Mauro Ferreira no G1

Aviso aos navegantes: desde 6 de julho de 2016, o jornalista Mauro Ferreira atualiza diariamente uma coluna sobre o mercado fonográfico brasileiro no portal G1. Clique aqui para acessar a coluna. O endereço é http://g1.globo.com/musica/blog/mauro-ferreira/


quinta-feira, 28 de julho de 2011

Em 'A Dama Indigna', Cida desfolha rosas e emoções no fio da navalha

Resenha de show - Projeto Música no Solar
Título: A Dama Indigna
Artista: Cida Moreira (em foto de Rodrigo Amaral)
Local: Teatro Solar de Botafogo (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 27 de julho de 2011
Cotação: * * * * 1/2
Show em cartaz no Teatro Fecap, em São Paulo (SP), somente em 6 de agosto de 2011

O show A Dama Indigna reconecta Cida Moreira ao seu começo de carreira, há 30 anos. A sós com seu piano, a cantora se porta em cena como uma atriz que encarna a velha e mundana dama do cabaré. A atmosfera é tão underground quanto teatral - ambiente perfeito para que a dama exerça seu forte poder de sedução e interpretação, dizendo textos, quebrando copos, despedançando charutos e desfolhando rosas em efeitos cênicos que às vezes provocam o riso, ouvido em parte da plateia que compareceu à estreia carioca do show no Teatro Solar de Botafogo, na noite de 27 de julho de 2011. Como cantora, embora haja certa mordacidade em suas falas, Cida emociona mais do que faz rir. Ela desfolha emoções e sentimentos com um canto que, tal como seu repertório, se situa no fio da navalha. Nesse cortante teatro de emoções, urdido pelo diretor e roteirista Humberto Vieira, A Dama Indigna se porta em cena com a dignidade que parece ter escasseado no mercado comum da música. Por isso, por mais que a voz tenha se mostrado titubeante no início do show, o canto de Cida Moreira corta e cala fundo. Com seu poder de dominar a cena, a atriz-cantora ambienta tema dos Rolling Stones em seu tom marginal (Sympathy for the Devil), expõe a inquietude impressa em acalanto de Tom Waits (Lullaby), mostra que sempre houve nobreza no repertório plebeu do Rei Roberto Carlos (Maior que o meu Amor, de Renato Barros) e interpreta como ninguém um dos mais belos temas de Caetano Veloso (Mãe). Dentro da atmosfera underground do show, até os erros da dama - como o tropeço, este sim risível, na letra de Vapor Barato (Jards Macalé e Waly Salomão) - parecem fazer parte do show. Certo é trazer a dilacerante obra inicial de Ângela RoRo - representada no roteiro por Me Acalmo Danando, destaque do show - para o cabaré onde a dama suspira pela volta do homem amado com a dignidade que lhe resta (The Man I Love, de George & Ira Gershwin) enquanto paradoxalmente despedaça as ilusões românticas como se fossem pétalas de rosa (Sou Assim, Toquinho e Gianfrancesco Guarnieri). Nessa altura, a voz - já quente - está à todo vapor e o clima de cabaré aquece Youkali-Tango (Roger Fernay e Kurt Weill) e Tango 'Till They're Sore (Tom Waits). A dama - aí então já sem dignidade - renega a própria filha (Uma Canção Desnaturada, de Chico Buarque) e, sozinha e abandonada por seu homem, se entrega ao luto existencial (Back to Black, o clássico da já saudosa Amy Winehouse), fechando o cabaré. Ao reabrir a cortina de seu passado teatral em A Dama Indigna, Cida Moreira revive Bertolt Brecht (Surabaya Johnny), encarnando sua melhor persona artística, a de cantriz que afia as emoções e a voz no fio sempre cortante da navalha.

9 comentários:

Mauro Ferreira disse...

