Mauro Ferreira no G1

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quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Leila desencava raiz nortista em disco de tons indígenas e confessionais

Resenha de CD
Título: Raiz
Artista: Leila Pinheiro
Gravadora: CT  Music Japan / Atração Fonográfica
Cotação: * * *

"A vontade de voltar / Não impede a de seguir / E por onde quer que eu vá / Estarei vivendo em ti",  contrabalança Leila Pinheiro em versos de Longe Perto (Nilson Chaves e Joãozinho Gomes), música do 17º álbum de sua discografia, Raiz, lançado discretamente ao fim de dezembro de 2011. Tais versos podem ser dirigidos a um ex-amor, mas são entoados pela cantora como um recado à sua terra natal. Produzido pelo percussionista Marco Bosco com o tecladista Paulo Calasans, sob a direção musical de Calasans, Raiz desencava a origem nortista da cantora. Leila é do Pará, mas - ao contrário de Fafá, outra voz de Belém que se fez ouvir em todo o Brasil - até então nunca explicitara essa origem em sua discografia. Raiz é disco fincado na cultura musical do Norte, impregnado de cantos indígenas - e, nesse sentido, remete a Txai (1990), álbum de Milton Nascimento - e de temas que exaltam com alguma poesia as belezas naturais da região, casos das canções Flor do Destino (Nilson Chaves e Vital Lima), Eu Agradeço ao Céu (Zeneida Lima) e A Lua (Zeneida Lima). A surpresa é que, ao se voltar para a música enraizada em sua terra, a artista se desvia da rota do já hype tecnobrega do Pará - caminho que poderia soar oportunista nesse momento - e se embrenha por recantos íntimos. Por mais que a vinheta Entrando na Mata (Paulo Calasnas) abra o disco com vozes que sugerem mergulho profundo em floresta de sons regionais, Raiz é também um álbum de canções abordadas em atmosfera mais íntima e pessoal. Temas como Guará Vermelho (Vital Lima) e Tempo Destino - bonita composição das lavras de Nilson Chaves e Vital Lima, ícones da música do Norte do Brasil, recorrentes na ficha técnica do disco - se inserem nessa categoria. São canções que expõem a precisão técnica de uma cantora que, para muitos, peca pela frieza. Mas há inegavelmente calor humano quando a cantora expressa sua ligação com a terra natal numa canção confessional como Belém em Mim (Nilson Chaves e Ana Terra). Sim, Raiz foge dos clichês regionais, embora traga no repertório carimbó, Canto de Atravessar (Márcio Montoril e Jorge Pimentel), popularizado recentemente pela Banda Calypso. Faixa gravada por Leila em dueto com o autor Nilson Chaves, Toque (Nilson Chaves e Ana Terra) também expõe a vivacidade rítmica da música da região enquanto o canto falado de Ditados Impopulares aproxima a intérprete do universo do hip hop neste tema dividido pela cantora com o compositor da música, Eliakin Rufino. Em contrapartida, Karissu Muracé (Marco Bosco) é tema indígena que remete aos sons de tribos da Amazônia, evocados pelo percussionista Marco Bosco na faixa mais hermética do álbum, gravada sem o canto de Leila. Se Olha o Mar (Zeneida Lima) tem o jeito de cantiga folclórica, Nosso Ar (Zeneida Lima) é lamento que protesta com versos triviais pela destruição crescente da natureza pela ganância do Homem. É o momento ecologicamente correto de disco que aloca como faixa-bônus versão em português de música de Tom Jobim (1927 - 1994) - Forever Green, apresentada em Raiz como Sempre Verde - e Domingo Azul do Mar (Tom Jobim e Newton Mendonça). Embora seja um disco que talvez somente faça real sentido para a intérprete e as tribos de sua região, Raiz merece exposição maior na mídia e nas lojas para não continuar sendo o segredo mais sincero de Leila Pinheiro.

19 comentários:

lurian disse...

É um disco bonito e sincero. Desde Catavento e Girassol e Na ponta da língua tenho ouvido Leila com mais prazer. Ela tem evoluido bastante, prova disso é ter assumido seu lado compositora e instrumentista.
Pra ouvir com atenção.

Luca disse...

Sincero eu acredito que seja, agora bonito,, sei não. Não ouvi o disco e acho que nem vou ouví-lo um dia mas penso que o Mauro tá certo quando fala que é um disco pra tribo do Norte. Gente de São Paulo como eu não se interessa por esse tipo de música. agora só não entendo uma coisa. se Leila tem sua gravadora Tacacá, porque lançou o disco pela Atração?

Maria disse...

Respeito Leila Pinheiro como musicista, mas não faz o meu estilo quem gosta faça bom proveito!

Romani disse...

Hum, parece interessante, fiquei curioso. Gostei da capa e adoro ouvir Leila, discordo de que ela "peca pela frieza". Acho-a emocional na intensidade exata, ao contrário dos exageros superficiais (e breguíssimos) de algumas cantoras, infelizmente, tão em moda de uns tempos pra cá. Leila dá um toque de elegância a tudo que canta. Que bom acompanhar esse blog, nem sabia desse lançamento. Vou atrás desse cd, acho que vai ser gostoso ouvir isso, atentamente como sugeriu Lurian, depois dessa loucura de final de ano...

antonio disse...

