Mauro Ferreira no G1

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sábado, 30 de junho de 2012

Campos mancha a imagem mítica da Bahia em álbum de produção fantástica

Resenha de CD
Título: Bahia fantástica
Artista: Rodrigo Campos
Gravadora: Núcleo Contemporâneo
Cotação: * * * 1/2 

♪ De Dorival Caymmi (1914 - 2008) a Roque Ferreira, passando por Ary Barroso (1903 - 1964) e Moraes Moreira, a Bahia sempre foi retratada como a terra da felicidade - imagem alimentada pela indústria da axé music. Cabe a um (bom) compositor oriundo da periferia paulista, Rodrigo Campos, manchar essa mítica imagem de cartão postal de um Estado onde os índices de pobreza e violência são tão grandes quanto a vocação festiva de seu povo. Após fazer a crônica da vida de personagens fictícias de São Mateus (seu bairro natal da periférica Zona Leste de São Paulo) em um primeiro álbum que revelou sua inspirada produção autoral,  São Mateus não é um lugar assim tão longe (Ambulante Discos, 2009), Campos desloca seu eixo criativo para a terra da felicidade, mote da criação das 12 músicas do CD Bahia fantástica, gravado em 2011 sob a direção musical de Romulo Fróes e posto nas lojas em edição independente neste segundo trimestre de 2012. Fantástica, no disco, é a produção assinada por time que, além de Fróes e do próprio Campos, inclui Gustavo Lenza, Kiko Dinucci, Marcelo Cabral, Maurício Fleury, M. Takara e Thiago França. A produção valoriza a safra autoral do compositor, do mesmo bom nível de seu disco de estreia. "Tenho Bahia pra você", repete Campos nos dois versos finais de Cinco doces, faixa que abre o álbum no toque do sonoro sax tenor de Thiago França. Na sequência, Princesa do mar reitera a habilidade de Campos para retratar em poucos versos a alma de uma personagem, no caso Andreza, a maluca que entrou na maré bruta após comer feijão com arroz e bife à milanesa. Uma das músicas mais belas de Bahia fantástica, Ribeirão narra romance de escravos na voz suave do rapper Criolo. Beco foca conversa de adolescentes com alguma psicodelia. Mas é a partir de Morte na Bahia - faixa cantada por Luisa Maita -  que explode a violência tematizada também em Sete vela, faixa de introdução fúnebre e tensões amplificadas pelo arranjo magistral deste samba torto que ganha clima de jam em sua parte final. Poetizada nos únicos quatro versos de Aninha, tema valorizado pela guitarra de Kiko Dinucci, a morte também ronda CapitãoJardim Japão, esta a única faixa não assinada somente por Rodrigo Campos (Vicente Barreto é o parceiro do compositor na música ouvida na voz de Jussara Marçal e turbinada pelo toque da guitarra de Guilherme Held). A presença de solistas vocais em algumas faixas corrobora o fato de que o canto cool de Campos nem sempre tem o brilho de suas composições - desequilíbrio evidente em temas como EliasGeneral geral, dos mais pálidos do álbum. No fim, a ironia contida nos versos de Sou de Salvador - "Sou de Salvador / Cheguei na Bahia de manhã" - é amplificada pela impressão de que Campos, turista acidental na terra da felicidade, captou muito bem o espírito de uma Bahia mais tensa e menos alegre, escondida atrás das cores vivas de seus padronizados cartões-postais. Pela ótica do álbum de Rodrigo Campos, Salvador não é um lugar assim tão longe de São Mateus...

8 comentários:

Mauro Ferreira disse...

