da Mata mostra que a obra de Lua tem força para atravessar gerações e animar mais do que as festas do interior do Brasil.

Anônimo disse...

Não ouvi nada, mas concordo com o Mauro que quanto mais "desrespeitar" mais interessante fica.
Estrada de Canindé é das mais lindas.
"... Coisas que pra mode ver o cristão tem que andar a pé."

PS: A cidade está começando a ficar enfumaçada - de fogueiras.
Viva São João e Gonzagão!

André disse...

Vivemos no país das cantoras...adoro cada uma com suas expressivas particularidades, umas brejeiras, outras cult, algumas sambistas, ou seja tem pra todos os gostos. Adoro o "mercado", não vivo sem!

Marcelo disse...

Pra mim, continua sendo uma das cantoras mais desafinadas da MPB.

Maria disse...

Concordo com Marcelo! só é cantora de estúdio porque ao vivo decepciona.

Maria disse...

Eu faço aniversário no mesmo dia que Luiz Gonzaga 13 de dezembro! que orgulho.

Pedro Progresso disse...

Confirmo as palavras do Mauro: nem parece Vanessa da Mata. ela está muito afinada e segura. O show é curto e pontual, muito belo. Os arranjos ficaram incríveis. Merecia um registro.