Mauro Ferreira no G1

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sábado, 19 de janeiro de 2013

Nem a obra de Ary e a atuação de Diogo Vilela salvam musical sem vida

Resenha de musical
Título: Ary Barroso - Do princípio ao fim
Texto e direção: Diogo Vilela
Supervisão artística: Amir Haddad
Direção musical e arranjos: Josimar Carneiro
Elenco: Diogo Vilela (como Ary Barroso), Alan Rocha, Ana Baird, Esdras de Lucia,
           Marcos Sacramento, Mariana Baltar, Reynaldo Machado e Tânia Alves
Cotação: *
Musical em cartaz no Teatro Carlos Gomes, no Rio de Janeiro, até 31 de março de 2013

Um dos melhores atores de sua geração, Diogo Vilela já viveu nos palcos de forma convincente os cantores Nelson Gonçalves (1919 - 1998) e Cauby Peixoto. No musical Ary Barroso - Do princípio ao fim, que estreou esta semana no Rio de Janeiro (RJ), Vilela encarna a personagem-título, umas das figuras exponenciais da música brasileira pré-Bossa Nova. Mais uma vez, a atuação e a caracterização do ator são primorosas. Mas nem o talento do ator e tampouco a obra magistral do compositor mineiro - passada em revista ao longo dos 25 números do musical - salvam um espetáculo sem vida e sem ação, motor do bom teatro. Em sua estreia como dramaturgo, Vilela criou texto essencialmente narrativo que por vezes resulta didático e artificial. O musical situa Ary Barroso (1903 - 1964) em seu leito de morte, no domingo de Carnaval em que a escola de samba carioca Império Serrano iria desfilar com o samba-enredo Aquarela brasileira (Silas de Oliveira). Ao longo de 150 minutos, o musical se arrasta em cena com as tentativas de quatro ritmistas da escola - vividos pelos atores-cantores Alan Rocha, Esdras de Lucia, Marcos Sacramento e Reynaldo Machado - de convencer o compositor a testemunhar a homenagem que iria lhe ser prestada pela agremiação no desfile. Esse é o pretexto para que, entre lembranças e delírios, Ary rememore os principais fatos de sua biografia. A obra em si do compositor é genial. Contudo, sua execução em cena também resulta geralmente sem brilho. Como cantor, Diogo Vilela continua sendo um extraordinário ator - como fica evidente já no segundo número, o inédito samba-choro Quantas vezes já morri (Josimar Carneiro e Diogo Vilela, 2012), composto para o musical. Para piorar o quadro, a direção musical e os arranjos de Josimar Carneiro pecam pela falta de vibração nos sambas. Mas merece menção honrosa o belo arranjo vocal criado para o samba Na baixa do sapateiro (Ary Barroso, 1938) no fecho do (longo) primeiro ato. Ana Baird - que no segundo ato entra na pele da atriz paulista Alda Garrido (1896 - 1970) em monólogo desconectado da linha narrativa do musical - responde por alguns dos melhores momentos musicais desse primeiro ato. Suas interpretações dos sambas-canção Folha morta (Ary Barroso, 1950) - cantado por Baird na pele de Aracy Cortes (1904 - 1985), cantora carioca retratada como egocêntrica no texto - e Na batucada da vida (Ary Barroso e Luís Peixoto, 1934) são sopros de vivacidade em musical de tom por vezes fúnebre. Destaque do elenco feminino, Baird também consegue evocar bem a figura da cantora paulista Linda Batista (1919 - 1988) quando dá voz ao samba-canção Risque (Ary Barroso, 1952). Com presença mais discreta no ingrato papel de Ivone, esposa de Ary, Tânia Alves tem seu momento ao entoar o samba-canção Tu (Ary Barroso, 1934). Boa cantora, Mariana Baltar faz o que pode no papel de Carmen Miranda (1909-1955), encarando até cena constrangedora em que a Pequena Notável entra num caixão! De seus números musicais, merece menção o medley que junta Eu dei... (Ary Barroso, 1937), Como vaes você? (Ary Barroso, 1937) e Salada mista (Ary Barroso, 1938). Tal número é aberto por inacreditável (e dispensável no contexto do musical) versão em inglês escrita pelo letrista Ray Gilbert (1912 - 1976) para Baião (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, 1946).  Bom cantor, Marcos Sacramento também se ressente da linha equivocada do musical. Ainda assim, Sacramento se faz notar quando, na pele do pai de Ary, canta Três lágrimas (Ary Barroso, 1939) à beira do leito do filho (uma cama de hospital, aliás, é o elemento principal do cenário de Beli Araújo). Do time masculino, Reynaldo Machado também se destaca em cena com boa voz, mesmo sendo posto para cantar Camisa amarela (Ary Barroso, 1939), música escrita pelo compositor sob ótica feminina. No segundo ato, a encenação do programa de calouros comandado pelo severo Ary garante algum riso - assim como a encenação do dueto de Boneca de pixe (Ary Barroso e Luis Iglézias, 1938). A execução de trecho do Hino do Flamengo (Lamartine Babo, 1945) também provoca comunicação imediata com a plateia. Mas não a ponto de justificar a (falta de) ação de Ary Barroso - Do princípio ao fim. Do jeito que a vida e a música de Ary estão encenadas por Vilela, o musical provoca enfado. Ao se revezar nas funções de autor, diretor e ator protagonista do espetáculo, que culmina com a apresentação da clássica Aquarela do Brasil (Ary Barroso, 1939) em tom que oscila entre o acalanto, a marcha fúnebre e (enfim) samba, Diogo Vilela acaba apresentando trabalho aquém do seu currículo e da importância capital de Ary Barroso na música brasileira. Ary Barroso - Do princípio ao fim é um musical de morte...

