Mauro Ferreira no G1

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terça-feira, 1 de maio de 2012

Alê abre caminho para Mariene sem anular baianidade nagô da tabaroinha

Resenha de CD
Título: Tabaroinha
Artista: Mariene de Castro
Gravadora: Universal Music
Cotação: * * * * *

Produtor do segundo disco de estúdio de Mariene de Castro, Tabaroinha, Alê Siqueira abre caminho para a artista no mercado sem anular a baianidade nagô dessa cantora de voz luminosa. Habilidoso na confecção de um CD alvo de expectativas comerciais por parte da gravadora Universal Music, o produtor atenua a carga afro-brasileira do repertório inicial de Mariene - ou seja, a louvação de santos e orixás feita na obra de Roque Ferreira, compositor até então dominante na discografia da intérprete - sem tirar a cantora da roda. Contudo, o ijexá Ponto de Nanã (Roque Ferreira) - gravado por Fabiana Cozza no álbum Quando o Céu Clarear (2007) e rebobinado por Mariene em Tabaroinha com apropriada citação do Cordeiro de Nanã (Tincoãs) - expõe essa identidade afro-brasileira no tom sereno da interpretação adotada pela cantora em parte das 13 faixas do álbum. Impregnado de brasilidade vivaz, Tabaroinha se revela coerente com a estrada pavimentada por Mariene de Castro nos discos Abre Caminho (2004) e Santo de Casa ao Vivo (2010). Musicalmente, o disco extrapola a fronteira baiana e segue a rota rítmica do Nordeste. Mariene trilha serena a poética Estrada de Canindé (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, 1950), solta Foguete (Roque Ferreira e J. Velloso) em ritmo de xote - o mesmo Foguete disparado por Maria Bethânia em registro do DVD Tempo Tempo Tempo Tempo (2005) - e se banha na levada do maracatu ao regravar o samba Filha do Mar (Flávia Wenceslau, 2010). Mas é a baianidade nagô de Mariene que pontua o disco. A cantora põe na sua roda até um samba carioca de Arlindo Cruz, Jr. Dom e Babi - A Pureza da Flor, gravado pelo Grupo Revelação no álbum Velocidade da Luz (2006) - enquanto apresenta grande samba romântico da lavra do compositor baiano Nelson Rufino, Amuleto da Sorte, à altura dos sucessos de Zeca Pagodinho no gênero. Referência máxima da música baiana, Dorival Caymmi (1914 - 2008) está (bem) representado em Tabaroinha pela lembrança de Tia Anastácia (Cantiga pro Sinhozinho), faixa de espírito lúdico que vem a ser a adaptação infantil (feita nos anos 70) de História pro Sinhozinho, tema lançado em 1945 nas vozes do Trio de Ouro. Há ecos de Caymmi também no universo praieiro de Marujo (Roberto Mendes e Nizaldo Costa), faixa levada somente pelo violão de Mendes e pelas palmas da cantora e do compositor. É neste mar baianíssimo que a preta retratada em Orixá de Frente (Roque Ferreira) vai botar presente para a rainha das águas. Que dengo tem a voz de Mariene nesta regravação que resulta tão especial quanto a feita por Roberta Sá com o Trio Madeira Brasil no CD Quando o Canto É Reza (2010)! É com este dengo que Mariene repagina em tom de samba amaxixado o seminal lundu Isto É Bom - composto pelo baiano Xisto Bahia (1841 - 1894) e gravado em 1902 - e que avisa que pode permanecer na roda no samba Não Vou Pra Casa (Antonio Almeida e Roberto Riberti, 1941), fecho coerente deste irretocável disco em que Mariene recorre mais uma vez ao repertório de Alcione, de quem já gravou Ilha de Maré (Walmir Lima e Lupa, 1977). Do repertório da Marrom, Mariene rebobina Roda Ciranda (Martinho da Vila) - com providencial reverência à gravação feita por Alcione com Maria Bethânia em 1984 - e ilumina com luz própria o samba Um Ser de Luz (João Nogueira, Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro), lançado pela Marrom em 1983 para saudar Clara Nunes (1942 - 1983), cantora a que Mariene vem sendo comparada justamente pela luminosidade que irradia de sua voz. Em Tabaroinha, a saudação a Clara é feita no toque dos atabaques em clima quase sagrado no qual se ambienta a voz de Mateus Aleluia, convidado da faixa. Repleto de percussões e vozes femininas, Tabaroinha é álbum que honra o legado de Clara Nunes e que, apesar do teor de regravações do repertório ser demasiadamente alto, consolida o canto de Mariene de Castro. Que os caminhos do mercado musical se abram, enfim, para a tabaroinha! 

