Mauro Ferreira no G1

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domingo, 12 de janeiro de 2014

Livro expõe pensata lúcida sobre o 'desabamento' do rock e dos críticos

Resenha de livro
Título: Cheguei bem a tempo de ver o palco desabar - 50 causos e memórias do rock
           brasileiro (1993-2008)
Autor: Ricardo Alexandre
Editora: Arquipélago Editorial
Cotação: * * * *

Um dos mais respeitados jornalistas musicais do Brasil, o paulista Ricardo Alexandre completa 40 anos em 2014 com a publicação de dois indispensáveis livros sobre rock brasileiro no currículo (além da elucidativa biografia de Wilson Simonal editada em 2009). O primeiro, Dias de luta - o rock e o Brasil dos anos 80 (2002), é tratado definitivo sobre as bandas da geração que abriu as portas da indústria da música para o rock made in Brasil. Onze anos depois, Cheguei bem a tempo de ver o palco desabar - 50 causos e memórias do rock brasileiro (1993 - 2008), livro lançado em fins de 2013, dá continuidade à história, partindo de 1993 até (quase) os dias de hoje. Dias de luta ainda mais intensa para quem quer manter hasteada a bandeira do rock em tempos marcados pela diluição do mercado fonográfico em sua forma tradicional e pela queda livre da credibilidade da imprensa musical, hoje mais servil e mais pulverizada por conta da profusão de críticas postadas nas redes sociais com velocidade inimaginável antes da internet e - em alguns casos - com (apro)fundamento nem sempre perceptível em resenhas dos veículos ditos oficiais. Compilação de textos curtos, publicados originalmente pelo autor em blog hospedado no portal msn, o livro é escrito na primeira pessoa. São causos e memórias do jornalista. Só que, por olhar além de seu umbigo, Alexandre oferece visão lúcida do desabamento do palco. O real - acontecido em setembro de 1994 na primeira noite da segunda edição do festival paulista Juntatribo - e o metafórico. É a partir do capítulo sobre o desabamento real que o livro ganha mais relevância. É a partir daí que o jornalista mostra que o rock teve somente a alternativa de virar clássico nos anos 1990 para se diferenciar da mistura de rock com música eletrônica dominante naquela década em que o grupo Nirvana foi saudado no universo pop como o salvador da pátria. É também a partir do desabamento real que o livro lembra que foi através da criação de selos independentes vinculados a multinacionais do disco que grupos como Raimundos e Nação Zumbi chegaram às rádios e à MTV, veículo decisivo nos anos 1990 para o sucesso de bandas e cantores de rock. A Nação Zumbi é ótimo causo à parte no livro, que lembra a inadequação de Liminha - nome imposto pela Sony Music - para produzir o primeiro álbum dos mangueboys, Da lama ao caos (1994), cultuado pela mídia, mas quase ignorado num primeiro momento pelo chamado grande público. Banda que também saiu das margens do mercado para o mainstream, o Skank também é um causo à parte na narrativa sempre fluente e bem escrita. Os mineirinhos são retratados por Alexandre como gente fina, generosa e sincera, sempre disposta a colaborar com a imprensa musical. Sim, o autor também desvenda os bastidores da imprensa musical brasileira à medida em que aponta erros e acertos do rock nativo pós-anos 1990. O livro ressalta que artistas, em sua quase totalidade, viam (e ainda veem) jornalistas de música somente como a ponte que conduz seu som ao público. O que gerava (e ainda gera) represálias aos que não se portam como miquinhos amestrados, dispostos a incensar os discos e os nomes da vez (o autor dá nome aos bois e revela o contra-ataque de Rick Bonadio por conta de texto que descontentou o produtor). Além de questionar a função e a ética dos críticos de música, Cheguei bem a tempo de ver o palco desabar também mostra como as gravadoras mataram as lojas de discos, como a institucionalização do jabá nas rádios fechou portas para o rock e como assessorias de imprensa de gravadoras manipulam a mídia. Entre um causo e outra memória, três bandas - a brasiliense Little Quail & The Mad Birds, a paulista Professor Antena e a gaúcha Ultramen - são lembradas como as que poderia ter chegado lá não fosse a inadequação delas às regras e segmentos do mercado dos anos 1990. Músicas e atitudes de cantores e grupos - CPM22, Marcelo D2, Pato Fu, Pitty, O Rappa e Racionais MC's, entre eles - também são analisados por Alexandre, testemunha ocular de uma história que, a rigor, ainda ganha novos capítulos a cada dia de luta. Sem isenção (artigo inexistente no ofício da crítica de qualquer forma de arte) e com a parcialidade permitida pela narrativa de cunho pessoal e por vezes biográfica, Alexandre desvenda as regras do jogo ao mesmo tempo em que deixa entrever no livro (justificada) má vontade com o ora desativado grupo carioca Los Hermanos, capitaneado por dois artistas (Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante) tão talentosos quanto calculistas na condução de suas carreiras dentro e fora da banda que lhes tirou do anonimato. Mesmo que certa pessoalidade esteja entranhada nos textos, com a permissão obtida pelo teor memorialista do livro, Cheguei bem a tempo de ver o palco desabar é pensata brilhante sobre os (des)caminhos do rock, da indústria fonográfica e do jornalismo musical em dias de luta para tentar (re)erguer um palco que nunca mais vai ter a estrutura reforçada de outrora. 

