Mauro Ferreira no G1

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quinta-feira, 25 de abril de 2013

Exposição da vida de Aldir Blanc valoriza songbook 'Resposta ao tempo'

Resenha de livro
Título: Aldir Blanc Resposta ao tempo Vida e letras
Autor: Luiz Fernando Vianna
Editora: Casa da Palavra
Cotação: * * * *

Aldir Blanc é uma ilha cercada de versos e enigmas por todos os lados. Fervoroso admirador desses versos tão cariocas quanto universais desde que ouviu aos seis anos de idade o terceiro álbum de João Bosco, Galos de briga (RCA, 1976), o jornalista carioca Luiz Fernando Vianna não chega a decifrar tais enigmas no livro Aldir Blanc - Resposta ao tempo - Vida e letras, mas chega perto neste songbook que publica cerca de 450 letras do compositor - algumas inéditas como a do samba Duro na queda, composto com Bosco - após traçar excelente perfil biográfico do letrista de Corsário (1975) e O bêbado e a equilibrista (1979), entre muitos outros clássicos da música brasileira. É na exposição da vida, mais do que na (relevante) publicação das letras, que reside o mérito do livro. Aldir Blanc é figura arisca, quase mítica, no universo musical do subúrbio do Rio de Janeiro (RJ). É ser estranho em ninhos alheios que quase não sai de casa - sobretudo após acidente de carro sofrido em outubro de 1991 que lhe deixou sequelas na articulação da perna esquerda - e que jamais usa a mídia para promoção pessoal. Às voltas com seus livros e com seus pensamentos (de mente já classificada por um amigo como doentia, adjetivo que muito alegrou Aldir), o compositor é uma ilha imersa nas dores e nos amores que até se revelam através de seus versos, mas que não saem no jornal e nas revistas de celebridades. Com escrita tão fina quanto a dos versos de Aldir, Vianna adentra essa ilha e revela fatos cruciais na vida do artista equilibrista que veio ao mundo no Estácio em 2 de setembro de 1946 - através de um parto difícil que durou quase um dia e deixou sequelas na mãe do menino Aldir Blanc Mendes, Helena - e que se criou feliz em Vila Isabel, terra de Noel Rosa (1910 - 1937), até voltar já adolescente para o Estácio, onde sofreu bullying, vítima dos malandros encorpados do bairro-berço do samba. Com texto pautado pela objetividade jornalística, Vianna conta as descobertas dessa adolescência, a iniciação na música e a formação em medicina. Bom de copo, Blanc também se formou em boemia na informal escola noturna do Rio, onde alicerçou a antológica parceria com João Bosco, o compositor mineiro que conhecera em Ponte Nova (MG) na virada dos anos 60 para os anos 70 pelo esforço de um amigo em comum, Pedro Lourenço Gomes. As versões sobre o início exato da parceria são divergentes, mas o autor publica ambas - a de Aldir e a de Bosco. O fato consumado e indiscutível é que, a partir de 1972, a parceria fez história na música brasileira, avalizada pela voz-guia de Elis Regina (1945 -1982). Contudo, por  incompatibilidade de gênios, essa monumental parceria se desintegrou a partir da primeira metade da década de  80 até ser progressivamente retomada nos anos 2000. Sem dar voz às fofocas que circulam no meio musical, Vianna se limita a expor as (vagas) explicações de Aldir e João para o fim até certo ponto abrupto do relacionamento. Nada fica de fato esclarecido. João Bosco também é uma ilha, como o próprio Aldir revela ao autor em depoimento sobre seus papos ao telefone com o parceiro. Contudo, ao reportar a vida pessoal de Aldir, Vianna desencava fatos cruciais na formatação do temperamento do compositor - como as mortes instantâneas de suas filhas gêmeas, Alexandra e Maria, que vieram ao mundo de sete meses em 31 de janeiro de 1974, data em que sucumbiram aos efeitos do nascimento precoce. Mortes que fizeram Aldir abandonar a medicina para viver somente do ofício de compositor, letrista de parceiros como Cristóvão Bastos, Guinga e Moacyr Luz. Enfim, Aldir é um enigma. Mas suas letras falam por si só do universo delirante e carioca em que habita sua mente salutarmente doentia, exposta na medida do possível neste bom livro que reitera a resposta contundente de Aldir Blanc ao tempo.