29 comentários:

Mauro Ferreira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
lurian disse...

Tantas estrelas pra nada... O disco é + do mesmo. Essa fórmula já deu! Cheio de regravações onde vc tem a nitida sensação que já ouviu aquilo melhor em outro lugar... Pra mim bola fora da Mariene de Castro que podia ter pescado pérolas menos conhecidas do Gerônimo e outros compositores de sua própria terra. Ainda prefiro o primeiro.

lurian disse...

Só uma correção Mauro, Filha do Mar (Flávia Wenceslau) não é um maracatu!!!

Mauro Ferreira disse...

Lurian, a faixa 'Filha do Mar' foi gravada na batida do maracatu, ainda que com outros elementos no arranjo. Pelo menos assim eu entendo a faixa. Abs, grato pela participação, MauroF

lurian disse...

Não mesmo Mauro, posso garantir que a percussão do maracatu é completamente diferente. O único ritmo que um pouco se assemelha ao maracatu é a congada mineira e ambos passam longe da percussão rítmica, melodia e cadência dada por Mariene de Castro a esta canção, isso é um samba do Recôncavo! Os demais colegas pernambucanos e/ou cearenses, estados onde o maracatu surgiu e se mantém podem confirmar.

Abraços.

lurian disse...

Desculpe tantas correções, mas a faixa também não é inédita, foi gravada por Flávia Wenceslau no disco
Saia De Retalho (2010), fui ouvir o arranjo da própria Flávia e lá fica bem caracterizado o samba do Reconcavo!

Ricardo Manhães Filho disse...

O álbum está excelente. Coeso do início ao fim, e acho inclusive que Mariene passa com louvor pelo desafio do segundo disco. Tudo parece ter sido feito com tamanha convicção e tamanha precisão que o resultado não poderia ser diferente. A gravação dela de "A Pureza da Flor" ficou maravilhosa, não poderiam escolher melhor para abrir o álbum. Já em relação às regravações, acredito que através de um processo gradativo e cuidadoso, ela vai procurar um rumo novo para a carreira de acordo com o tempo, descobrindo novos compositores que traduzam a baianidade e a tabaroice dela. Acho que se a Universal espera um bom retorno comercial com esse disco, eles o fizeram da maneira certa, porque é inteligentemente comercial e ainda sim 'roots'.

Mauro Ferreira disse...

Sim, Lurian, você tem razão. Flávia lançou 'Filha do Mar' no 'Saia de Retalho', disco que tem a participação da própria Mariene.

Quanto ao arranjo, pode ser que vc esteja certo, mas continuo identificando na gravação de Mariene uma levada de maracatu, entre outros elementos. Abs, obrigado.

falsobrilhante disse...

O disco é bom e merece ser ouvido e repercutido, sobretudo nestes tempos tão nebuloso para a música brasileira. Mariene tem personalidade marcante e presença de palco excelente, merece ser vista também.

Contudo, incomoda-me um pouco essa coisa de "ter que atenuar a carga afro-brasileira" para chegar ao Brasil. Talvez resida aí um dos poucos problemas do disco. Temos que nos esconder do somos para chegar até nós mesmos?

O produtor e a gravadora deveriam era explorar melhor isso, afinal, o que vende não é a qualidade do produto, é o marketing que é feito em torno dele.

