Mauro Ferreira no G1

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sexta-feira, 25 de abril de 2014

Mel valoriza musical em que Rita Lee mora ao lado de alucinações históricas

Resenha de musical
Título: Rita Lee mora ao lado
Texto e roteiro: Debora Dubois, Márcio Macena e Paulo Rogério Lopes com base no livro

                        Rita Lee mora ao lado - Uma biografia alucinada da rainha do rock,
                        de Henrique Bartsch
Direção: Debora Dubois e Márcio Macena
Elenco: Mel Lisboa (em foto de Priscila Prade), Carol Portes, Rafael Maia, Yael
           Pecarovich, Samuel de Assis, Fabiano Augusto, Débora Reis, Antonio Vanfill,
           César Figueiredo, Fábio Ventura, Flávio Strongoli, Nanni Souza, Nellson
           Oliveira e Thalita Pereira
Direção musical: André Aquino
Cotação:
* *
Espetáculo em cartaz no Teatro das Artes, em São Paulo (SP), de sexta-feira a domingo


 Mel Lisboa é Rita Lee no musical recém-estreado em São Paulo (SP) com enredo fantasioso sobre a vida e obra da cantora e compositora paulista. Produto de primorosa caracterização, a incrível semelhança da atriz gaúcha com a roqueira - perceptível nas fotos promocionais do espetáculo Rita Lee mora ao lado - ajuda Mel em cena, mas o desempenho da atriz no musical não se apoia somente nessa caracterização. Além de estar com sua voz pequena (do tamanho da voz de Rita, diga-se) bem colocada nos números musicais, Mel encontrou o tom de Rita na vida e na música. Sua convincente interpretação valoriza um musical pautado pelo desencontro. Talvez pelo fato de o texto ser baseado em heterodoxa biografia da artista, Rita Lee mora ao lado - Uma biografia alucinada da rainha do rock (2006), escrita por Henrique Bartsch com mistura de realidade e ficção, os autores se permitiram  liberdades que depõem contra o espetáculo, vizinho da alucinação histórica. O desinformado público-alvo desses musicais biográficos - fórmula já seguida sem rigor por produtores de teatro no Rio de Janeiro e em São Paulo - certamente vai ver sem estranhamento a cena em que a efêmera dupla Cilibrinas do Éden - formada em 1973 por Rita com Lúcia Turnbull (vista na pele da atriz Thalita Pereira) - canta Jardins da babilônia (Rita Lee e Lee Marcucci, 1978), música que Rita somente comporia e gravaria cinco anos depois, em disco que selou o fim da fase em que se uniu ao grupo Tutti Frutti.  A falta de pesquisa musical mais embasada se reflete em cenas que subvertem os fatos. Foi realmente através de Ney Matogrosso que Rita Lee conheceu em 1976 Roberto de Carvalho, o guitarrista com quem iria se unir na música e na vida, dando guinada pop que a transformaria em campeã de vendas de discos a partir de 1979. Mas o musical jamais poderia pôr Ney (visto na pele do ator Fabiano Augusto) cantando Bandolero (Luli e Lucina) - música que somente entraria no repertório do cantor a partir do disco e show Feitiço (1978) - com o figurino de espetáculo apresentado por Ney em 1981. A música certa para marcar em cena esse contato inicial de Rita e Roberto era Bandido corazón, dada por Rita para Ney em 1976 e turbinada no show do cantor com solo de guitarra de Roberto. Mas a composição certa não figura no errático roteiro, que ainda abre desnecessário espaço para Sangue latino (João Ricardo e Paulinho Mendonça, 1973), música dissociada da história de Rita. E o que dizer da entrada de Gal Costa (Yael Pecarovith) no roteiro para sublinhar a paixão de Rita e Roberto cantando Não identificado (Caetano Veloso, 1969) com o figurino do show Índia (1973) e a silhueta do show Recanto (2012)?! Além de ignorar tais alucinações históricas, o público parece ter certo prazer em ver seus ídolos retratados em cena com traços caricaturais. Ao longo das duas horas e 20 minutos de Rita Lee mora ao lado, entram em cena Caetano Veloso, Elis Regina (1945 - 1982), Gilberto Gil, João Gilberto, Jorge Ben Jor e Tim Maia (1942 - 1998), entre outros. A aparição de Elis é importante, pois, ao visitar Rita na prisão em 1976, a Pimentinha mostrou que também era doce, dando início ali uma amizade com a Ovelha Negra que foi intensa até o fim da vida de Elis. Mas o número musical da cena - já em si inadequado, pois a música O que foi feito devera (Milton Nascimento e Fernando Brant) é de 1978 - beira o constrangimento pela interpretação de Flávia Strongolli, que não alcança as notas e tampouco a dimensão da música. Já a aparição de João Gilberto (Nellson Oliveira) é risível, mas o riso é extraído não do humor, mas da exposição grotesca do papa da Bossa Nova. Que ainda por cima canta com Rita a antiga marchinha Joujoux e balangandãs (Lamartine Babo, 1939) - recriando dueto feito para especial exibido pela TV Globo em 1980 - sem seu violão e andando pelo palco em cena mais alucinada do que a biografia de Henrique Bartsch. No livro, como na peça, a vida de Rita é contada a partir da ótica de fictícia vizinha da artista, Bárbara Farniente (Carol Portes, muito bem no papel), às voltas com sua mãe apaixonada pelo pai de Rita. Aliás, todas as cenas de Bárbara com sua mãe, Diva Farniente (Nanni Souza), engorduram roteiro que peca por focar com menos precisão o que realmente importou na vida de Rita. Ao perder tempo com personagens periféricos na obra da roqueira, Rita Lee mora ao lado acaba pondo os feitos de Rita em segundo plano. A revolução estética promovida pelo grupo Mutantes na segunda metade dos anos 1960 é enfocada de forma superficial. Já a consolidação da carreira solo de Rita com o álbum Fruto proibido (1975) - do qual o musical rebobina hits como Ovelha negra (Rita Lee), Agora só falta você (Rita Lee e Luiz Carlini), rock alocado logo na abertura do roteiro, e Esse tal de roque en row (Rita Lee e Paulo Coelho) - sequer é mencionada no texto, assim como os fatos e discos da carreira de Rita pós-anos 1990. Entre tantas imprecisões, paira a interpretação certeira de Mel Lisboa como Rita Lee. Impossível não enxergar Rita quando Mel dá voz a canções como Menino bonito (Rita Lee, 1974) e Doce vampiro (Rita Lee, 1979) em números de atmosfera pop folk, calcados no violão. Mas nem o fato de Mel convencer como Rita dá ao espetáculo voltagem emocional que somente é elevada em Coisas da vida (Rita Lee, 1976), número mais vibrante do musical. A balada de Rita é usada para lembrar as sucessivas perdas - de ídolos como Cássia Eller (1962 - 2001), Cazuza (1958 - 1990), Elis Regina, Renato Russo (1960 - 1996) e Tim Maia, entre outros - que abalaram Rita e o Brasil. Enfim, Rita Lee mora ao lado é musical de apelo popular por estar centrado na vida e obra de uma das artistas mais queridas do Brasil, dona de uma obra irresistível. Só que, do início ao fim previsivelmente carnavalizante, quando o elenco recebe os aplausos ao som de Lança perfume (Rita Lee e Roberto de Carvalho, 1980), fica a impressão de que o fato de a biografia original ser alucinada liberou os autores para empilhar cenas que jamais erguem dramaturgia sólida e para cometer imprecisões históricas que depõem contra o musical, desvalorizando o espetáculo aos olhos de quem de fato conhece minimamente a vida e a obra de Rita Lee. Mas haverá quem aplauda a balada do louco...

