Mauro Ferreira no G1

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segunda-feira, 14 de abril de 2014

Com emoção, filme conta saga de Dominguinhos no tom árido do sertão

Resenha de documentário musical
Título: Dominguinhos
Direção: Joaquim Castro, Eduardo Nazarian, Mariana Aydar
Idealização e direção musical: Eduardo Nazarian, Mariana Aydar e Duani
Roteiro: Di Moretti
Cotação: * * * *
Estreia nos cinemas prevista para maio de 2014

Um pião a rodar na terra seca do sertão é a primeira imagem de Dominguinhos, tocante documentário que reconta a saga do cantor, compositor e sanfoneiro José Domingos de Morais (Garanhuns - PE, 12 de fevereiro de 1941 - São Paulo - SP, 23 de julho de 2013). Por Dominguinhos ter sido de lá do sertão, do interior do mato, Joaquim Castro, Eduardo Nazarian e Mariana Aydar - diretores do filme exibido na 19ª edição do festival de documentários É tudo verdade antes de entrar em circuito nos cinemas em estreia prevista para maio de 2014 - acertam ao focar a história de Seu Domingos no tom árido da caatinga. Mas tal aridez, que remete à estética do filme Vidas secas (Nelson Pereira dos Santos, 1963), é diluída pela emoção que brota na tela como chuva a aliviar a seca e o cotidiano do sertanejo. São águas abundantes como as lágrimas incontidas da cantora Nana Caymmi ao dar voz - em número feito para o filme - à canção Contrato de separação (Dominguinhos e Anastácia, 1979) diante da sanfona e do olhar terno do compositor da música. Lançada pela própria Nana, Contrato de separação simboliza no roteiro de Di Moretti o fim do casamento de Dominguinhos com sua primeira esposa, Janete. Capítulo triste da saga narrada na primeira pessoa pelo próprio Dominguinhos através da fina costura de depoimentos em off captados pelos diretores do filme com trechos de entrevistas concedidas pelo artista a programas de TV. A saga é contada em ordem cronológica em rota que vai da interiorana cidade pernambucana de Garanhuns - que viu Dominguinhos nascer, filho de pais alagoanos descendentes de índios - aos palcos mais nobres do Brasil. Da aridez da interpretação juvenil d'O canto de Acauã (Dominguinhos e Anastácia, 1976), símbolo da vida seca dos tempos em que o pai agricultor tirava da roça pobre o sustento da família, às águas que marejam os olhos do cantor na interpretação maturada da canção De volta pro aconchego (Dominguinhos e Nando Cordel, 1985), o documentário Dominguinhos segue por trilhas musicais que temperam com sentimento a aridez de uma história de luta travada no Rio de Janeiro (RJ) a partir de 1954, ano da migração do sertanejo. "Acaba tudo em baião", resume lá pelo fim o próprio contador de seu causo. Antes, contudo, outros ritmos (como bolero e chá-chá-chá) entraram na história na fase em que o artista se sustentou tocando em boates cariocas. Matriz que inspirou Dominguinhos antes de o artista delinear sua própria identidade no universo musical da Nação Nordestina, o influente mestre Luiz Gonzaga (1912 - 1989) ajudou seu aprendiz nesse difícil início longe das origens. Mas Dominguinhos, tanto o filme como o artista, evitam o lamento sertanejo. A saga é lembrada sem mágoas, com ênfase nos bons momentos, como a volta definitiva para o aconchego dos ritmos nordestinos no álbum Fim de festa (Cantagalo, 1964). Apesar do título de ressaca, tal LP simbolizou o início de nova era na vida musical do então jovem Domingos. Os anos 1970 lhe trariam  visibilidade nacional através de parcerias com expoentes da já então consolidada MPB. A conexão mais notória de Dominguinhos nessa época de consolidação foi com Gilberto Gil, parceiro letrista de Lamento sertanejo (1973) e intérprete original de Eu só quero um xodó (Dominguinhos e Anastácia, 1973), xote ouvido no filme em número antigo de Gil com Dominguinhos, extraído de programa de TV. Eu só quero um xodó é uma das músicas mais famosas da parceria do cantor com sua segunda mulher, Anastácia. Obra que contabiliza 210 músicas. "Fora as que ela jogou fora quando ficou com raiva de mim", adiciona Dominguinhos em instante de humor no filme. Que, ao fim, pega o caminho de volta para o sertão, por ter Seu Domingos sido de lá, da caatinga do roçado, mesmo quando habitava cidades grandes, longe de sua terra. Embora omita feitos e fatos de Dominguinhos a partir dos anos 1990, o filme impressionista de Joaquim Castro, Eduardo Nazarian e Mariana Aydar cumpre de forma emocionante a função de expor a grandeza da vida e obra do artista que focam com ternura. Ao viajar pelo Brasil árido de José Domingos de Morais, o filme traz na mala bastante saudade do (imortal) gigante gentil da nação nordestina.

