Mauro Ferreira no G1

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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Senhora da voz, Áurea suporta com classe calvário amoroso de Hermínio

Resenha de CD
Título: De Ponta Cabeça
Artista: Áurea Martins
Gravadora: Biscoito Fino
Cotação: * * * *

Na escrita poética de Hermínio Bello de Carvalho, o amor é também veneno que corrói, como o compositor sentencia em verso de parceria com Moacyr Luz ironicamente intitulada Só o Amor Constrói e unida com outro tema de tom magoado, Quando o Amor Acaba (também da lavra de Luz e Hermínio), no quarto álbum de Áurea Martins, De Ponta Cabeça, inteiramente dedicado ao cancioneiro de Hermínio. Senhora cantora que completou 70 anos em 13 de junho de 2010, Áurea suporta com classe o calvário amoroso de Hermínio neste disco que roça a beleza do anterior Até Sangrar (2008). "Eu me algemei com as minhas próprias mãos / E meus pecados um a um paguei, já os purguei / Três mil punhais em mim cravei", canta Áurea num samba iluminado de Moacyr Luz, Me Diz, Ó Deus, mas nublado pelas sombras dos versos de Hermínio. "Cantar é a minha Via Crucis / Minha função peregrina / Nos versos carrego as cruzes / Que me couberam por sina", explicita Áurea nos versos finais de outro samba, Via Crucis (Vidal Assis, Lucas Porto e Hermínio Bello de Carvalho), deste disco que evoca a atmosfera noturna e sombria de Até Sangrar em temas como Era o Fim (Fernando Temporão e Hermínio Bello de Carvalho). Imerso nas trevas dos relacionamentos afetivos, De Ponta Cabeça somente abre frestas para a luz nos sambas Isso É que É Viver (Pixinguinha e Hermínio Bello de Carvalho) e Pressentimento (Elton Medeiros e Hermínio Bello de Carvalho), raro sucesso do repertório, alocado no medley final com Mas Quem Disse que Eu te Esqueço? (Ivone Lara e Hermínio Bello de Carvalho). Coube ao violonista Lucas Porto orquestrar esse mosaico de amarguras e ressentimentos com propriedade, mas sem o brilho do excepcional time de arranjadores do disco anterior da cantora (Terra Trio, Francis Hime, João de Aquino, João Donato, Cristóvão Bastos e o pianista Zé-Maria Rocha).  Nesse pesado calvário, Áurea Martins solta Cobras e Lagartos (Sueli Costa e Hermínio Bello de Carvalho), expõe ressentimentos em Desapreço (Cláudio Jorge e Hermínio Bello de Carvalho), destila mágoas em Acho que É Você (Paulo Vak e Hermínio Bello de Carvalho) - canção abolerada de toques ruralistas - e entra no clima esfumaçado das boates no samba Sete Dias (Moacyr Luz e Hermínio Bello de Carvalho). Tal peso, contudo, é aliviado momentaneamente em Bola no Bola (Vidal Assis e Hermínio Bello de Carvalho), samba com clima de gafieira que pedia sopros no arranjo. Breve momento de leveza, Bola no Bola permite que Áurea mostre suingue que, aliado às perfeitas emissão e afinação de sua voz, reafirma a categoria dessa grande cantora que, como afirma Aldir Blanc em texto escrito para o encarte desse amargurado CD De Ponta Cabeça, não merecia permanecer em ostracismo cruel. Pena que a edição deste quarto álbum de Áurea Martins pela Biscoito Fino já não tenha o poder de aliviar o injusto calvário da senhora cantora.