Acredito mesmo que seja um desperdício querer atenuar a "brasilidade vivaz" e desviar os rumos da "estrada pavimentada" pela Tabaroinha.

O trabalho de Mariene está imbuído da ideia de resgate, e aí seria coerentíssimo regravar. Talvez a dose devesse ser um pouco menor para poder abrir espaço no disco para mostrar novas possibilidades.

Eduardo Cáffaro disse...

Comprei o meu ontem. Gostei muito. Mas tb acho que tem regravações demais. Não precisa, ela pode garimpar mais elançar coisas lindas que tem na Bahia e pouco divulgadas. O repertório foi beber em Bethânia, Alcione, Foguete ( dvd tempo tempo ), Roda Ciranda (Alcione e Bethânia) e Cantiga pro Sinhozinho ( do cd Pirata )Um ser de Luz tb da Alcione. mas enfim, Mariene tem uma luz própria, e ao vivo manda bem. Não precisa regravar muito não garota ...

Eduardo Cáffaro disse...

Mauro, sabe algo sobre novo cd da Elba ? Tem uma foto no orkut dela dizendo que é do trabalho novo... vc já viu ?

Anônimo disse...

Maracatu tb nascido no Ceará?!
Necas! É made in PE. E só!
Vc é cearense, Lurian?
É humorista como reza a boa tradição? :-)
Quanto a música, não ouvi. Mas creio que seja uma alusão longínqua ao ritmo PERNAMBUCANO.
No primeiro disco de Marisa Monte a regragação da clássica Comida dos Titãs ela diz ser um maracatu.
Demorei algum tempo pra enxergar o ritmo ali.
Mas depois vi/ouvi. São pequenas alusões.

Nelson disse...

Pensei ter lido 5 estrelas. Mudou Mauro?

Maria disse...

Zé Henrique, que bom está de volta! seus comentários inteligentes estavam fazendo falta aqui no blog.

Mauro Ferreira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mauro Ferreira disse...

Eduardo, nada sei sobre o disco de Elba, por ora. Zé Henrique, você disse tudo. É isso mesmo. A levada da faixa alude ao ritmo do maracatu sem ser um maracatu de fato. Sim, Nelson, mudei a cotação cerca de meia hora após a publicação da postagem. Ao reler o texto, vi que fiz a ressalva do alto teor de regravações (e acho realmente que, para um disco de carreira, tem regravação demais em 'Tabaroinha'). Julguei que ficaria incoerente dar a cotação máxima e fazer tal ressalva no texto. Abs, grato a todos pelos comentários, MauroF

lurian disse...

Zé Henrique já vi que vc desconhece o maracatu cearense que é bastante diferente do Pernambucano, de ritmo mais lento e cadenciado e foi amplamente usado por compositores como Ednardo, do qual temos Terral, uma das músicas mais representativas do Ceará. Morei anos em Pernambuco e no Ceará e conheço BEM OS DOIS, inclusive quanto às diferenças. Não preciso de bairrismo, muito menos de ironias infantis para defender a idéia porque ela é amplamente defendida pelos estudiosos como em "Festas dos Negros em Fortaleza" (2009) de Janote Marques, onde cita o maracatu cearense como "Oriundo das coroações de Reis do Congo, acontecidas a partir do século XVIII nas igrejas de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos em Fortaleza." Enfim, é isso!

Marcelo Barbosa disse...

Olha, eu queria ter a mesma sensação dos colegas. Ouvi esse disco e o da Mart'nália no domingo e para ser muito sincero gostei muito pouco.
Acho a Mariene uma GRANDE cantora, VOZ LINDA, terá um caminho brilhante pela frente, mas o EXCESSO de regravações prejudica sim o disco. Tem que se garimpar coisas novas! Que mania a indústria tem de querer impor regravações, CHEGA!!!
O Nosso samba tá na rua está aí para comprovar a quantidade de excelentes compositores de samba e de composições novas! JÁ DEU!
Espelhe-se na Madrinha, Mariene!
No mais, eu curti bem mais os dois primeiros que são maravilhosos, principalmente o Santo de Casa ao vivo que é lindo.
Abs,

Marcelo Barbosa

PS: Sem falar que no SAMBABOOK do João Nogueira (quando teremos a resenha, meu caro crítico?) ela canta MAIS UMA VEZ Um ser de luz.

