Mauro Ferreira no G1

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sábado, 16 de junho de 2012

De volta, 'Tem Que Acontecer' expõe valor do samba lúcido de Sampaio

Resenha de reedição de CD
Título: Tem Que Acontecer
Artista: Sérgio Sampaio
Gravadora da edição original de 1976: Continental
Gravadora da reedição de 2012: Warner Music
Cotação: * * * * *

Se o segundo álbum solo de Sérgio Sampaio (1947 - 1994), Tem Que Acontecer, tivesse acontecido, talvez a história do cantor e compositor capixaba tivesse sido menos errática e mais justa. Mas o disco lançado em 1976 pela extinta gravadora Continental não aconteceu, apesar de ter colhido elogios da crítica da época. Há quatro anos, Sampaio já havia botado seu bloco do eu sozinho na rua com sucesso. Mas o êxito estrondoso da marcha Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua em 1972 não tinha sido suficiente para alavancar as vendas de seu primeiro álbum, lançado em 1973 pela Philips. O sucessor de Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua teve destino semelhante. Produzido pelo jornalista Roberto Moura (1947 - 2005) numa gravadora de origem brasileira e de paradoxal menor força no mercado fonográfico nacional, Tem Que Acontecer jogou Sampaio na vala dos malditos da MPB justamente por não ter acontecido. Mas sua oportuna reedição em CD na segunda fornada da Série Discobertas - produzida pelo pesquisador musical Marcelo Fróes para a Warner Music - evidencia o alto valor do disco. Tem Que Acontecer é o melhor título da magra discografia de Sampaio. A alta qualidade do repertório autoral e dos arranjos (de João de Aquino e Lindolfo Gaya) resiste esplendidamente ao tempo e confere ao álbum o status de obra-prima. Formatado com alguns dos melhores músicos do Brasil (Altamiro Carrilho nas flautas, Gordinho no surdo, Marçal na percussão e Paschoal Meirelles na bateria, entre outros virtuoses do mesmo naipe), Tem Que Acontecer é em essência um disco de samba - efeito de a produção ter sido confiada a Moura, ilustre guardião das tradições do gênero. Um disco de grandes sambas autorais como o doído Até Outro Dia, o destemido O Que Pintá, Pintô e o esperançoso Quanto Mais (gravado com os Golden Boys e As Gatas no coro). As letras - simples, mas repletas de significados e sentidos - sinalizavam a lucidez insana de um artista que parecia viver no fio da navalha. "Eu tô doente do peito / Eu tô doente do coração / A minha cama já virou leito / Disseram que eu perdi a razão", relatava em Que Loucura, fox-canção pontuado pelo sax soprano de Abel Ferreira (1915 - 1980). Parafraseando verso de Cabras Pastando, faixa cuja tensão é sublinhada pelos violões nervosos de Renato Piau, Sampaio naquela altura já personificava um mix de herói, poeta ou bandido."Lugar de poesia é na calçada", pregava em Cada Lugar na Sua Coisa, samba de tom seco como Quatro Paredes (Eduardo Marques). Samba-canção ambientado em clima de choro, Velho Bode (Sérgio Sampaio e Sérgio Natureza) indicava que a corda podia arrebentar a qualquer momento. "Eu, embora seja um menino / Sou mais um barco vazio", autodefinia-se o errático autor em A Luz e a Semente, pico de densidade de um disco embebido em amarguras diluídas pela cadência bonita do samba. Criteriosa, a reedição de Tem Que Acontecer peca somente por não informar a origem das três faixas-bônus. O Teto da Minha Casa (1976 - parceria de Sampaio com Sérgio Natureza), Ninguém Vive por Mim (1977) e História de Boêmio (Um Abraço em Nelson Gonçalves) (1977) são fonogramas de compactos gravados por Sampaio antes e depois da edição de Tem que Acontecer, primoroso álbum cujo relançamento em CD expõe o valor inestimável do samba lúcido deste cantor que, como ele mesmo resumiu na bela faixa-título (regravada por Zeca Baleiro), era um compositor popular. Um grande compositor que o Brasil nunca ouviu com a devida atenção. Azar do Brasil.

