Mauro Ferreira no G1

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terça-feira, 29 de abril de 2014

Documentário 'Olho nu' enxerga Ney por frestas de palcos, casas e matas

Resenha de documentário
Título: Olho nu (com Ney Matogrosso)
Direção e roteiro: Joel Pizzini
Produção: Paloma Cinematográfica e Canal Brasil
Cotação: * * * *
Filme com estreia programada nos cinemas para 15 de maio de 2014

É pelas frestas - dos palcos, das casas e das matas da mãe natureza - que Olho nu enxerga Ney Matogrosso. Não a ponto de decifrar inteiramente a alma desse enigmático sujeito estranho, mas com foco suficiente para retratar com nitidez a na tela personagem documentada com riqueza de imagens (novas e antigas) e sem os robotizados depoimentos típicos dos filmes que procuram entronizar o artista enfocado. Desde 2013 exibido em concorridas sessões avulsas de festivais, o documentário Olho nu entra em cartaz nos cinemas a partir de 15 de maio com cacife para atrair admiradores deste cantor mato-grossense que há 41 anos desafia seu público com um olhar provocativo sobre a vida, expressado através de seu canto. Com o aval de Ney, coprodutor do filme, o diretor e roteirista Joel Pizzini confronta imagens do passado e do presente em Olho nu, espreitando Ney através de câmeras que investigam os ambientes filmados para o documentário. Penetrar por casas e matas habitadas pelo artista é uma forma de enfocar o cidadão Ney de Souza Pereira, já que o Ney Matogrosso dos palcos e camarins é - com ou sem maquiagem e fantasia - uma personagem que sai de cena tão logo o show acaba, como o próprio Ney ressalta quase ao fim do filme, em fala determinante para se entender a natureza de seu processo artístico. Pizzini foca Ney com estilo, no tempo sem pressa de um artista que sempre caminhou com suas próprias pernas - e com personalidade - pelo mundo e pela música. Um caminhar feito com livre trânsito entre (quase) todos os estilos e gêneros de música brasileira - o que explica as imagens já raras que mostram Ney em duetos com artistas de universos musicais tão distintos como Astor Piazzolla (1921 - 1992), Caetano Veloso, Chico Buarque, Emilinha Borba (1923 - 2005), Fagner, Luli & Lucina e Toquinho. A propósito: as imagens de arquivo exibidas por Olho nu, com foco no Ney dos anos 1970 e 1980, são verdadeiras pérolas pescadas no baú que dão brilho adicional ao documentário. Vê-se fragmentos do show Bandido (1976), o clipe da gravação de Barco negro (Matheus Nunes e David de Jesus Mourão) e trechos de show histórico do trio Secos & Molhados no Maracanãzinho, entre outras raras imagens que são a mais perfeita tradução da natureza camaleônica do artista. E por falar em natureza, imagens novas e antigas de Ney nas matas e rios ajudam o espectador a enxergar na tela um pouco da alma de um ser humano criado com natural intimidade com os matos e os bichos. A ponto de causar arrepios urbanoides a cena em que Ney aparece deitado em pedra de rio com um caramujo a lhe cobrir inteiramente os lábios. Os depoimentos do artista - geralmente ouvidos em off - pontuam uma narrativa também feita de necessários silêncios. E é também pelas frestas desses depoimentos que Olho nu captura Ney. "Tenho medo do mar", revela o artista à certa altura do filme, deixando entrever trauma por ter sido, criança, carregado por onda e salvo por homem de um braço só. Além de permitir que o vejam chorando, ao fim de número com o violonista Raphael Rabello (1962- 1995), Ney não evita assuntos. Ao longo dos 100 minutos do filme, ele fala da relação contestatória com o pai (ouvido em depoimento de arquivo), do azedume da relação dos Secos & Molhados quando a força da grana ergueu e destruiu coisas belas e das sucessivas perdas de amigos dos anos 1980 por conta da Aids, entre outros temas abordados de forma espontânea, sem sensacionalismos. Naturais em artista de natureza camaleônica, as eventuais contradições aparecem no confronto entre depoimentos antigos e atuais. "Não pensem que eu acredito em tudo que canto", avisa Ney após o filme exibir trecho do show Beijo bandido (2009) em que o cantor dá voz à música Medo de amar (Vinicius de Moraes) - "O ciúme é o inferno do amor", sentencia, contrariando a visão romântica exposta na letra do poeta. "Tudo o que eu quero dizer está ali nas letras", afirmava Ney com sincera convicção, em fala (de antiga entrevista) reproduzida em Olho nu. Tais contradições jamais diluem a integridade artística com que o já septuagenário Ney de Souza Pereira conduziu a carreira do Matogrosso pós-Secos & Molhados. Ao capturar o cantor em imagens dos recentes shows Inclassificáveis (2007) e Beijo bandido, alocando tais imagens no roteiro ao lado de cenas de espetáculos dos anos 1970 e 1980, Olho nu escancara a coerência que pautou vida e obra de Ney, enigmática força da natureza que o documentário de Joel Pizzini espreita pelas frestas, atento aos sinais, mas sem deixar Ney nu.

9 comentários:

Mauro Ferreira disse...