Anônimo disse...

Lurian, já vi que não é cearense e muito menos humorista. Sem estresse, baby. O maracatu pernambucano - aliás, o único - tem vários ritmos.
Mais lento, mais rápido... Tem até as designações: Baque solto, baque virado...
Portanto...
Vc jamais verá um pernambucano bairrista. Isso é lenda. Quem nem maracatu cearense. :-)

PS: Valeu o carinho, baiana Marycota! Um beijo pra vc, um abraço para o Mauro e um aperto de mão para Lurian.

Ahh, Tabaroinha é um nome super simpático/engraçado/singelo.
Gostei!

maroca disse...

Augusto Flávio (Juazeiro-Ba) Disse:

Não sou muito a favor de regravações. Mas devemos lembrar que os discos de Gal Costa, Gal Tropical 1979 todas as músicas são regravações, Agua Viva 1978 de inéditas só tem: Folhetim, Mãe, Vida de artista, A mulher e O Gosto do amor. As outras sete faixas são todas regravações. E nem por isso deixaram de ser discos antológicos e clássicos na música brasileira.

Marcelo Barbosa disse...

Mauro,

Depois dê uma olhada no link: http://www.youtube.com/watch?v=WS9stafSaCQ.
A Mariene disse que Clara NÃO É referência na sua música, inclusive chegou a esta música Um ser de luz através de Beth, pois não a conhecia.
Portanto, por mais que os fãs de outras cantoras achem que há uma referência de Clara, não há! A referência de Mariene é BETH como foi declarado no making off dos sambas da Bahia.

Felipe Candido disse...

Mauro, só uma pequena correção. "Foguete" na verdade é de J. Velloso e Roberto Mendes, e não do Roque Ferreira, como está no texto.

Felipe Candido disse...

Mauro, me desculpe! Acabei de enviar uma mensagem falando que "Foguete" não era de Roque Ferreira. Estava equivocado, mas a canção também é de J. Velloso.

Káyon disse...

Ixi, em nada (voz, interpretação, temperamento cênico, visual, repertório) consigo enxergar a Beth. Falando nisso, eita mulher pra gostar de um pagãozinho, né não?

Mauro Ferreira disse...

Grato, Felipe. Tinha esquecido de creditar o nome do Jota Velloso em "Foguete". Abs, mauroF

lurian disse...

Mariene vem vestida de Alcione e querem imputar Clara e Beth...O disco é alcionesco, (das antigas, claro) rs

Marcelo Barbosa disse...

Mas não se enxerga Beth também nela. A mulher é baiana, segue os mesmos preceitos religiosos e só por isso tem que se espelhar em Clara Nunes? Nada a ver!

Anônimo disse...

Bom, essa capa me lembra muito as capas da Alcione da década de 70, no repertório tem Alcione(2) e Bethânia (2), na estética ela lembra Clara e dizer que não conhecia um ser de luz?! Onde Mariene, que canta samba, esteve nos últimos 30 anos. Um ser de luz sempre é lembrada quando se fala de Clara Nunes. A não ser que a música foi apresentada a ela, como se feita em homenagem a outra cantora, rs. Brincadeiras a parte, acho que a inspiração da Mariene está no trio ABC, o que a torna meio datada.

RURIK VARDA disse...

Não acho esse trio datado, não. Aliás, mesmo em tempos de Internet, nenhuma cantora de samba depois dessas conseguiu a projeção nacional que as três conquistaram em suas carreiras. E, estilos à parte, estamos precisando de cantoras de samba de verdade. Que ela, então, se espelhe em quem entende do riscado.
"Um ser de luz" ainda cabe sem folgas na gravação antológica e no canto pungente e musculoso da Marrom.