Mauro Ferreira no G1

Aviso aos navegantes: desde 6 de julho de 2016, o jornalista Mauro Ferreira atualiza diariamente uma coluna sobre o mercado fonográfico brasileiro no portal G1. Clique aqui para acessar a coluna. O endereço é http://g1.globo.com/musica/blog/mauro-ferreira/


quarta-feira, 8 de maio de 2013

Caixa com discos de Nara nos anos 60 bisa primor da reedição de 2002

Resenha de caixa de CDs
Título: Samba, festivais e Tropicália
Artista: Nara Leão
Gravadora: Universal Music
Cotação: * * * * *

O encaixotamento dos 12 álbuns gravados por Nara Leão (1942 - 1989) nos anos 60 - mais precisamente entre 1964 e 1969 - seria o grande acontecimento fonográfico de 2013 se, há onze anos, o produtor Marcelo Fróes já não tivesse capitaneado a reposição em catálogo dessa obra fundamental na caixa Nara (2002), seguida pelo lançamento de uma outra caixa, Leão (2003), que embalou álbuns dos anos 70 e 80. O novo projeto de reedição da obra inicial de Nara na caixa Samba, festivais e Tropicália - coordenado por Rodrigo Faour para a Universal Music sob a gerência de Alice Soares - reedita a excelência das caixas anteriores no que diz respeito à remasterização (ambas feitas por Carlos Savalla e Luigi Hoffer), ao cuidado na transposição das capas, contracapas e encartes dos LPs originais para o CD e à oferta de faixas-bônus (fartas nos dois projetos, sendo que, na atual reedição, as gravações avulsas da discografia da artista foram reunidas no CD duplo Nara rara). Por isso mesmo, a aquisição da caixa Samba, festivais e Tropicália é desnecessária para quem já comprou a caixa Nara. Em contrapartida, para quem quer se iniciar na obra da cantora capixaba ou substituir os velhos LPs por reedições em CDs, Samba, festivais e Tropicália é mais do que indicado. É luxo só! Embora abrangente, o nome da caixa nem dá conta da diversidade que pautou o canto livre de Nara na gravação destes 12 discos. Estão ali, nos fonogramas destes 12 álbuns, uma síntese dos caminhos da música popular brasileira naqueles efervescentes anos 60. Nara Leão tinha um fio de voz, mas, por esse fio de soprano ligeiro, passou boa parte da música do Brasil pós-Bossa Nova. O primeiro disco da cantora - Nara (1964), produzido por Aloysio de Oliveira (1914 - 1995) - é, de certa forma, o título inaugural do gênero que veio a ser rotulado de MPB, embora a sigla ainda nem existisse em 1964. Em Nara, Leão já mostrou que a Musa da Bossa Nova tinha consciência social e deu voz a sambas de Cartola (1908 - 1980), Nelson Cavaquinho (1911 - 1986) e Zé Kétti (1921 - 1999) - compositores associados ao morro e então não valorizados pela elite do asfalto na proporção de seus talentos - e aos compositores da turma politicamente mais engajada da Bossa Nova, sem esquecer os afro-sambas. Opinião de Nara (1964), lançado no mesmo ano, expande a consciência social em rota que abrange o Nordeste através de Sina de caboclo (João do Vale e J. B. de Aquino) sem deixar de subir o morro - novamente com Zé Kétti, autor de Acender as velas e da contundente Opinião - de cair no samba (inclusive no do asfalto) e de entrar na roda de capoeira. Com faro aguçado para detectar o talento de compositores em início