5 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Um dos mais respeitados jornalistas musicais do Brasil, o paulista Ricardo Alexandre completa 40 anos em 2014 com a publicação de dois indispensáveis livros sobre rock brasileiro no currículo (além da elucidativa biografia de Wilson Simonal editada em 2009). O primeiro, Dias de luta - o rock e o Brasil dos anos 80 (2002), é tratado definitivo sobre as bandas da geração que abriu as portas da indústria da música para o rock made in Brasil. Onze anos depois, Cheguei bem a tempo de ver o palco desabar - 50 causos e memórias do rock brasileiro (1993 - 2008), livro lançado em fins de 2013, dá continuidade à história, partindo de 1993 até (quase) os dias de hoje. Dias de luta ainda mais intensa para quem quer manter hasteada a bandeira do rock em tempos marcados pela diluição do mercado fonográfico em sua forma tradicional e pela queda livre da credibilidade da imprensa musical, hoje mais servil e mais pulverizada por conta da profusão de críticas postadas nas redes sociais com velocidade inimaginável antes da internet e - em alguns casos - com (apro)fundamento nem sempre perceptível em resenhas dos veículos ditos oficiais. Compilação de textos curtos, publicados originalmente pelo autor em blog hospedado no portal msn, o livro é escrito na primeira pessoa. São causos e memórias do jornalista. Só que, por olhar além de seu umbigo, Alexandre oferece visão lúcida do desabamento do palco. O real - acontecido em setembro de 1994 na primeira noite da segunda edição do festival paulista Juntatribo - e o metafórico. É a partir do capítulo sobre o desabamento real que o livro ganha mais relevância. É a partir daí que o jornalista mostra que o rock teve somente a alternativa de virar clássico nos anos 1990 para se diferenciar da mistura de rock com música eletrônica dominante naquela década em que o grupo Nirvana foi saudado no universo pop como o salvador da pátria. É também a partir do desabamento real que o livro lembra que foi através da criação de selos independentes vinculados a multinacionais do disco que grupos como Raimundos e Nação Zumbi chegaram às rádios e à MTV, veículo decisivo nos anos 1990 para o sucesso de bandas e cantores de rock.

Mauro Ferreira disse...