10 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Mel Lisboa é Rita Lee no musical recém-estreado em São Paulo (SP) com enredo fantasioso sobre a vida e obra da cantora e compositora paulista. Produto de primorosa caracterização, a incrível semelhança da atriz gaúcha com a roqueira - perceptível nas fotos promocionais do espetáculo Rita Lee mora ao lado - ajuda Mel em cena, mas o desempenho da atriz no musical não se apoia somente nessa caracterização. Além de estar com sua voz pequena (do tamanho da voz de Rita, diga-se) bem colocada nos números musicais, Mel encontrou o tom de Rita na vida e na música. Sua convincente interpretação valoriza um musical pautado pelo desencontro. Talvez pelo fato de o texto ser baseado em heterodoxa biografia da artista, Rita Lee mora ao lado - Uma biografia alucinada da rainha do rock (2006), escrita por Henrique Bartsch com mistura de realidade e ficção, os autores se permitiram liberdades que depõem contra o espetáculo, vizinho da alucinação histórica. O desinformado público-alvo desses musicais biográficos - fórmula já seguida sem rigor por produtores de teatro no Rio de Janeiro e em São Paulo - certamente vai ver sem estranhamento a cena em que a efêmera dupla Cilibrinas do Éden - formada em 1973 por Rita com Lúcia Turnbull (vista na pele da atriz Thalita Pereira) - canta Jardins da babilônia (Rita Lee e Lee Marcucci, 1978), música que Rita somente comporia e gravaria cinco anos depois, em disco que selou o fim da fase em que se uniu ao grupo Tutti Frutti. A falta de pesquisa musical mais embasada se reflete em cenas que subvertem os fatos. Foi realmente através de Ney Matogrosso que Rita Lee conheceu em 1976 Roberto de Carvalho, o guitarrista com quem iria se unir na música e na vida, dando guinada pop que a transformaria em campeã de vendas de discos a partir de 1979. Mas o musical jamais poderia pôr Ney (visto na pele do ator Fabiano Augusto) cantando Bandolero (Luli e Lucina) - música que somente entraria no repertório do cantor a partir do disco e show Feitiço (1978) - com o figurino de espetáculo apresentado por Ney em 1981. A música certa para marcar em cena esse contato inicial de Rita e Roberto era Bandido corazón, dada por Rita para Ney em 1976 e turbinada no show do cantor com solo de guitarra de Roberto. Mas a composição certa não figura no errático roteiro, que ainda abre desnecessário espaço para Sangue latino (João Ricardo e Paulinho Mendonça, 1973), música dissociada da história de Rita. E o que dizer da entrada de Gal Costa (Yael Pecarovith) no roteiro para sublinhar a paixão de Rita e Roberto cantando Não identificado (Caetano Veloso, 1969) com o figurino do show Índia (1972) e a silhueta do show Recanto (2012)?! Além de ignorar tais alucinações históricas, o público parece ter certo prazer em ver seus ídolos retratados em cena com traços caricaturais.

Mauro Ferreira disse...