2 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Aldir Blanc é uma ilha cercada de versos e enigmas por todos os lados. Fervoroso admirador desses versos tão cariocas quanto universais desde que ouviu aos seis anos de idade o terceiro álbum de João Bosco, Galos de briga (RCA, 1976), o jornalista carioca Luiz Fernando Vianna não chega a decifrar tais enigmas no livro Aldir Blanc - Resposta ao tempo - Vida e letras, mas chega perto neste songbook que publica cerca de 450 letras do compositor - algumas inéditas como a do samba Duro na queda, composto com Bosco - após traçar excelente perfil biográfico do letrista de Corsário (1975) e O bêbado e a equilibrista (1979), entre muitos outros clássicos da música brasileira. É na exposição da vida, mais do que na (relevante) publicação das letras, que reside o mérito do livro. Aldir Blanc é figura arisca, quase mítica, no universo musical do subúrbio do Rio de Janeiro (RJ). É ser estranho em ninhos alheios que quase não sai de casa - sobretudo após acidente de carro sofrido em outubro de 1991 que lhe deixou sequelas na articulação da perna esquerda - e que jamais usa a mídia para promoção pessoal. Às voltas com seus livros e com seus pensamentos (de mente já classificada por um amigo como doentia, adjetivo que muito alegrou Aldir), o compositor é uma ilha imersa nas dores e nos amores que até se revelam através de seus versos, mas que não saem no jornal e nas revistas de celebridades. Com escrita tão fina quanto a dos versos de Aldir, Vianna adentra essa ilha e revela fatos cruciais na vida do artista equilibrista que veio ao mundo no Estácio em 2 de setembro de 1946 - através de um parto difícil que durou quase um dia e deixou sequelas na mãe do menino Aldir Blanc Mendes, Helena - e que se criou feliz em Vila Isabel, terra de Noel Rosa (1910 - 1937), até voltar já adolescente para o Estácio, onde sofreu bullying, vítima dos malandros encorpados do bairro-berço do samba. Com texto pautado pela objetividade jornalística, Vianna conta as descobertas dessa adolescência, a iniciação na música e a formação em medicina. Bom de copo, Blanc também se formou em boemia na informal escola noturna do Rio, onde alicerçou a antológica parceria com João Bosco, o compositor mineiro que conhecera em Ponte Nova (MG) na virada dos anos 60 para os anos 70 pelo esforço de um amigo em comum, Pedro Lourenço Gomes. As versões sobre o início exato da parceria são divergentes, mas o autor publica ambas - a de Aldir e a de Bosco. O fato consumado e indiscutível é que, a partir de 1972, a parceria fez história na música brasileira, avalizada pela voz-guia de Elis Regina (1945 -1982). Contudo, por incompatibilidade de gênios, essa monumental parceria se desintegrou a partir da primeira metade da década de 80 até ser progressivamente retomada nos anos 2000. Sem dar voz às fofocas que circulam no meio musical, Vianna se limita a expor as (vagas) explicações de Aldir e João para o fim até certo ponto abrupto do relacionamento. Nada fica de fato esclarecido. João Bosco também é uma ilha, como o próprio Aldir revela ao autor em depoimento sobre seus papos ao telefone com o parceiro. Contudo, ao reportar a vida pessoal de Aldir, Vianna desencava fatos cruciais na formatação do temperamento do compositor - como as mortes instantâneas de suas filhas gêmeas, Alexandra e Maria, que vieram ao mundo de sete meses em 31 de janeiro de 1974, data em que sucumbiram aos efeitos do nascimento precoce. Mortes que fizeram Aldir abandonar a medicina para viver somente do ofício de compositor, letrista de parceiros como Cristóvão Bastos, Guinga e Moacyr Luz. Enfim, Aldir é um enigma. Mas suas letras falam por si só do universo delirante e carioca em que habita sua mente salutarmente doentia, exposta na medida do possível neste bom livro que reitera a resposta contundente de Aldir Blanc ao tempo.

Anônimo disse...

Gosto muito da poesia "salutarmente doentia", muito boa a expressão, do Aldir.
Artista tem que ter estilo próprio, seja qual for.

PS: Tem um disco muito bom, e representativo da obra dele, que foi feito na ocasião de seus cinquenta anos.
Chama-se 50 Anos.
Paulinho da Viola se faz presente cantando a faixa que dá nome ao título.