2 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Um pião a rodar na terra seca do sertão é a primeira imagem de Dominguinhos, tocante documentário que reconta a saga do cantor, compositor e sanfoneiro José Domingos de Morais (Garanhuns - PE, 12 de fevereiro de 1941 - São Paulo - SP, 23 de julho de 2013). Por Dominguinhos ter sido de lá do sertão, do interior do mato, Joaquim Castro, Eduardo Nazarian e Mariana Aydar - diretores do filme exibido na 19ª edição do festival de documentários É tudo verdade antes de entrar em circuito nos cinemas em estreia prevista para maio de 2014 - acertam ao focar a história de Seu Domingos no tom árido da caatinga. Mas tal aridez, que remete à estética do filme Vidas secas (Nelson Pereira dos Santos, 1963), é diluída pela emoção que brota na tela como chuva a aliviar a seca e o cotidiano do sertanejo. São águas abundantes como as lágrimas incontidas da cantora Nana Caymmi ao dar voz - em número feito para o filme - à canção Contrato de separação (Dominguinhos e Anastácia, 1979) diante da sanfona e do olhar terno do compositor da música. Lançada pela própria Nana, Contrato de separação simboliza no roteiro de Di Moretti o fim do casamento de Dominguinhos com sua primeira esposa, Janete. Capítulo triste da saga narrada na primeira pessoa pelo próprio Dominguinhos através da fina costura de depoimentos em off captados pelos diretores do filme com trechos de entrevistas concedidas pelo artista a programas de TV. A saga é contada em ordem cronológica em rota que vai da interiorana cidade pernambucana de Garanhuns - que viu Dominguinhos nascer, filho de pais alagoanos descendentes de índios - aos palcos mais nobres do Brasil. Da aridez da interpretação juvenil d'O canto de Acauã (Dominguinhos e Anastácia, 1976), símbolo da vida seca dos tempos em que o pai agricultor tirava da roça pobre o sustento da família, às águas que marejam os olhos do cantor na interpretação maturada da canção De volta pro aconchego (Dominguinhos e Nando Cordel, 1975), o documentário Dominguinhos segue por trilhas musicais que temperam com sentimento a aridez de uma história de luta travada no Rio de Janeiro (RJ) a partir de 1954, ano da migração do sertanejo. "Acaba tudo em baião", resume lá pelo fim o próprio contador de seu causo. Antes, contudo, outros ritmos (como bolero e chá-chá-chá) entraram na história na fase em que o artista se sustentou tocando em boates cariocas. Matriz que inspirou Dominguinhos antes de o artista delinear sua própria identidade no universo musical da Nação Nordestina, o influente mestre Luiz Gonzaga (1912 - 1989) ajudou seu aprendiz nesse difícil início longe das origens.

Mauro Ferreira disse...

Mas Dominguinhos, tanto o filme como o artista, evitam o lamento sertanejo. A saga é lembrada sem mágoas, com ênfase nos bons momentos, como a volta definitiva para o aconchego dos ritmos nordestinos no álbum Fim de festa (Cantagalo, 1964). Apesar do título de ressaca, tal LP simbolizou o início de nova era na vida musical do então jovem Domingos. Os anos 1970 lhe trariam visibilidade nacional através de parcerias com expoentes da já então consolidada MPB. A conexão mais notória de Dominguinhos nessa época de consolidação foi com Gilberto Gil, parceiro letrista de Lamento sertanejo (1973) e intérprete original de Eu só quero um xodó (Dominguinhos e Anastácia, 1973), xote ouvido no filme em número antigo de Gil com Dominguinhos, extraído de programa de TV. Eu só quero um xodó é uma das músicas mais famosas da parceria do cantor com sua segunda mulher, Anastácia. Obra que contabiliza 210 músicas. "Fora as que ela jogou fora quando ficou com raiva de mim", adiciona Dominguinhos em instante de humor no filme. Que, ao fim, pega o caminho de volta para o sertão, por ter Seu Domingos sido de lá, da caatinga do roçado, mesmo quando habitava cidades grandes, longe de sua terra. Embora omita feitos e fatos de Dominguinhos a partir dos anos 1990, o filme impressionista de Joaquim Castro, Eduardo Nazarian e Mariana Aydar cumpre de forma emocionante a função de expor a grandeza da vida e obra do artista que focam com ternura. Ao viajar pelo Brasil árido de José Domingos de Morais, o filme traz na mala bastante saudade do (imortal) gigante gentil da nação nordestina.