Mauro Ferreira no G1

Aviso aos navegantes: desde 6 de julho de 2016, o jornalista Mauro Ferreira atualiza diariamente uma coluna sobre o mercado fonográfico brasileiro no portal G1. Clique aqui para acessar a coluna. O endereço é http://g1.globo.com/musica/blog/mauro-ferreira/


quarta-feira, 29 de outubro de 2014

'Nelson 70' mostra que o cancioneiro de Motta resistiu às ondas do tempo

Resenha de CD
Título: Nelson 70
Artista: Vários
Gravadora: Som Livre
Cotação: * * * * 1/2

"A vida vem em ondas / Como um mar / Num indo e vindo infinito", filosofa Jorge Drexler através dos versos de Como uma onda (Zen-surfismo) (Lulu Santos e Nelson Motta, 1982). Cantados em português no CD Nelson 70 pelo artista uruguaio, no toque minimalista de guitarra eletroacústica que transforma o bolero havaiano em canção, os versos da música contradizem a perenidade do cancioneiro do multimídia Nelson Motta. Produzido para festejar os 70 anos de vida que Motta completa hoje, 29 de outubro de 2014, o CD Nelson 70 mostra que a obra musical do compositor resistiu bem às onda dos tempos, sobrevimento aos modismos, aos movimentos e às movimentações incessantes da música brasileira. "Tudo passa / Tudo sempre passará", sentencia a letra do bolero lançado por Lulu Santos há 31 anos, no começo já áureo de sua parceria com Motta. Sentença bisada na letra de Nós e o tempo (Marisa Monte, Cezar Mendes e Nelson Motta, 2014), única música inédita deste disco que apresenta novos registros das músicas mais conhecidas do compositor. "Belezas passarão", canta Marisa Monte, fluida, com o toque refinado do piano de João Donato. Nós e o tempo é canção à moda antiga. Poderia ter sido lançada nos anos 1960, era dos festivais, plataforma para a exposição da obra inicial de Motta. É de lá, da década de 1960, que vem De onde vens (Nelson Motta e Dori Caymmi, 1967), música ora revivida por Fernanda Takai com barulhinhos bons e eletrônicos. No todo, o tributo se situa bem acima da média de discos do gênero. Com a harpa virtuosa de Cristina Braga, Lenine acentua sons e silêncios de Certas coisas (Lulu Santos e Nelson Motta, 1984). Com o piano de Daniel Jobim, Ed Motta reveste Coisas do Brasil (Guilherme Arantes e Nelson Motta, 1986) de um classicismo aor que, se tira toda a bossa da canção, lhe aponta novos caminhos harmônicos. Ed é parceiro de Motta em Apaixonada (2001), canção ambientada em clima de fado com a sofisticação do canto da intérprete portuguesa Cuca Roseta. De repente Califórnia (Lulu Santos e Nelson Motta, 1982) pega a onda certa na levada moderna de Pupillo, produtor da faixa cantada por Céu. Na mesma onda, Max de Castro repisa Areias escaldantes (Lulu Santos e Nelson Motta,1982) com frescor, sem se afastar da levada original do tema, mas soprando ventos novos a seu favor. Já Ana Cañas transforma o rock Perigosa (Roberto Carvalho, Nelson Motta e Rita Lee, 1977) em blues sensual de tons inicialmente macios. Com a tarefa ingrata de recriar Dancin' days (Rubens Queiroz e Nelson Motta, 1978), Gaby Amarantos põe seu toque tecnobrega na música sem se desviar muito do icônico arranjo da gravação original feita pelo grupo As Frenéticas. Maria Gadú reitera em Você bem sabe (Djavan e Nelson Motta, 1989) seu talento de intérprete. Música pouco ouvida do cancioneiro de Motta, Ditos e feitos - parceria com Roberto Menescal que batizou álbum lançado por Menescal em 1992 via Warner Music - sai do universo da bossa para ganhar vocais harmoniosos no bonito registro de Leo Cavalcanti (em seu melhor momento como intérprete). Já Marina no ar, tecnobossa composta por Motta com Guilherme Arantes e lançada por Arantes em álbum de 1987, ganha moldura eletrônica contemporânea de Silva, artista volta e meia associado a Arantes (mas o fato é que, em Marina no ar, a dupla não reeditou a inspiração de Coisas do Brasil). Música mais recente dentre as 14 regravações do disco, cuja edição digital rebobina O cantador (Dori Caymmi e Nelson Motta, 1966) na voz de Lisa Ono, Noturno carioca (Erasmo Carlos e Nelson Motta, 2009) ganha a bossa e voz de Laila Garin - atriz projetada em escala nacional ao reviver Elis Regina (1945 - 1982) em musical de teatro - em registro classudo feito por Garin com seu grupo Ipanema Lab. A faixa tem clima apropriadamente carioca que evoca o ar e as paisagens de Fotografia (Antonio Carlos Jobim, 1959), comprovando que Nelson 70 é belo recorte do cancioneiro atemporal de Nelson Motta.