5 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Um dos melhores atores de sua geração, Diogo Vilela já viveu nos palcos de forma convincente os cantores Nelson Gonçalves (1919 - 1998) e Cauby Peixoto. No musical Ary Barroso - Do princípio ao fim, que estreou esta semana no Rio de Janeiro (RJ), Vilela encarna a personagem-título, umas das figuras exponenciais da música brasileira pré-Bossa Nova. Mais uma vez, a atuação e a caracterização do ator são primorosas. Mas nem o talento do ator e tampouco a obra magistral do compositor mineiro - passada em revista ao longo dos 25 números do musical - salvam um espetáculo sem vida e sem ação, motor do bom teatro. Em sua estreia como dramaturgo, Vilela criou texto essencialmente narrativo que por vezes resulta didático e artificial. O musical situa Ary Barroso (1903 - 1964) em seu leito de morte, no domingo de Carnaval em que a escola de samba carioca Império Serrano iria desfilar com o samba-enredo Aquarela brasileira (Silas de Oliveira). Ao longo de 150 minutos, o musical se arrasta em cena com as tentativas de quatro ritmistas da escola - vividos pelos atores-cantores Alan Rocha, Esdras de Lucia, Marcos Sacramento e Reynaldo Machado - de convencer o compositor a testemunhar a homenagem que iria lhe ser prestada pela agremiação no desfile. Esse é o pretexto para que, entre lembranças e delírios, Ary rememore os principais fatos de sua biografia. A obra em si do compositor é genial. Contudo, sua execução em cena também resulta geralmente sem brilho. Como cantor, Diogo Vilela continua sendo um extraordinário ator - como fica evidente já no segundo número, o inédito samba-choro Quantas vezes já morri (Josimar Carneiro e Diogo Vilela, 2012), composto para o musical. Para piorar o quadro, a direção musical e os arranjos de Josimar Carneiro pecam pela falta de vibração nos sambas. Mas merece menção honrosa o belo arranjo vocal criado para o samba Na baixa do sapateiro (Ary Barroso, 1938) no fecho do (longo) primeiro ato. Ana Baird - que no segundo ato entra na pele da atriz paulista Alda Garrido (1896 - 1970) em monólogo desconectado da linha narrativa do musical - responde por alguns dos melhores momentos musicais desse primeiro ato. Suas interpretações dos sambas-canção Folha morta (Ary Barroso, 1950) - cantado por Baird na pele de Aracy Cortes (1904 - 1985), cantora carioca retratada como egocêntrica no texto - e Na batucada da vida (Ary Barroso e Luís Peixoto, 1934) são sopros de vivacidade em musical de tom por vezes fúnebre. Destaque do elenco feminino, Baird também consegue evocar bem a figura da cantora paulista Linda Batista (1919 - 1988) quando dá voz ao samba-canção Risque (Ary Barroso, 1952).

Mauro Ferreira disse...

Com presença mais discreta no ingrato papel de Ivone, esposa de Ary, Tânia Alves tem seu momento ao entoar o samba-canção Tu (Ary Barroso, 1934). Boa cantora, Mariana Baltar é prejudicada no papel de Carmen Miranda (1909 - 1955) por cena constrangedora em que a Pequena Notável entra num caixão! De seus números musicais, merece menção o medley que junta Eu dei... (Ary Barroso, 1937), Como vaes você? (Ary Barroso, 1937) e Salada mista (Ary Barroso, 1938). Tal número é aberto por inacreditável (e dispensável no contexto do musical) versão em inglês escrita pelo letrista Ray Gilbert (1912 - 1976) para Baião (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, 1946). Bom cantor, Marcos Sacramento também se ressente da linha equivocada do musical. Ainda assim, Sacramento se faz notar quando, na pele do pai de Ary, canta Três lágrimas (Ary Barroso, 1939) à beira do leito do filho (uma cama de hospital, aliás, é o elemento principal do cenário de Beli Araújo). Do time masculino, Reynaldo Machado também se destaca em cena com boa voz, mesmo sendo posto para cantar Camisa amarela (Ary Barroso, 1939), música feita pelo compositor sobre ótica feminina. No segundo ato, a encenação do programa de calouros comandado pelo severo Ary garante algum riso - assim como a encenação do dueto de Boneca de pixe (Ary Barroso e Luis Iglézias, 1938). A execução de trecho do Hino do Flamengo (Lamartine Babo, 1945) também provoca comunicação imediata com a plateia. Mas não a ponto de justificar a (falta de) ação de Ary Barroso - Do princípio ao fim. Do jeito que a vida e a música de Ary estão encenadas por Vilela, o musical provoca enfado. Ao se revezar nas funções de autor, diretor e ator protagonista do espetáculo, que culmina com a apresentação da clássica Aquarela do Brasil (Ary Barroso, 1939) em tom que oscila entre o acalanto, a marcha fúnebre e (enfim) samba, Diogo Vilela acaba apresentando trabalho aquém do seu currículo e da importância capital de Ary Barroso na música brasileira. Ary Barroso - Do princípio ao fim é um musical de morte...

Rafael disse...

Diogo Vilela é um ótimo ator. Ary Barroso, um grande compositor. Pena que a peça não parece ser tão boa. Vamos esperar a peça rodar o Brasil (se é que vai) para tecer uma opinião mais concreta.

Luca disse...

não é possível que um musical com Diogo com as músicas do Ary seja ruim assim como o texto diz

Unknown disse...

Eu assisti.A peca e Otima!Destaque para Tania Alves!:-)