de carreira, Nara grava neste disco Edu Lobo, com quem se junta em cena ao lado do Tamba Trio. 5 na bossa (1965) é o registro ao vivo do show do quinteto, captado no Teatro Paramount, em São Paulo (SP). Show Opinião (1965), disco do mesmo ano, também se origina da cena. No caso, da cena armada no teatral show que juntou Nara (depois substituída por Maria Bethânia), João do Vale (1934 - 1996) e Zé Kéti no mesmo engajado palco do Teatro de Arena. Disco de estúdio, O canto livre de Nara (1965) reforçou tendências, opiniões, posturas e matizes da obra da artista. Enquanto a ditadura instaurada no Brasil em 1964 aprisionava  progressivamente a democracia, o canto livre de Nara Leão ecoou forte contra a repressão e se fez ouvir em discos como Liberdade liberdade (1966) - registro do espetáculo teatral feito por Nara com o ator Paulo Autran (1922 - 2007) - e Nara pede passagem (1966), álbum em que a cantora deu voz e crédito ao então iniciante Chico Buarque, compositor de dois sambas do disco, Pedro pedreiro (lançado pelo autor em compacto de maio de 1965) e Olê, olá (outro emergente, Paulinho da Viola, também figura no repertório, com Recado, parceria com Casquinha). Seu sucessor Manhã de liberdade (1966), lançado no mesmo ano, já apresentou um Chico consagrado com A banda, música que abre o disco em que a cantora - incansável na avalização de novos compositores - dá voz ao emergente Gilberto Gil, parceiro de Capinam em Ladainha. Gil seria o convidado de Nara no álbum seguinte da cantora, Vento de maio, batizado, aliás, com nome de música feita pelo compositor baiano com o poeta tropicalista Torquato Neto (1944 - 1972). O dueto de Gil e Nara acontece em Noites do mascarados, tema de Chico Buarque, compositor recorrente no repertório do disco, porém suplantado na ficha técnica por Sidney Miller (1945 - 1980), compositor de cinco das doze músicas do álbum (Maria Joana, A praça, O circo, Fui bem feliz e Passa, passa, gavião). Já Nara (1967) reabriu a cortina do passado em repertório que, embora dominado por regravações, reiterou a sensibilidade da artista para apontar compositores em início de carreira. A revelação da vez é Sueli Costa, parceira de João Medeiros Filho em Por exemplo, você. De volta ao futuro, Nara Leão (1968) - disco embalado na caixa sem sua capa original por veto judicial do uso da foto usada na capa - desfolhou a bandeira tropicalista com arranjos orquestrados por Rogério Duprat (1932 - 2006) sob a produção de Manuel Barenbein. Último título da caixa Samba, festivais e Tropicália, Coisas do mundo (1969) se valeu da demolição das fronteiras estéticas pela Tropicália para reiterar a diversidade da discografia emblemática de Nara Leão. Neste disco, a cantora gravou frevo abaianado de Caetano Veloso (Atrás do trio elétrico), fez conexões com a música do Chile (Parabién de la paloma) e incursionou até pelo universo do cançonetista belga Jacques Brel (La colombe). Sim, as coisas e as músicas estavam no mundo, nos turbulentos anos 60, e Nara Leão exerceu a liberdade do seu canto para apr(e)endê-las de imediato. A rica obra da artista é exemplo perene de que uma cantora não precisa ter a voz para se tornar grande e relevante.