Um comentário:

Mauro Ferreira disse...

♪ "A vida vem em ondas / Como um mar / Num indo e vindo infinito", filosofa Jorge Drexler através dos versos de Como uma onda (Zen-surfismo) (Lulu Santos e Nelson Motta, 1982). Cantados em português no CD Nelson 70 pelo artista uruguaio, no toque minimalista de guitarra eletroacústica que transforma o bolero havaiano em canção, os versos da música contradizem a perenidade do cancioneiro do multimídia Nelson Motta. Produzido para festejar os 70 anos de vida que Motta completa hoje, 29 de outubro de 2014, o CD Nelson 70 mostra que a obra musical do compositor resistiu bem às onda dos tempos, sobrevimento aos modismos, aos movimentos e às movimentações incessantes da música brasileira. "Tudo passa / Tudo sempre passará", sentencia a letra do bolero lançado por Lulu Santos há 31 anos, no começo já áureo de sua parceria com Motta. Sentença bisada na letra de Nós e o tempo (Marisa Monte, Cezar Mendes e Nelson Motta, 2014), única música inédita deste disco que apresenta novos registros das músicas mais conhecidas do compositor. "Belezas passarão", canta Marisa Monte, fluida, com o toque refinado do piano de João Donato. Nós e o tempo é canção à moda antiga. Poderia ter sido lançada nos anos 1960, era dos festivais, plataforma para a exposição da obra inicial de Motta. É de lá, da década de 1960, que vem De onde vens (Nelson Motta e Dori Caymmi, 1967), música ora revivida por Fernanda Takai com barulhinhos bons e eletrônicos. No todo, o tributo se situa bem acima da média de discos do gênero. Com a harpa virtuosa de Cristina Braga, Lenine acentua sons e silêncios de Certas coisas (Lulu Santos e Nelson Motta, 1984). Com o piano de Daniel Jobim, Ed Motta reveste Coisas do Brasil (Guilherme Arantes e Nelson Motta, 1986) de um classicismo aor que, se tira a bossa da canção, lhe aponta novos caminhos harmônicos. Ed é parceiro de Motta em Apaixonada (2001), canção ambientada em clima de fado com a sofisticação do canto da intérprete portuguesa Cuca Roseta. De repente Califórnia (Lulu Santos e Nelson Motta, 1982) pega a onda certa na levada moderna de Pupillo, produtor da faixa cantada por Céu. Na mesma onda, Max de Castro repisa Areias escaldantes (Lulu Santos e Nelson Motta,1982) com frescor, sem se afastar da levada original do tema, mas soprando ventos novos a seu favor. Já Ana Cañas transforma o rock Perigosa (Roberto Carvalho, Nelson Motta e Rita Lee, 1977) em blues sensual de tons inicialmente macios. Com a tarefa ingrata de recriar Dancin' days (Rubens Queiroz e Nelson Motta, 1978), Gaby Amarantos põe seu toque tecnobrega na música sem se desviar muito do icônico arranjo da gravação original feita pelo grupo As Frenéticas. Maria Gadú reitera em Você bem sabe (Djavan e Nelson Motta, 1989) seu talento de intérprete. Música pouco ouvida do cancioneiro de Motta, Ditos e feitos - parceria com Roberto Menescal que batizou álbum lançado por Menescal em 1992 via Warner Music - sai do universo da bossa para ganhar vocais harmoniosos no bonito registro de Leo Cavalcanti (em seu melhor momento como intérprete). Já Marina no ar, tecnobossa composta por Motta com Guilherme Arantes e lançada por Arantes em álbum de 1987, ganha moldura eletrônica contemporânea de Silva, artista volta e meia associado a Arantes (mas o fato é que, em Marina no ar, a dupla não reeditou a inspiração de Coisas do Brasil). Música mais recente dentre as 14 regravações do disco, cuja edição digital rebobina O cantador (Dori Caymmi e Nelson Motta, 1966) na voz de Lisa Ono, Noturno carioca (Erasmo Carlos e Nelson Motta, 2009) ganha a bossa e voz de Laila Garin - atriz projetada em escala nacional ao reviver Elis Regina (1945 - 1982) em musical de teatro - em registro classudo feito por Garin com seu grupo Ipanema Lab. A faixa tem clima apropriadamente carioca que evoca o ar e as paisagens de Fotografia (Antonio Carlos Jobim, 1959), comprovando que Nelson 70 é belo recorte do cancioneiro atemporal de Nelson Motta.