Mauro Ferreira no G1

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sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Bethânia recicla ênfases, gestos e músicas ao cantar Chico, mas seduz

Resenha de show
Evento: Circuito Cultural Banco do Brasil
Título: Maria Bethânia Interpreta Chico Buarque
Artista: Maria Bethânia (em foto de Mauro Ferreira)
Local: Teatro Guararapes (Olinda, PE)
Data: 19 de janeiro de 2012
Cotação: * * * 1/2

Mesmo com seu baixíssimo teor de novidade, o show Maria Bethânia Interpreta Chico Buarque seduziu o público que, na noite de 19 de janeiro de 2012, abarrotou o Teatro Guararapes, em Olinda (PE), ponto final do Circuito Cultural - projeto itinerante do Banco do Brasil para o qual o inédito espetáculo foi concebido. Por mais que recicle músicas, ênfases e gestos teatrais ao interpretar a obra do compositor, a cantora por vezes ainda se confirma senhora da cena. A força dramática já não é a mesma de tempos idos - basta comparar as atuais abordagens de Sem Açúcar (Chico Buarque) e Vida (Chico Buarque, 1980) com os emblemáticos e respectivos  registros ao vivo do show dividido com o próprio Chico em 1975 e do espetáculo Nossos Momentos (1982) - e a voz já transita habitualmente por tons mais serenos (lindos e intensos) e menos imponentes. De todo modo, Bethânia ainda reina em cena - sobretudo quando está acomodada em seu particular universo musical - e usa seu domínio cênico para mobilizar sua colméia. A julgar por relatos sobre suas apresentações anteriores no Circuito Cultural, elogiadas com reservas por fãs, o show chegou mais azeitado ao Teatro Guararapes. Bethânia pareceu mais segura com as letras - apesar de ter recorrido ao teleprompter para não tropeçar nos versos de temas como o samba Quem Te Viu Quem Te Vê (Chico Buarque, 1966) e Cotidiano (Chico Buarque, 1972) - e deu a impressão de estar realmente feliz ao revisitar obra feita sob medida para seu canto teatral. Mesmo moldado com roteiro preguiçoso, urdido com músicas já abordadas pela intérprete ao longo de sua carreira (as exceções foram o samba A Rita, a marcha A Banda e o samba-enredo Chico Buarque de Mangueira), o show tem seu poder de sedução. Afinal, Bethânia sempre cantou Chico. Mas nunca havia dedicado um espetáculo ou um disco inteiramente ao cancioneiro do compositor. No início, a apresentação olindense foi acelerada, com músicas como Rosa dos Ventos (Chico Buarque, 1970) e Baioque (Chico Buarque, 1972) passando rapidamente pelo show e pela memória afetiva do espectador. Aos poucos, no entanto, Bethânia foi se permitindo saborear cada música em tempo menos corrido. Foi sintomaticamente quando veio o primeiro grande momento do show: Cálice (Chico Buarque e Gilberto Gil, 1973), com arranjo que realçava a dramaticidade imperativa do refrão. Em Apesar de Você (Chico Buarque, 1970), Bethânia caiu no samba com tanta felicidade que o público logo se deixou levar, esquecido do significado político do tema. A propósito, a cantora alocou no primeiro ato as músicas de cunho mais político enquanto o segundo ato concentrou temas sobre amores e dores de amores como Valsinha (Chico Buarque e Vinicius de Moraes, 1971). Neste segundo ato, a lúdica João e Maria (Chico Buarque e Sivuca, 1977) foi um dos destaques. Olhos nos Olhos (Chico Buarque, 1976) também foi outro ponto alto com sua mise-en-scène tão batida quanto (ainda) arrebatadora. Nem o problema de som na introdução de Não Existe Pecado ao Sul do Equador (Chico Buarque e Ruy Guerra, 1973) - "Com a palavra, o maestro! Tenho nada com isso, não", soltou Bethânia, visivelmente irritada, em cena - tirou o brilho do show da senhora intérprete.

