Mauro Ferreira no G1

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quarta-feira, 23 de abril de 2014

Krassik transita entre Paris e Nordeste com os Cordestinos, Gil e Lenine

Violinista parisiense de ampla vivência musical no Brasil, país no qual está radicado há anos, Nicolas Krassik trafega pelo ponte Brasil-França em seu quinto álbum, Nordeste de Paris, editado pela Superlativa neste mês de abril de 2014. Com capa que alude à antológica capa de Dark side of the moon, álbum emblemático na discografia do grupo inglês Pink Floyd, Nordeste de Paris é o segundo CD gravado por Krassik com o grupo Cordestinos, arretado quarteto formado por Carlos César (percussão), Chris Mourão (percussão), Guto Wirtti (baixo) e Marcos Moletta (rabeca). Produzido por Bruno Giorgi, Nordeste de Paris alinha na ficha técnica os nomes de Gilberto Gil - cujo atual CD, Gilberto Sambas, tem várias faixas gravadas com o violino de Krassik - e Lenine, convidados de Refazenda (Gilberto Gil, 1975) e d'A balada do cachorro louco (Fere rente) (Lenine, Lula Queiroga e Chico Neves, 1997), respectivamente. Filho de Lenine e irmão de Giorgi, o cantor e compositor carioca João Cavalcanti conceitua Nordeste de Paris com precisão no texto enviado à imprensa com o CD. Com a palavra, João:

"É claro que há fronteiras, sempre houve. Há fronteiras arbitrárias, conquistadas, consensuais. Quase sempre são imaginárias. Há quem veja nelas a razão de sermos distintos tão somente por estarmos em lados distintos delas.

Por outro lado, é claro que há quem ignore haver fronteiras. Sempre houve. Nicolas Krassik é um desses. Nascido na grande Paris, ele veio pôr o sumo do jazz e a essência erudita de seu violino a serviço da música popular brasileira. Mais do que isso, Nicolas resolveu que seria brasileiro. Ou, melhor ainda, um apátrida honorário voluntário.

Nordeste de Paris (Superlativa / 2014), seu quinto álbum - segundo acompanhado dos Cordestinos Marcos Moletta (rabeca), Guto Wirtti (baixo), Carlos César e Chris Mourão (percussões) -, confirma a fluência com que Nicolas costura e descostura as fronteiras a gosto. Os sotaques, as escolhas, a erudição na técnica e o espírito popular na linguagem (e, eventualmente, vice-versa) constroem um ambiente com um aroma inédito - embora seja criado pelo que absorvem, Nicolas e Cordestinos, cá e acolá dos limites que escolheram ignorar.

A surpresa é ainda maior e mais bem-vinda graças à produção primorosa de Bruno Giorgi, outro daqueles que se entrincheiraram nas fileiras do mundo-uno, mundo afora. Delays, mutings, compressões e ruídos nada ortodoxos para o universo da música instrumental, mas já explorados sem pudor no pop contemporâneo. Como já disse outras vezes: fronteira?

Contribui para o gosto de novidade, ainda, o fato de ser um disco sumamente autoral. Sete das dez músicas foram compostas por Nicolas, duas delas em parceria com Marcelo Caldi. O disco arromba os ouvidos com o tema-título, uma espécie de xaxado-manouche que evoca o suspense brevemente melancólico do estrangeiro íntimo, clima que se mantém em Soturno, primeira parceria com Caldi. O começo abrupto de Azul elétrico é a senha da ruptura pra esse baião frenético que parece ter um pé no choro - de que todos ali também são impregnados. Evelise é um xote-moto-contínuo bom de dançar e de regozijar quem percebe que por trás da zabumba, às vezes, tem um beat cavernoso do MPC de Chris.

Em seguida, Lenine aparece pra cantar A balada do cachoro louco (Fere rente), sua e de Lula Queiroga e Chico Neves. As intervenções são de um músico - é a voz a serviço do instrumento, não o contrário. Mar da minha terra é uma ciranda-lamento. Um lamento sertanejo-litorâneo (que vira sertão que vira mar) de começo lamurioso e fim redentor, tão complexo como a própria saudade. Esse é o terreno para Gilberto Gil (com quem Nicolas toca há bastante tempo) promover sua Refazenda, num arranjo que, mais uma vez, joga longe a obviedade da relação vocal-instrumental.

Forrockatu é um groove devastador que deflagra como Nicolas, Moletta, Guto, Carlinhos e Chris já se entrelaçaram de forma irreversível na estética de banda. Na sequência, Jimi’s galop, a segunda com Caldi, leva Hendrix do arraiá ao baile funk. O disco, aliás, é cheio de pequenas referências como essa, a começar pela capa sensacional que faz alusão ao clássico Dark Side of the Moon. Para encerrar o disco, Krassik elege Tears, música de Django Reinhardt e do violinista Stéphane Grappelli, e não há de ser por acaso: Django, maior nome do jazz francês, era nascido na Bélgica e de família cigana. Aliás, talvez sejam diásporas como a dos Romani que nos permitiram chegar a esse tempo em que se pode escolher não ter pátria - ou acumular pátrias - carregando um mundo inteiro consigo.

Por isso, é claro, há Nicolas Krassik.
Ouve". 
João Cavalcanti

Um comentário:

Mauro Ferreira disse...

Violinista parisiense de ampla vivência musical no Brasil, país no qual está radicado há anos, Nicolas Krassik trafega pelo ponte Brasil-França em seu quinto álbum, Nordeste de Paris, editado pela Superlativa neste mês de abril de 2014. Com capa que alude à antológica capa de Dark side of the moon, álbum emblemático na discografia do grupo inglês Pink Floyd, Nordeste de Paris é o segundo CD gravado por Krassik com o grupo Cordestinos, arretado quarteto formado por Carlos César (percussão), Chris Mourão (percussão), Guto Wirtti (baixo) e Marcos Moletta (rabeca). Produzido por Bruno Giorgi, Nordeste de Paris alinha na ficha técnica os nomes de Gilberto Gil - cujo atual CD, Gilberto Sambas, tem várias faixas gravadas com o violino de Krassik - e Lenine, convidados de Refazenda (Gilberto Gil, 1975) e d'A balada do cachorro louco (Fere rente) (Lenine, Lula Queiroga e Chico Neves, 1997), respectivamente. Filho de Lenine e irmão de Giorgi, o cantor e compositor carioca João Cavalcanti conceitua Nordeste de Paris com precisão no texto enviado à imprensa com o CD.