O show A Dama Indigna reconecta Cida Moreira ao seu começo de carreira, há 30 anos. A sós com seu piano, a cantora se porta em cena como uma atriz que encarna a velha e mundana dama do cabaré. A atmosfera é tão underground quanto teatral - ambiente perfeito para que a dama exerça seu poder de sedução e interpretação, dizendo textos, quebrando copos, despedançando charutos e desfolhando rosas em efeitos cênicos que às vezes provocam o riso, ouvido em parte da plateia que compareceu à estreia carioca do show no Teatro Solar de Botafogo, na noite de 27 de julho de 2011. Como cantora, embora haja certa mordacidade em suas falas, Cida emociona mais do que faz rir. Ela desfolha emoções e sentimentos com um canto que, tal como seu repertório, se situa no fio da navalha. Nesse cortante teatro de emoções, urdido pelo diretor e roteirista Humberto Vieira, A Dama Indigna se porta em cena com a dignidade que parece ter escasseado no mercado comum da música. Por isso, por mais que a voz tenha se mostrado titubeante no início do show, o canto de Cida Moreira corta e cala fundo. Com seu poder de dominar a cena, a atriz-cantora ambienta tema dos Rolling Stones em seu tom marginal (Sympathy for the Devil), expõe a inquietude impressa em acalanto de Tom Waits (Lullaby), mostra que sempre houve nobreza no repertório plebeu do Rei Roberto Carlos (Maior que o meu Amor, de Renato Barros) e interpreta como ninguém um dos mais belos temas de Caetano Veloso (Mãe). Dentro da atmosfera underground do show, até os erros da dama - como o tropeço, este sim risível, na letra de Vapor Barato (Jards Macalé e Waly Salomão) - parecem fazer parte do show. Certo é trazer a dilacerante obra inicial de Ângela RoRo - representada no roteiro por Me Acalmo Danando, destaque do show - para o cabaré onde a dama suspira pela volta do homem amado com a dignidade que lhe resta (The Man I Love, de George & Ira Gershwin) enquanto paradoxalmente despedaça as ilusões românticas como se fossem pétalas de rosa (Sou Assim, Toquinho e Gianfrancesco Guarnieri). Nessa altura, a voz - já quente - está à todo vapor e o clima de cabaré aquece Youkali-Tango (Roger Fernay e Kurt Weill) e Tango 'Till They're Sore (Tom Waits). A dama - aí então já sem dignidade - renega a filha (Uma Canção Desnaturada, de Chico Buarque) e, sozinha e abandonada por seu homem, se entrega ao luto existencial (Back to Black, o clássico da já saudosa Amy Winehouse), fechando o cabaré. Ao reabrir a cortina de seu passado teatral em A Dama Indigna, Cida Moreira revive Bertolt Bretcht (Surabaya Johnny), encarnando sua melhor persona artística, a de cantriz que afia as emoções e a voz no fio sempre cortante da navalha.

Luca disse...

Mauro, prefiro você escrevendo com mais objetividade e menos poesia, deixe esta para os artistas.

Cida é digna!

KL disse...

voz maravilhosa.

Guilherme disse...

Infelizmente os shows do Solar de Botafogo não estão sendo divulgados como deveriam! Alô, pessoal! Assim fica dificil prestigiar!

Rat Pack Visitor disse...

Belo show e belas palavras, MF.

Denilson Santos disse...

Alguém sabe dizer se haverá outra apresentação desse show no Rio?

abraço,
Denilson

Mauro Ferreira disse...

Não, Denilson, por ora foi somente essa apresentação. Mas pode ser que, com o DVD já lançado, Cida volte ao Rio. Abs, MauroF

Fabio disse...

Graças a você Mauro eu já comprei meu ingresso pro show no Teatro Fecap. Você irá? Já fui a esse show algumas vezes. Me emociona do mesmo jeito.

Brenda disse...

Só a poesia dá conta de toda a grandeza de Cida!
Lindo espetáculo com uma divulgação aquém da sua importância.
Agora que venha o registro em vídeo para que se eternize em nossas vidas!