5 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Mesmo com seu baixíssimo teor de novidade, o show Maria Bethânia Interpreta Chico Buarque seduziu o público que, na noite de 19 de janeiro de 2012, abarrotou o Teatro Guararapes, em Olinda (PE), ponto final do Circuito Cultural - projeto itinerante do Banco do Brasil para o qual o inédito espetáculo foi concebido. Por mais que recicle músicas, ênfases e gestos teatrais ao interpretar a obra do compositor, a cantora por vezes ainda se confirma senhora da cena. A força dramática já não é a mesma de tempos idos - basta comparar as atuais abordagens de Sem Açúcar (Chico Buarque) e Vida (Chico Buarque, 1980) com os emblemáticos e respectivos registros ao vivo do show dividido com o próprio Chico em 1975 e do espetáculo Nossos Momentos (1982) - e a voz já transita habitualmente por tons mais serenos (lindos e intensos) e menos imponentes. De todo modo, Bethânia ainda reina em cena - sobretudo quando está acomodada em seu particular universo musical - e usa seu domínio cênico para mobilizar sua colméia. A julgar por relatos sobre suas apresentações anteriores no Circuito Cultural, elogiadas com reservas por fãs, o show chegou mais azeitado ao Teatro Guararapes. Bethânia pareceu mais segura com as letras - apesar de ter recorrido ao teleprompter para não tropeçar nos versos de temas como o samba Quem Te Viu Quem Te Vê (Chico Buarque, 1966) e Cotidiano (Chico Buarque, 1972) - e deu a impressão de estar realmente feliz ao revisitar obra feita sob medida para seu canto teatral. Mesmo moldado com roteiro preguiçoso, urdido com músicas já abordadas pela intérprete ao longo de sua carreira, o show tem seu poder de sedução. Afinal, Bethânia sempre cantou Chico. Mas nunca havia dedicado um espetáculo ou um disco inteiramente ao cancioneiro do compositor. No início, a apresentação olindense foi acelerada, com músicas como Rosa dos Ventos (Chico Buarque, 1970) e Baioque (Chico Buarque, 1972) passando rapidamente pelo show e pela memória afetiva do espectador. Aos poucos, no entanto, Bethânia foi se permitindo saborear cada música em tempo menos corrido. Foi sintomaticamente quando veio o primeiro grande momento do show: Cálice (Chico Buarque e Gilberto Gil, 1973), com arranjo que realçava a dramaticidade imperativa do refrão. Em Apesar de Você (Chico Buarque, 1970), Bethânia caiu no samba com tanta felicidade que o público logo se deixou levar, esquecido do significado político do tema. A propósito, a cantora alocou no primeiro ato as músicas de cunho mais político enquanto o segundo ato concentrou temas sobre amores e dores de amores como Valsinha (Chico Buarque e Vinicius de Moraes, 1971). Neste segundo ato, a lúdica João e Maria (Chico Buarque e Sivuca, 1977) foi um dos destaques. Olhos nos Olhos (Chico Buarque, 1976) também foi outro ponto alto com sua mise-en-scène tão batida quanto (ainda) arrebatadora. Nem o problema de som na introdução de Não Existe Pecado ao Sul do Equador (Chico Buarque e Ruy Guerra, 1973) - "Com a palavra, o maestro! Tenho nada com isso, não", soltou Bethânia, visivelmente irritada, em cena - tirou o brilho do show da senhora intérprete.

maroca disse...

É apenas uma mini tourné idealizada e paga pelo Banco do Brasil pelo que entendi, mas vale ressaltar que todo artista renomado hj vive as custas de empresas privadas e do dinheiro público em relação aos seus espetáculos, então por que não um show desse em praça pública? já que foi bancado. Daí os ingressos os olhos da cara... são os nossos artistas popular, coitado do povo.

Pedro Progresso disse...

Esse repertório requentado ficou estranho. Ainda mais se compararmos as interpretações explosivas de MB dos anos 70 com as de agora.

O ideal para ela agora seria escolher as canções de Chico de 87 pra frente que combinam mais com seu canto e com o que Betha faz no palco hoje.

De "Francisco" a "Chico" de 2011 tem canções que cairiam muito bem nesse momento de Bethânia, mais denso e sereno, como citou Mauro.

leitordomauro disse...

Bethânia começa a entrar no processo que Ney Matogrosso, Gal Costa e Simone se aprisionaram e nunca mais saíram: as letras das musicas lidas em teleprompter. A emoção vai pro ralo. E com esses arranjos de Jaime Alem então.....

Marcelo disse...

Jaime Álem é uma das "coisas" mais chatas e monótonas da carreira de Bethânia!!!