14 comentários:

Mauro Ferreira disse...

O encaixotamento dos 12 álbuns gravados por Nara Leão (1942 - 1989) nos anos 60 - mais precisamente entre 1964 e 1969 - seria o grande acontecimento fonográfico de 2013 se, há onze anos, o produtor Marcelo Fróes já não tivesse capitaneado a reposição em catálogo dessa obra fundamental na caixa Nara (2002), seguida pelo lançamento de uma outra caixa, Leão (2003), que embalou álbuns dos anos 70 e 80. O novo projeto de reedição da obra inicial de Nara na caixa Samba, festivais e Tropicália - coordenado por Rodrigo Faour para a Universal Music sob a gerência de Alice Soares - reedita a excelência das caixas anteriores no que diz respeito à remasterização (ambas feitas por Carlos Savalla e Luigi Hoffer), ao cuidado na transposição das capas, contracapas e encartes dos LPs originais para o CD e à oferta de faixas-bônus (fartas nos dois projetos, sendo que, na atual reedição, as gravações avulsas da discografia da artista foram reunidas no CD duplo Nara rara). Por isso mesmo, a aquisição da caixa Samba, festivais e Tropicália é desnecessária para quem já comprou a caixa Nara. Em contrapartida, para quem quer se iniciar na obra da cantora capixaba ou substituir os velhos LPs por reedições em CDs, Samba, festivais e Tropicália é mais do que indicado. É luxo só! Embora abrangente, o nome da caixa nem dá conta da diversidade que pautou o canto livre de Nara na gravação destes 12 discos. Estão ali, nos fonogramas destes 12 álbuns, uma síntese dos caminhos da música popular brasileira naqueles efervescentes anos 60. Nara Leão tinha um fio de voz, mas, por esse fio de soprano ligeiro, passou boa parte da música do Brasil pós-Bossa Nova. O primeiro disco da cantora - Nara (1964), produzido por Aloysio de Oliveira (1914 - 1995) - é, de certa forma, o título inaugural do gênero que veio a ser rotulado de MPB, embora a sigla ainda nem existisse em 1964. Em Nara, Leão já mostrou que a Musa da Bossa Nova tinha consciência social e deu voz a sambas de Cartola (1908 - 1980), Nelson Cavaquinho (1911 - 1986) e Zé Kétti (1921 - 1999) - compositores associados ao morro e então não valorizados pela elite do asfalto na proporção de seus talentos - e aos compositores da turma politicamente mais engajada da Bossa Nova, sem esquecer os afro-sambas. Opinião de Nara (1964), lançado no mesmo ano, expande a consciência social em rota que inclui o Nordeste através de Sina de caboclo (João do Vale e J. B. de Aquino) sem deixar de subir o morro - novamente com Zé Kétti, autor de Acender as velas e da contundente Opinião - de cair no samba (inclusive no do asfalto) e de entrar na roda de capoeira. Com faro aguçado para detectar o talento de compositores em início de carreira, Nara grava neste disco Edu Lobo, com quem se junta em cena ao lado do Tamba Trio. 5 na bossa (1965) é o registro ao vivo do show do quinteto, captado no Teatro Paramount, em São Paulo (SP). Show Opinião (1965), disco do mesmo ano, também se origina da cena. No caso, da cena armada no teatral show que juntou Nara (depois substituída por Maria Bethânia), João do Vale (1934 - 1996) e Zé Kéti no mesmo engajado palco do Teatro de Arena. Disco de estúdio, O canto livre de Nara (1965) reforçou tendências, opiniões, posturas e matizes da obra da artista. Enquanto a ditadura instaurada no Brasil em 1964 aprisionava progressivamente a democracia, o canto livre de Nara Leão ecoou forte contra a repressão e se fez ouvir em discos como Liberdade liberdade (1966) - registro do espetáculo teatral feito por Nara com o ator Paulo Autran (1922 - 2007) - e Nara pede passagem (1966), álbum em que a cantora deu voz e crédito ao então iniciante Chico Buarque, compositor de dois sambas do disco, Pedro pedreiro (lançado pelo autor em compacto de maio de 1965) e Olê, olá (outro emergente, Paulinho da Viola, também figura no repertório, com Recado, parceria com Casquinha).

Mauro Ferreira disse...

Seu sucessor Manhã de liberdade (1966), lançado no mesmo ano, já apresentou um Chico consagrado com A banda, música que abre o disco em que a cantora - incansável na avalização de novos compositores - dá voz ao emergente Gilberto Gil, parceiro de Capinam em Ladainha. Gil seria o convidado de Nara no álbum seguinte da cantora, Vento de maio, batizado, aliás, com nome de música feita pelo compositor baiano com o poeta tropicalista Torquato Neto (1944 - 1972). O dueto de Gil e Nara acontece em Noites do mascarados, tema de Chico Buarque, compositor recorrente no repertório do disco, porém suplantado na ficha técnica por Sidney Miller (1945 - 1980), compositor de cinco das doze músicas do álbum (Maria Joana, A praça, O circo, Fui bem feliz e Passa, passa, gavião). Já Nara (1967) reabriu a cortina do passado em repertório que, embora dominado por regravações, reiterou a sensibilidade da artista para apontar compositores em início de carreira. A revelação da vez é Sueli Costa, parceira de João Medeiros Filho em Por exemplo, você. De volta ao futuro, Nara Leão (1968) desfolhou a bandeira tropicalista com arranjos orquestrados por Rogério Duprat (1932 - 2006) sob a produção de Manuel Barenbein. Último título da caixa Samba, festivais e Tropicália, Coisas do mundo (1969) se valeu da demolição das fronteiras estéticas pela Tropicália para reiterar a diversidade da discografia emblemática de Nara Leão. Neste disco, a cantora gravou frevo abaianado de Caetano Veloso (Atrás do trio elétrico), fez conexões com a música do Chile (Parabién de la paloma) e incursionou até pelo universo do cançonetista belga Jacques Brel (La colombe). Sim, as coisas e as músicas estavam no mundo, nos turbulentos anos 60, e Nara Leão exerceu a liberdade do seu canto para apr(e)endê-las de imediato. A rica obra da artista é exemplo perene de que uma cantora não precisa ter voz para se tornar grande e relevante.

antonio disse...

parabéns ao Rodrigo Faour, há tempos esperada a reedição dos discos da Nara. As caixas anteriores estavam sendo vendidas por mais de 1.000 reais. Desta caixa não gostei do design, poderiam ter feito um trabalho mais bonito.