Engraçado, eu esperava o registro do show Meu segredo mais sincero, em cd. Acho que Leila Pinheiro encerrou mesmo a temporada de shows deste disco. Mauro, você tem alguma notícia sobre o (re) lançamento em cd do disco Txai do Milton?

flavio ricci disse...

Luca...que comentário mais preconceituoso o seu. "Gente de São Paulo como eu"....só se realmente for como você, pois também sou de São Paulo, comprei o CD, e o achei muito interessante. Meu caro, você pelo visto é daqueles que acredita que o Brasil se faz na Ponte Aérea. Tenho dó de ti. Pois 80% da cultura musical deste país está no Norte / Nordeste.

Marco Bosco disse...

Querido Mauro, muito obrigado pelo seu comentário sobre o disco Raiz de Leila Pinheiro, por favor se puder comunique uma errata em sua matéria, talvez vc tenha se enganado na leitura da ficha técnica, Meu amigo e grande percussionista Marco Lobo não é o produtor do disco Raiz e sim Marco Bosco.
Muito Obrigado e agiarde temos surpresas com o novo projeto do Ivan lins que saira logo apos o carnaval.

Douglas Carvalho disse...

"São canções que expõem a precisão técnica de uma cantora que, para muitos, peca pela frieza."

Esse tipo de raciocínio acerca de cantores/as pra mim é tão absurdo. Cantar é o extremo oposto de ser frio. Quem é frio não vira cantor, estuda pra fazer concurso público. E passa.

Cláudio disse...

Flávio Ricci,

Faço minhas as suas palavrras. Infelizmente este tipo de pensamento ainda é muito forte.

Leandro/RJ disse...

Concordo plenamente com o que disse o Romani. E o disco é muito bom. Um ótimo trabalho de Leila e dos músicos, que certamente souberam ressaltar o que havia de mais bonito em cada uma dessas músicas, através de arranjos e interpretações inspirados. Não é necessário viver nas regiões amazônicas para compreeender e admirar a beleza desse trabalho.

Mauro Ferreira disse...

Marco, de fato troquei os nomes na hora de redigir o texto, já devidamente consertado. Abs, MauroF

Fernando Lima disse...

Acho Leila uma das grandes cantoras do Brasil; emoção na medida certa e técnica irrepreensível.

Quanto ao disco, achei-o bem ao estilo Leila Pinheiro, com direito a algo, inclusive, que abomino nos discos delas, o som insuportável do teclado eletrônico, fazendo-me lembrar da sonoridade pasteurizada dos discos dos anos 80.

Luca disse...

Flavio, não fui politicamente correto, admito, mas preconceituoso não fui. tá na cara que esse disco não vai vender, não vi uma linha sobre ele na Folha

flavio ricci disse...

Luca...não é porque talvez não venda, que o mesmo deixe de ser bom ou até excelente, ou ótimo....Paula Fernandes vendeu mais de um milhão de cópias...é bom? Luan Santana e Michel Teló também estão vendendo muuuuito...saiu alguma resenha na Folha? E convenhamos que tanto a Folha quanto a Revista Veja há tempos deixaram de ser parâmetros para definirem o que é bom ou ruim, principalmente no meio musical.

Gilmar disse...

MAURO,

Não posso deixar de comentar com estranheza uma frase que li em postagem acima: "gente de São Paulo como eu não se interessa por esse tipo de música".
Tenho amigos paulistas - e paulistanos - que gostam sim "desse tipo de música".
Nestes tempos de globalização, quanto mais regional, mais singular é um trabalho, portanto, com plenas possibilidades de atender a uma demanda (de consumo)cultural na escala do mundo!
Dizer aquele tipo de coisa sobre este novo disco da Leila Pinheiro é (quase) o mesmo que afirmar que artistas como Cesária Évora, Mercedes Sosa e Omara Portuondo, por serem "regionais", jamais seriam aceitos pelos paulistas...e pelos franceses, japoneses, ingleses, israelenses, alemães, belgas...
Ainda não ouvi o CD da Leila, mas, justamente por ser tão inusitado diante do seu repertório, estou bastante curioso para ver como tudo ficou. Tenho grande interesse pela voz e pela trajetória dessa cantora, uma das melhores que temos!
Abraços.

Mauro Ferreira disse...

A Gilmar e aos demais navegantes: as opiniões dos que comentam no blog são deles, não do blogueiro. Se não há agressividade na exposição dessas opiniões, não vejo razão para censurá-las. Particulamente, concordo com você. Mas cada um tem o seu modo de pensar. Abs, MauroF

Conrado Mendes disse...

Prezado Mauro,

O conteúdo da crítica que você fez do CD "Raiz" me pareceu mais entusiasmado, mais positivo, que as 3 parcas estrelas que você conferiu ao album. Por quê?

Um abraço,
Conrado.

Daguia Morais disse...

A escrita e a cantiga do CD RAIZ têm uma dignidade musical tão singular, q aplaca a suposta "frieza", por mim aqui compreendida como "atitude de reserva à ostentação" e preenche um hiato na carreira de Leila Pinheiro q nunca havia prestigiado num disco inteiro suas raízes ricas, fecundas. Acho q o disco tb fortalece a tese da arte pela arte, obviamente ñ me reporto com exclusividade aos
Parnasianos... Ouvi cada verso,
cada som e... apreciei mto!
Daguia Morais - Pombal PB

Necka Ayala = NA disse...

O nome da música de Nilson Chaves é Tempo e Destino! Valeu?