6 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Se o segundo álbum solo de Sergio Sampaio (1947 - 1994), Tem Que Acontecer, tivesse acontecido, talvez a história do cantor e compositor capixaba tivesse sido menos errática e mais justa. Mas o disco lançado em 1976 pela extinta gravadora Continental não aconteceu, apesar de ter colhido elogios da crítica da época. Há quatro anos, Sampaio já havia botado seu bloco do eu sozinho na rua com sucesso. Mas o êxito estrondoso da marcha Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua em 1972 não tinha sido suficiente para alavancar as vendas de seu primeiro álbum, lançado em 1973 pela Philips. O sucessor de Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua teve destino semelhante. Produzido pelo jornalista Roberto Moura (1947 - 2005) numa gravadora de origem brasileira e de paradoxal menor força no mercado fonográfico nacional, Tem Que Acontecer jogou Sampaio na vala dos malditos da MPB justamente por não ter acontecido. Mas sua oportuna reedição em CD na segunda fornada da Série Discobertas - produzida pelo pesquisador musical Marcelo Fróes para a Warner Music - evidencia o alto valor do disco. Tem Que Acontecer é o melhor título da magra discografia de Sampaio. A alta qualidade do repertório autoral e dos arranjos (de João de Aquino e Lindolfo Gaya) resiste esplendidamente ao tempo e confere ao álbum o status de obra-prima. Formatado com alguns dos melhores músicos do Brasil (Altamiro Carrilho nas flautas, Gordinho no surdo, Marçal na percussão e Paschoal Meirelles na bateria, entre outros virtuoses do mesmo naipe), Tem Que Acontecer é em essência um disco de samba - efeito de a produção ter sido confiada a Moura, ilustre guardião das tradições do gênero. Um disco de grandes sambas autorais como o doído Até Outro Dia, o destemido O Que Pintá, Pintô e o esperançoso Quanto Mais (gravado com os Golden Boys e As Gatas no coro). As letras - simples, mas repletas de significados e sentidos - sinalizavam a lucidez insana de um artista que parecia viver no fio da navalha. "Eu tô doente do peito / Eu tô doente do coração / A minha cama já virou leito / Disseram que eu perdi a razão", relatava em Que Loucura, fox-canção pontuado pelo sax soprano de Abel Ferreira (1915 - 1980). Parafraseando verso de Cabras Pastando, faixa cuja tensão é sublinhada pelos violões nervosos de Renato Piau, Sampaio naquela altura já personificava um mix de herói, poeta ou bandido."Lugar de poesia é na calçada", pregava em Cada Lugar na Sua Coisa, samba de tom seco como Quatro Paredes (Eduardo Marques). Samba-canção ambientado em clima de choro, Velho Bode (Sergio Sampaio e Sérgio Natureza) indicava que a corda podia arrebentar a qualquer momento. "Eu, embora seja um menino / Sou mais um barco vazio", autodefinia-se o errático autor em A Luz e a Semente, pico de densidade de um disco embebido em amarguras diluídas pela cadência bonita do samba. Criteriosa, a reedição de Tem Que Acontecer peca somente por não informar a origem das três faixas-bônus. O Teto da Minha Casa (1976 - parceria de Sampaio com Sérgio Natureza), Ninguém Vive por Mim (1977) e História de Boêmio (Um Abraço em Nelson Gonçalves) (1977) são fonogramas de compactos gravados por Sampaio antes e depois da edição de Tem que Acontecer, primoroso álbum cujo relançamento em CD expõe o valor inestimável do samba lúcido deste cantor que, como ele mesmo resumiu na bela faixa-título (regravada por Zeca Baleiro), era um compositor popular. Um grande compositor que o Brasil nunca ouviu com a devida atenção. Azar do Brasil.

Fernando Temporão disse...

Tenho o LP, de 1976, e escuto desde sempre. Pra mim, sempre foi um dos melhores discos que tive...as canções estão num patamar de qualidade comparável aos maiores compositores brasileiros, sem absolutamente nenhum prejuízo pro Sampaio.

Um clássico...espetacular!

Anônimo disse...

Puxa, nunca ouvi esse disco!
Vou baixá-lo pra ver se é mesmo tudo isso.
Se gostar, muito, eu compro.

Unknown disse...

Um dos melhores discos da nossa música. Um Sampaio super inspirado!

Unknown disse...

Um dos melhores discos da nossa música brasileira. Sampaio tem uma discografia curta, mas fantástica!

Ronan Caixeta disse...

É um granade trabalho do Sérgio Sampaio. Tenho esse cd e sempre estou ouvindo. Só uma correção pro pessoal da Warner e do selo Discobertas. A música Quatro Paredes desse disco foi composta pelo próprio Sérgio e não pelo Eduardo Marques como está creditada no cd, aliás na edição original em vinil aparece o nome do Sérgio como autor. Existe uma música também de mesmo nome cuja letra é diferente e com autoria desse Eduardo Marques, gravado pela Simone no LP Quatro Paredes de 1974.
Facilo feio e injusto com o autor e sua obra. Fora isso o cd ficou bacana.

Ronan Caixeta