Oberdan disse...

Sr. Mauro Ferreira
E as propaladas caixas da Emilinha Borba que seriam lançadas também, salvo engano, pelo Sr. Rodrigo Faour? Até prometi presentear a Claudia Barroso com uma e fiquei a ver navios. O Sr. teria alguma resposta?
Atenciosamente,
Oberdan Gomes
(oberdansgomes@hotmail.com)

Anônimo disse...

Nara Leão seria reprovada nos The Voice da vida.
E daí, né?
Nara provou por A+B que uma cantora/artista não se limita a isso.
Caso contrário, vira uma Alcione.
Uma beijoca para Dona Emengarda. :-)

PS: A caixa do Gil bem que poderia voltar ao mercado.
Na época vacilei e não comprei. :-(

Mauro Ferreira disse...

Oberdan, desconheço este projeto de reedição da obra de Emilinha Borba. Abs, MauroF

Tiago disse...

Outros destaques da caixa, na minha opinião, são o som dos discos de 68 e 69. O 68 pela primeira vez em estéreo e o de 69 com o som bem superior em relação à primeira edição. O de raridades tem faixas nunca editadas em cd, como 'Uma verdeira princesa' e a obscuríssima 'Beira mágoa'. Tudo lindo!

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
anônimo disse...

Mauro, e sobre o cd em homenagem Nara gravado somente por cantoras, organizado pelo Rafael Cortez? Foi adiado?

KL disse...

Um absurdo quererem desvincular a trajetória de Nara Leão da bossa nova associando-a exageradamente ao Tropicalismo. A estreia da cantora, ao contrário do que se propaga, não foi de ruptura com o movimento. Apenas escolheu um repertório diferente, de sambistas ditos do morro, cujas letras realçavam o contexto social em que viviam. Os arranjos, o clima, a postura estética e outros zil aspectos são totalmente bossa nova. E, se formos avaliar a questão mais atentamente, o tal tropicalismo, na verdade, é mais um desdobramento da bossa uma vez que seus criadores (ou recriadores) todos começaram NA bossa, e não SOB INFLUÊNCIA da bossa: Caetano, Gal, Gil e Bethânia lançaram-se no mercado com discos de bossa nova, inteiramente radicais no conceito, obviamente já influenciados - aí sim - pela mudança de postura de Nara Leão, a quem, aliás, devem eterno tributo já que, sem ela, talvez nem tivessem desenvolvido carreira já que foi Nara quem chamou Bethânia depois de vê-la num show em Salvador - uma ilustre desconhecida - para substituí-la no espetáculo Opinião. Daí, como se sabe (mas quase sempre se esconde), Bethânia levou Caetano, que levou Gal etc etc. E digo mais: pode-se radicalizar dizendo que a obra completa dela é todinha bossa nova, do primeiro ao último disco. Inclusive os da chamada Era dos Festivais, que foi o ápice da canção engajada, nacional-socialista,que surgiu de movimentos paralelos criados sobretudo pelos CPC da UNE (vide Carlos Lyra, Edu Lobo, Sergio Ricardo, por exemplo) Em importância e influência, Nara só perde para João Gilberto, que não só criou a bossa nova, mas criou, SIMULTANEAMENTE à bossa, a moderna música popular brasileira. Gostem ou não dela ou dele.

Dona Emengarda disse...

Oberdan, presenteie Claudia Barroso com uma caixa da Nara. É o que tem pra hoje!

Dona Emengarda disse...

Zé Henrique, obrigada pela beijoca! Mas eu não sou fã de Alcione, apesar de admirar sua voz. O meu negócio mesmo é Clara Nunes. Mas costumo defender a Marrom para irritar o Marcelo Barbosa, porque ele fica atacando a Clara! Rs!

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.