8 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Na escrita poética de Hermínio Bello de Carvalho, o amor é também veneno que corrói, como o compositor sentencia em verso de parceria com Moacyr Luz ironicamente intitulada Só o Amor Constrói e unida com outro tema de tom magoado, Quando o Amor Acaba (também da lavra de Luz e Hermínio), no quarto álbum de Áurea Martins, De Ponta Cabeça, inteiramente dedicado ao cancioneiro de Hermínio. Senhora cantora que completou 70 anos em 13 de junho de 2010, Áurea suporta com classe o calvário amoroso de Hermínio neste disco que roça a beleza do anterior Até Sangrar (2008). "Eu me algemei com as minhas próprias mãos / E meus pecados um a um paguei, já os purguei / Três mil punhais em mim cravei", canta Áurea num samba iluminado de Moacyr Luz, Me Diz, Ó Deus, mas nublado pelas sombras dos versos de Hermínio. "Cantar é a minha Via Crucis / Minha função peregrina / Nos versos carrego as cruzes / Que me couberam por sina", explicita Áurea nos versos finais de outro samba, Via Crucis (Vidal Assis, Lucas Porto e Hermínio Bello de Carvalho), deste disco que evoca a atmosfera noturna e sombria de Até Sangrar em temas como Era o Fim (Fernando Temporão e Hermínio Bello de Carvalho). Imerso nas trevas dos relacionamentos afetivos, De Ponta Cabeça somente abre frestas para a luz nos sambas Isso É que É Viver (Pixinguinha e Hermínio Bello de Carvalho) e Pressentimento (Elton Medeiros e Hermínio Bello de Carvalho), raro sucesso do repertório, alocado no medley final com Mas Quem Disse que Eu te Esqueço? (Ivone Lara e Hermínio Bello de Carvalho). Coube ao violonista Lucas Porto orquestrar esse mosaico de amarguras e ressentimentos com propriedade, mas sem o brilho do excepcional time de arranjadores do disco anterior da cantora (Terra Trio, Francis Hime, João de Aquino, João Donato, Cristóvão Bastos e o pianista Zé-Maria Rocha). Nesse pesado calvário, Áurea Martins solta Cobras e Lagartos (Sueli Costa e Hermínio Bello de Carvalho), expõe ressentimentos em Desapreço (Cláudio Jorge e Hermínio Bello de Carvalho), destila mágoas em Acho que É Você (Paulo Vak e Hermínio Bello de Carvalho) - canção abolerada de toques ruralistas - e entra no clima esfumaçado das boates no samba Sete Dias (Moacyr Luz e Hermínio Bello de Carvalho). Tal peso, contudo, é aliviado momentaneamente em Bola no Bola (Vidal Assis e Hermínio Bello de Carvalho), samba com clima de gafieira que pedia sopros no arranjo. Breve momento de leveza, Bola no Bola permite que Áurea mostre suingue que, aliado às perfeitas emissão e afinação de sua voz, reafirma a categoria dessa grande cantora que, como afirma Aldir Blanc em texto escrito para o encarte desse amargurado CD De Ponta Cabeça, não merecia permanecer em ostracismo cruel. Pena que a edição deste quarto álbum de Áurea Martins pela Biscoito Fino já não tenha o poder de aliviar o injusto calvário da senhora cantora.

Eulalia Moreno disse...

Olá Mauro

Áurea Maria é uma maravilha! E cantando Hermínio deve estar um espanto.
Mauro, me permite uma breve observação? Sou admiradora do seu trabalho que considero de referência.Últimamente voce tem, com mais assiduidade, se dedicado a divulgar e comentar lançamentos de intérpretes e compositores estrangeiros. Nada contra mas, são tão raros os sites de qualidade crítica como este seu, que a música em Língua Portuguesa deveria ou poderia ser, nele, privilegiada, tratada com a excelência que é habitual no que voce escreve. Opinião minha, lógico. Não deixarei de visitar o seu site por causa disso.
Grande abraço
Eulalia

M.M. disse...

Áurea é a maior ! É áurea, dos áureos aos árduos tempos...

M.M. disse...

Áurea é a maior ! É áurea, dos áureos aos árduos tempos...

Mauro Ferreira disse...

Eulália, grato sempre por seus comentários. Apenas esclareço que eu procuro resenhar todo álbum de gravações inéditas que é lançado no Brasil e que seja relevante na minha opinião. Se aparecem mais resenhas de discos estrangeiros, é por conta do maior volume de lançamentos relevantes na área internacional. Abs, MauroF

Estalactites hemorrágicas disse...

Áurea é necessária.
Relevante.

Ricardo Sérgio

Estalactites hemorrágicas disse...

Áurea é necessária.
Relevante.

Ricardo Sérgio

Eulalia Moreno disse...

Olá Mauro
Voce sempre gentil. Permita-me corrigir o lapso de escrever " Áurea Maria" no lugar do correto Áurea Martins. Agreguei quase de forma inconsciente o " Maria" ao nome dessa grande intérprete por considerá-la sem qualquer dúvida,a voz de muitas " Marias" brasileiras.