É pelas frestas - dos palcos, das casas e das matas da mãe natureza - que Olho nu enxerga Ney Matogrosso. Não a ponto de decifrar inteiramente a alma desse enigmático sujeito estranho, mas com foco suficiente para retratar com nitidez a na tela personagem documentada com riqueza de imagens (novas e antigas) e sem os robotizados depoimentos típicos dos filmes que procuram entronizar o artista enfocado. Desde 2013 exibido em concorridas sessões avulsas de festivais, o documentário Olho nu entra em cartaz nos cinemas a partir de 15 de maio com cacife para atrair admiradores deste cantor mato-grossense que há 41 anos desafia seu público com um olhar provocativo sobre a vida, expressado através de seu canto. Com o aval de Ney, coprodutor do filme, o diretor e roteirista Joel Pizzini confronta imagens do passado e do presente em Olho nu, espreitando Ney através de câmeras que investigam os ambientes filmados para o documentário. Penetrar por casas e matas habitadas pelo artista é uma forma de enfocar o cidadão Ney de Souza Pereira, já que o Ney Matogrosso dos palcos e camarins é - com ou sem maquiagem e fantasia - uma personagem que sai de cena tão logo o show acaba, como o próprio Ney ressalta quase ao fim do filme, em fala determinante para se entender a natureza de seu processo artístico. Pizzini foca Ney com estilo, no tempo sem pressa de um artista que sempre caminhou com suas próprias pernas - e com personalidade - pelo mundo e pela música. Um caminhar feito com livre trânsito entre (quase) todos os estilos e gêneros de música brasileira - o que explica as imagens já raras que mostram Ney em duetos com artistas de universos musicais tão distintos como Astor Piazzolla (1921 - 1992), Caetano Veloso, Chico Buarque, Emilinha Borba (1923 - 2005), Fagner, Luli & Lucina e Toquinho. A propósito: as imagens de arquivo exibidas por Olho nu, com foco no Ney dos anos 1970 e 1980, são verdadeiras pérolas pescadas no baú que dão brilho adicional ao documentário. Vê-se fragmentos do show Bandido (1976), o clipe da gravação de Barco negro (Matheus Nunes e David de Jesus Mourão) e trechos de show histórico do trio Secos & Molhados no Maracanãzinho, entre outras raras imagens que são a mais perfeita tradução da natureza camaleônica do artista. E por falar em natureza, imagens novas e antigas de Ney nas matas e rios ajudam o espectador a enxergar na tela um pouco da alma de um ser humano criado com natural intimidade com os matos e os bichos. A ponto de causar arrepios urbanoides a cena em que Ney aparece deitado em pedra de rio com um caramujo a lhe cobrir inteiramente os lábios. Os depoimentos do artista - geralmente ouvidos em off - pontuam uma narrativa também feita de necessários silêncios. E é também pelas frestas desses depoimentos que Olho nu captura Ney. "Tenho medo do mar", revela o artista à certa altura do filme, deixando entrever trauma por ter sido, criança, carregado por uma onda e salvo por homem de um braço só.

Mauro Ferreira disse...

Ney não evita assuntos. Ao longo dos 100 minutos do filme, ele fala da relação contestatória com o pai (ouvido em depoimento de arquivo), do azedume da relação dos Secos & Molhados quando a força da grana ergueu e destruiu coisas belas e das sucessivas perdas de amigos dos anos 1980 por conta da Aids, entre outros temas abordados de forma espontânea, sem sensacionalismos. Naturais em artista de natureza camaleônica, as eventuais contradições aparecem no confronto entre depoimentos antigos e atuais. "Não pensem que eu acredito em tudo que canto", avisa Ney após o filme exibir trecho do show Beijo bandido (2009) em que o cantor dá voz à música Medo de amar (Vinicius de Moraes) - "O ciúme é o inferno do amor", sentencia, contrariando a visão romântica exposta na letra do poeta. "Tudo o que eu quero dizer está ali nas letras", afirmava Ney com sincera convicção, em fala (de antiga entrevista) reproduzida em Olho nu. Tais contradições jamais diluem a integridade artística com que o já septuagenário Ney de Souza Pereira conduziu a carreira do Matogrosso pós-Secos & Molhados. Ao capturar o cantor em imagens dos recentes shows Inclassificáveis (2007) e Beijo bandido, alocando tais imagens no roteiro ao lado de cenas de espetáculos dos anos 1970 e 1980, Olho nu escancara a coerência que pautou vida e obra de Ney, enigmática força da natureza que o documentário de Joel Pizzini espreita pelas frestas, atento aos sinais, mas sem deixar Ney nu.

Tommy Beresford disse...

Acrescentei o link para seu texto em meu post sobre o filme, em

http://cinemagia.wordpress.com/2014/04/29/oiho-nu-novo-filme-de-joel-pizzini/

Grande abraço !

Thiago Alves disse...

Tenho uma dúvida enorme e que nunca tive resposta. Rs Qual a relação entre o Ney e a Bethânia? Nunca se viu foto desses dois juntos, nem depoimento. Absolutamente nada. Mauro, você sabe nos dizer algo sobre isso? Sempre sonhei com os dois juntos.

Denilson Santos disse...

Estou aguardando ansiosamente a estreia desse filme.

abração,
Denilson

Caio disse...

uma vez em uma entrevista estilo bate-bola perguntaram para o Ney: mulher bonita? e ele respondeu na lata MARIA BETHÂNIA. e logo em seguida a elogiou. não sei se alguem pode recuperar essa entrevista. eu não lembro para onde foi, só sei que é antiga (anos 80 ou 90).

Caio disse...

uma vez ney foi entrevistado em uma entrevista estilo bate-bola e perguntaram para ele: uma mulher bonita? e ele respondeu na lata: MARIA BETHÂNIA. e logo em seguida a elogiou. não sei se alguém pode recuperar essa entrevista. não lembro para onde foi, só sei que é uma entrevista antiga (anos 80 ou 90).

Luca disse...

Vi num festival aqui em São Paulo, é documentário diferente dos outros, gostei muito

ADEMAR AMANCIO disse...

Eu também lembro desse bate bola,onde Ney Matogrosso cita Maria Bethânia,como referência de mulher bonita.