De Dorival Caymmi (1914 - 2008) a Roque Ferreira, passando por Ary Barroso (1903 - 1964) e Moraes Moreira, a Bahia sempre foi retratada como a terra da felicidade - imagem alimentada pela indústria da axé music. Cabe a um (bom) compositor oriundo da periferia paulista, Rodrigo Campos, manchar essa imagem de cartão postal de um Estado onde os índices de pobreza e violência são tão grandes quanto a vocação festiva de seu povo. Após fazer a crônica da vida de personagens fictícias de São Mateus (bairro natal da periférica Zona Leste de São Paulo) em um primeiro álbum que revelou sua inspirada produção autoral, São Mateus Não É Um Lugar Assim Tão Longe (2009), Campos desloca seu eixo criativo para a terra da felicidade, mote da criação das 12 músicas do CD Bahia Fantástica, gravado em 2011 sob a direção musical de Romulo Fróes e posto nas lojas em edição independente neste segundo trimestre de 2012. Fantástica, no disco, é a produção assinada por time que, além de Fróes e do próprio Campos, inclui Gustavo Lenza, Kiko Dinucci, Marcelo Cabral, Maurício Fleury, M. Takara e Thiago França. A produção valoriza a safra autoral do compositor, do mesmo bom nível de seu disco de estreia. "Tenho Bahia pra você", repete Campos nos dois versos finais de Cinco Doces, faixa que abre o álbum no toque do sonoro sax tenor de Thiago França. Na sequência, Princesa do Mar reitera a habilidade de Campos para retratar em poucos versos a alma de uma personagem, no caso Andreza, a maluca que entrou na maré bruta após comer feijão com arroz e bife à milanesa. Uma das músicas mais belas de Bahia Fantástica, Ribeirão narra romance de escravos na voz suave do rapper Criolo. Beco foca conversa de adolescentes com alguma psicodelia. Mas é a partir de Morte na Bahia - faixa cantada por Luisa Maita - que explode a violência tematizada também em Sete Vela, faixa de introdução fúnebre e tensões amplificadas pelo arranjo magistral deste samba torto que ganha clima de jam em sua parte final. Poetizada nos únicos quatro versos de Aninha, tema valorizado pela guitarra de Kiko Dinucci, a morte também ronda Capitão e Jardim Japão, esta a única faixa não assinada somente por Rodrigo Campos (Vicente Barreto é o parceiro do compositor na música ouvida na voz de Jussara Marçal e turbinada pelo toque da guitarra de Guilherme Held). A presença de solistas vocais em algumas faixas corrobora o fato de que o canto cool de Campos nem sempre tem o brilho de suas composições - desequilíbrio evidente em temas como Elias e General Geral, dos mais pálidos do álbum. No fim, a ironia contida nos versos de Sou de Salvador - "Sou de Salvador / Cheguei na Bahia de manhã" - é amplificada pela impressão de que Campos, turista acidental na terra da felicidade, captou muito bem o espírito de uma Bahia mais tensa e menos alegre, escondida atrás das cores vivas de seus padronizados cartões-postais. Salvador não é um lugar assim tão longe de São Mateus.

Maria disse...

Minha terra é mesmo fantástica anda maltratada mas nem assim perde o seu brilho.

Anônimo disse...

Há tempos tenho ouvido falar bem desse disco, mas ainda não ouvi.
Muito da Salvador do imaginário popular ficou no passado, assim como o Rio. Mas as duas cidades ainda são dois lugares bem especiais do Brasil.
Por mais que cresçam desordenadamente não creio que percam a singularidade de sua gente. Ou seja, sua alma.

Luca disse...

é um dos melhores discos do ano, merecia uma cotação maior, quatro estrelas no mínimo

Márcio disse...

Grande disco! Comprei esta semana, e o impacto foi grande logo na primeira audição. Muito importante que haja esse intercâmbio de visões, ultrapassando a ditadura da alegria, já que a Bahia, minha terra, é muito mais complexa que isso e pode seguir inspirando, com o que tem de bom e de ruim, artistas de respeito como Rodrigo Campos.

Anônimo disse...

Mas todo lugar ou pessoa é complexo, né Márcio?
O que não impede de ter um lado preponderante.
Todo esteriótipo tem seu quê de verdade, vc bem sabe.

Márcio disse...

Zé Henrique, se não tiver um lado de verdade, não pode nem ser ser estereótipo. O importante - particularmente na cultura musical - é procurar ir além do estereótipo, da informação fácil. Contentar-se com ela é reduzir seu universo de possibilidades.

Anônimo disse...

Eu não preguei que se deva contentar com o estereótipo, Márcio.
Só quis dizer, e disse, que não se deve jogá-lo fora.
Embora muitas vezes sejam estimulados artificialmente, não foram criados do nada, né?