Ao longo das duas horas e 20 minutos de Rita Lee mora ao lado, entram em cena Caetano Veloso, Elis Regina (1945 - 1992), Gilberto Gil, João Gilberto, Jorge Ben Jor e Tim Maia (1942 - 1998), entre outros. A aparição de Elis é importante, pois, ao visitar Rita na prisão em 1976, a Pimentinha mostrou que também era doce, dando início ali uma amizade com a Ovelha Negra que foi intensa até o fim da vida de Elis. Mas o número musical da cena - já em si inadequado, pois a música O que foi feito devera (Milton Nascimento e Fernando Brant) é de 1978 - beira o constrangimento pela interpretação de Flávia Strongolli, que não alcança as notas e tampouco a dimensão da música. Já a aparição de João Gilberto (Nellson Oliveira) é risível, mas o riso é extraído não do humor, mas da exposição grotesca do papa da Bossa Nova. Que ainda por cima canta com Rita a marchinha Joujoux e balangandãs (Lamartine Babo, 1939) - recriando dueto feito para especial exibido pela TV Globo em 1980 - sem seu violão e andando pelo palco em cena mais alucinada do que a biografia de Henrique Bartsch. No livro, como na peça, a vida de Rita é contada a partir da ótica de fictícia vizinha da artista, Bárbara Farniente (Carol Portes, muito bem no papel), às voltas com sua mãe apaixonada pelo pai de Rita. Aliás, todas as cenas de Bárbara com sua mãe, Diva Farniente (Nanni Souza), engorduram roteiro que peca por focar com menos precisão o que realmente importou na vida de Rita. Ao perder tempo com personagens periféricos na obra da roqueira, Rita Lee mora ao lado acaba pondo os feitos de Rita em segundo plano. A revolução estética promovida pelo grupo Mutantes na segunda metade dos anos 1960 é enfocada de forma superficial. Já a consolidação da carreira solo de Rita com o álbum Fruto proibido (1975) - do qual o musical rebobina hits como Ovelha negra (Rita Lee), Agora só falta você (Rita Lee e Luiz Carlini), rock alocado logo na abertura do roteiro, e Esse tal de roque en row (Rita Lee e Paulo Coelho) - sequer é mencionada no texto, assim como os fatos e discos da carreira de Rita pós-anos 1990. Entre tantas imprecisões, paira a interpretação certeira de Mel Lisboa como Rita Lee. Impossível não enxergar Rita quando Mel dá voz a canções como Menino bonito (Rita Lee, 1974) e Doce vampiro (Rita Lee, 1979) em números de atmosfera pop folk, calcados no violão. Mas nem o fato de Mel convencer como Rita dá ao espetáculo voltagem emocional que somente é elevada em Coisas da vida (Rita Lee, 1976), número mais vibrante do musical. A balada de Rita é usada para lembrar as sucessivas perdas - de ídolos como Cássia Eller (1962 - 2001), Cazuza (1958 - 1990), Elis Regina, Renato Russo (1960 - 1996) e Tim Maia, entre outros - que abalaram Rita e o Brasil. Enfim, Rita Lee mora ao lado é musical de apelo popular por estar centrado na vida e obra de uma das artistas mais queridas do Brasil, dona de uma obra irresistível. Só que, do início ao fim previsivelmente carnavalizante, quando o elenco recebe os aplausos ao som de Lança perfume (Rita Lee e Roberto de Carvalho, 1980), fica a impressão de que o fato de a biografia original ser alucinada liberou os autores para cometer imprecisões históricas que depõem contra o musical, desvalorizando o espetáculo aos olhos de quem conhece minimamente a vida e a obra de Rita Lee. Mas haverá quem aplauda...

Lauro disse...

É ruim demais. Acho que você foi até generoso com Mel. Pra mim a única semelhança dela com Rita está na peruca, hahaha. Tudo o mais é constrangedoramente amador.

Douglas Carvalho disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Pedro Progresso disse...

Mauro, Elis faleceu em 82 e o Índia é de 73, se não me engano. Alucinações históricas contagiantes hahah

Douglas Carvalho disse...

Não posso falar pelas biografias no teatro realizadas fora do Brasil, mas pelo menos no cinema os filmes tendem a ser bastante fiéis às vidas folhetinescas dos grandes nomes da música, como Edith Piaf, Ray Charles ou Tina Turner.

Mas no Brasil há uma mania de florear as vidas dos grandes ídolos, se inventar passagens fictícias, ao meu ver sem nenhuma necessidade. Depois que a rede Globo inventou um caso tórrido de amor entre Chiquinha Gonzaga e Carlos Gomes na mini série estrelada por Regina Duarte, desisti.

Mauro Ferreira disse...

Grato, Pedro, pelos toques dos erros de digitação. Abs, MauroF

Vinicius Valente disse...

assisti no domingo, e a única coisa que me emocionou, foi a interpretação da atriz que fez a hebe. ela me fez lembrar a falta que a hebe nos faz.

Sinesio Gomes disse...

Ansioso para assistir ao espetáculo. Pelos poucos vídeos que vi, a Mel está perfeita no papel de Rita Lee.

rafael h. disse...

Quero assistir. Encontrei com a Mel e o elenco todo da peça, no último show que estive do Ney Matogrosso, no Teatro Bradesco em São Paulo. Bem vi, que o ator Fabiano Augusto, ficou vidrado no Ney e suas interpretações. Não sabia q ele faz o Ney na peça.

Assistir, por curiosidade, já que esses devaneios com a história, me desanimam um pouco.