A Nação Zumbi é ótimo causo à parte no livro, que lembra a inadequação de Liminha - nome imposto pela Sony Music - para produzir o primeiro álbum dos mangueboys, Da lama ao caos (1994), cultuado pela mídia, mas quase ignorado num primeiro momento pelo chamado grande público. Banda que também saiu das margens do mercado para o mainstream, o Skank também é um causo à parte na narrativa sempre fluente e bem escrita. Os mineirinhos são retratados por Alexandre como gente fina, generosa e sincera, sempre disposta a colaborar com a imprensa musical. Sim, o autor também desvenda os bastidores da imprensa musical brasileira à medida em que aponta erros e acertos do rock nativo pós-anos 1990. O livro ressalta que artistas, em sua quase totalidade, viam (e ainda veem) jornalistas de música somente como a ponte que conduz seu som ao público. O que gerava (e ainda gera) represálias aos que não se portam como miquinhos amestrados, dispostos a incensar os discos e os nomes da vez (o autor dá nome aos bois e revela o contra-ataque de Rick Bonadio por conta de texto que descontentou o produtor). Além de questionar a função e a ética dos críticos de música, Cheguei bem a tempo de ver o palco desabar também mostra como as gravadoras mataram as lojas de discos, como a institucionalização do jabá nas rádios fechou portas para o rock e como assessorias de imprensa de gravadoras manipulam a mídia. Entre um causo e outra memória, três bandas - a brasiliense Little Quail & The Mad Birds, a paulista Professor Antena e a gaúcha Ultramen - são lembradas como as que poderia ter chegado lá não fosse a inadequação delas às regras e segmentos do mercado dos anos 1990. Músicas e atitudes de cantores e grupos - CPM22, Marcelo D2, Pato Fu, Pitty, O Rappa e Racionais MC's, entre eles - também são analisados por Alexandre, testemunha ocular de uma história que, a rigor, ainda ganha novos capítulos a cada dia de luta. Sem isenção (artigo inexistente no ofício da crítica de qualquer forma de arte) e com a parcialidade permitida pela narrativa de cunho pessoal e por vezes biográfica, Alexandre desvenda as regras do jogo ao mesmo tempo em que deixa entrever no livro (justificada) má vontade com o ora desativado grupo carioca Los Hermanos, capitaneado por dois artistas (Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante) tão talentosos quanto calculistas na condução de suas carreiras dentro e fora da banda que lhes tirou do anonimato. Mesmo que certa pessoalidade esteja entranhada nos textos, com a permissão obtida pelo teor memorialista do livro, Cheguei bem a tempo de ver o palco desabar é pensata brilhante sobre os (des)caminhos do rock, da indústria fonográfica e do jornalismo musical em dias de luta para tentar (re)erguer um palco que nunca mais vai ter a estrutura reforçada de outrora.

anônimo disse...

Mauro, gostei de sua crítica e fiquei curiosa para ler o livro, poderia me esclarecer a "justificada" má vontade, no caso do autor, para com os Los Hermanos? Na minha opinião, o último grande grupo de rock no país? Parabéns pelo blog!

Mauro Ferreira disse...

Elba, somente lendo mesmo para vc entender. Abs, grato pelo comentário, MauroF

Felipe dos Santos disse...

Lendo o livro, fiquei com a impressão de que esta avaliação - pessoal, como Mauro mostra - é bastante pessimista e melancólica.

Tanto pelos rumos que a indústria da música tomou, com marqueteiros tomando cada vez mais os postos de direção das gravadoras (colocando várias bandas promissoras à margem), como pelas próprias bandas, que acabaram não saindo a contento como ele, Ricardo, esperava. Que não meteram os peitos e desbravaram as coisas assim mesmo, como as bandas dos '80 fizeram.

Tanto é que as únicas bandas que escapam de críticas e alfinetadas no livro são o Skank e a Nação Zumbi - e, talvez, o mundo livre s/a. De resto, tem crítica a Los Hermanos, Charlie Brown Jr., O Rappa (esta, fenomenal), Pitty (antes dele conhecer a dita cuja e simpatizar com ela)...

Mas, ao mesmo tempo, o livro fecha com um tom de esperança. Ricardo teve de deixar a área de artes e espetáculos (mas segue sendo jornalista) até para tomar um respiro e seguir acreditando. Tomara que siga, para continuarmos lendo seus escritos fabulosos.

Enquanto houver sol, ainda haverá (risos). Ou não.

Felipe dos Santos Souza